domingo, 15 de março de 2015

A bomba escondida no pré-programa de António Costa

OPINIÃO


É importante saber se as câmaras municipais estão hoje em condições PARA gerir orçamentos que em muitos casos irão duplicar e se daqui até 2024 haverá condições PARA reunirem todos os meios necessários para acolher as funções que o PS lhes quer atribuir.
1 – O pacote de 55 medidas prévias que o secretário-geral do Partido Socialista apresentou há dias em Santarém parece mais uma daquelas obras redondinhas e inócuas com que os políticos gostam de entreter a opinião pública. Parece, mas não é. Há por lá muitos planos, muito palavreado vão e muitas boas intenções, mas há também substância política de primeira relevância.
No capítulo dedicado às Finanças Locais, mais exactamente no seu ponto 13.2, é apresentada uma proposta que, se for aplicada, promete gerar o mais brutal abanão na estrutura da administração pública das últimas décadas. Aí, António Costa propõe atribuir aos municípios “uma parcela do IVA arrecadado nos respectivos concelhos” com o objectivo de “aumentar a participação municipal nas receitas públicas”, fazendo-as subir em 2024 para a média da União Europeia. Se esse objectivo for cumprido, o peso dos municípios na receita total do Estado passará de 17% para 32%. Em vez dos actuais 13.1 mil milhões de euros, as câmaras terão direito a receitas de 26.6 mil milhões de euros. O que está em causa não é uma reforma. É uma revolução.
A experiência autárquica de António Costa ajuda a situar esta súbita devoção do PS aos encantos do poder local. No dia em que apresentou estas medidas o secretário-geral do partido chegou a citar Valente de Oliveira, que em tempos dizia que um EURO aplicado pelas autarquias valia três vezes o investimento do mesmo valor pela administração pública central. Mas podia citar João Cravinho, que anda há anos a dizer que não se faz uma reforma do Estado em Portugal se não se mexer na sua macrocefalia e hipercentralização. A proposta de António Costa vai nesse sentido. Se fosse aplicada, ficaríamos longe da Espanha ou da Suécia, onde as receitas municipais correspondem a 63 e 48% do total. Mas deixaríamos de estar no pelotão liderado pela República Checa e pela Grécia PARA entrarmos nos padrões médios da União Europeia.
Se nos princípios, a tese do PS é irrecusável, a sua concretização oferece no entanto imensos riscos. O primeiro é o coro que se avizinha dos lobbies que gravitam em torno de um Estado obeso, labiríntico e opaco, PARA os quais qualquer euro de despesa pública decidido fora do seu círculo de poder é uma perda potencial. O segundo é o de saber que governo terá energia suficiente para retirar à administração central as competências que se propõe distribuir para as autarquias, a condição absolutamente necessária para que o aumento das suas receitas não implique um disparo nos gastos públicos – cada função transferida será acompanhada pelo financiamento da sua execução. Finalmente, é importante saber se as câmaras municipais estão hoje em condições para gerir orçamentos que em muitos casos irão duplicar e se daqui até 2024 haverá condições para reunirem todos os meios técnicos e humanos necessários para acolher as funções que o PS lhes quer atribuir.
PARA lá destas dúvidas, fica também em aberto o que quer António Costa em concreto com as alterações que propõe PARA as Comissões de Coordenação Regional que existem nas cinco regiões-plano do país (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve). Nas suas propostas preliminares, Costa reitera a sua vontade de as “democratizar”, se não plenamente (pelo sufrágio universal), pelo menos indirectamente (através de uma eleição reservada a autarcas) e de lhes reforçar competências, de modo a transformá-las “na base da administração regional no Continente”.
Faz sentido esta preocupação. Distribuir 24 mil milhões por 308 autarquias seria pulverizar investimento e impedir a concretização de políticas de desenvolvimento à escala regional. O plano do PS propõe-se reforçar o associativismo municipal, mas a experiência tem demonstrado que a abertura dos autarcas para projectos colectivos não passa muitas vezes de uma promessa vaga e vã. O que Costa sugere para as CCDR, sem contudo abrir por completo o jogo, é que estas instituições funcionarão como os órgãos de gestão de uma política regional. Que prevalecerá sobre os municípios e também sobre os organismos da administração periférica do Estado. Neste particular, os socialistas sugerem que as direcções-regionais sejam integradas nas CCDR.
Se António Costa e o PS não tivessem medo das palavras, teriam certamente avançado para a regionalização administrativa que ainda continua na letra da Constituição. Mas, talvez por recear o ruído de fundo e a demagogia que este tema continua a suscitar em Portugal, Costa dissimula, baralha e dá de novo para chegar aos seus fins. Entre o que está previsto para a Regionalização e a reforma que ele propõe há apenas uma diferença: a eleição dos órgãos das CCDR. E neste pequeno detalhe há grandes diferenças. Seria muito mais democrática uma eleição aberta a todos os cidadãos do que deixar as escolhas nas mãos dos autarcas.
Seja como for, para quem acreditava que Costa, meio ano depois de tomar posse, se limitava a dar fio à estrela, a hora é de fazer uma pequena revisão. Bem se sabe que, no essencial, o secretário-geral do PS tem-se entretido a concretizar a sua estratégia com uma admirável frieza  o cenário macroeconómico do seu programa aparecerá lá para o final do mês e o programa propriamente dito lá para Junho. Mas como nem o mais cerebral dos políticos pode manter-se firme, hirto e calado perante a pressão da opinião pública e o nervosismo dos militantes do seu partido, António Costa decidiu estilhaçar o compromisso de apresentar uma reforma que, se for levada a sério, mudará profundamente a face da organização do Estado português.
– O nome, apesar de pomposo, sugere uma banal criação burocrática. Mas o registo de identificação criminal de pessoas condenadas por crimes contra a autodeterminação e a liberdade sexual de menores é uma excrescência política perigosa. Um atentado contra as liberdades individuais, um ataque ao princípio da reinserção social dos que cumpriram penas, um delírio populista que a maioria dos actores da Justiça condena e todos os que temem a deriva PARA a justiça popular censuram. Que PARA cúmulo não garante qualquer eficácia – na maior parte dos casos os agressores são da família, vizinhos ou conhecidos das vítimas. Vá lá que a proposta inicial da ministra, que abria a possibilidade de consulta da “lista de pedófilos” ao mais refinadovoyeur, foi travada. Mas o que sobreviveu é por si só suficientemente grave para que possa vingar. Tem a palavra o Tribunal Constitucional.

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