O ex-primeiro-ministro angolano, Marcolino Moco, considerou hoje “muito interessante e de grande alcance” a iniciativa da UNITA de destituição do Presidente angolano, sobretudo em termos políticos, considerando que o pedido indica “aspectos muito graves” que se passam em Angola.
Em declarações à Lusa, Marcolino Moco diz que, “em termos políticos, não há dúvidas que é uma iniciativa muito interessante, pelo menos através desta atitude está a chamar-se a atenção para aspectos muito graves que se estão a passar no país por iniciativa do Presidente da República, João Lourenço”.
Marcolino Moco salientou que o seu comentário não visa defender se o Presidente angolano deve ou não ser destituído do cargo, mas que a iniciativa legislativa da UNITA “vem na altura de, pelo menos, sacudir a sociedade nacional e internacional no sentido de alertar que o que se passa em Angola é muito grave”.
“O Presidente (da República) João Lourenço está a matar os mecanismos judiciais de forma acintosa, à luz do dia, toda a gente a ver”, afirmou Marcolino Moco, salientado que com os seus despachos o chefe de Estado angolano está a criar “um grande monopólio económico”.
Para o antigo primeiro-ministro angolano, através de despachos presidenciais, João Lourenço, reeleito em 2022 para um segundo mantado de mais cinco anos, “está a puxar a brasa para toda a sua sardinha, em termos económicos, sem olhar para as consequências”.
“Estou a referir-me ao grande monopólio económico que ele está a criar, está a empobrecer o país e a congelar o sangue do país: a moeda não circula, a fome, a indigência, o desemprego aumentam”, apontou.
Marcolino Moco, que já foi secretário-geral do MPLA (partido que está no Poder desde 1975), criticou também João Lourenço, também presidente do MPLA, por “atirar-se” às empresas dos filhos do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos.
“Há toda uma série de questões que, de forma geral, são levantados pelo esboço da acusação da UNITA que, pelo menos, dão a sensação de que afinal a oposição tem a noção do que se passa e está a levantar a situação da gravidade das questões que se passam no país na pessoa do Presidente João Lourenço”, insistiu.
A UNITA apresentou, na quarta-feira, uma proposta de iniciativa de processo de acusação e destituição do Presidente angolano, João Lourenço, por ter “subvertido o processo democrático no país e consolidar um regime autoritário que atenta contra a paz”.
A iniciativa de “Impeachment” (destituição) de João Lourenço foi apresentada em conferência de imprensa pelo grupo parlamentar da UNITA (ver artigo do Folha 8 “Processo de destituição do Presidente da República”, publicado quarta-feira).
Fundamentos doutrinários, político-constitucionais e políticos de desempenho constituem os eixos da iniciativa da UNITA, referindo que a governação de João Lourenço “é contra a democracia, contra a paz social e contra a independência nacional”.
E em reacção, o MPLA acusou, na quinta-feira, a UNITA de ser “irresponsável” e de querer ascender ao poder “sem legitimação”, afirmando que os seus deputados vão tomar providências para impedir que o parlamento angolano seja instrumentalizado.
Para a iniciativa da UNITA – que conta apenas com 90 deputados – passar no crivo do plenário do parlamento, onde o MPLA detém a maioria, dois terços de deputados em efectividade de funções deverão votar favoravelmente, admitindo-se que por ser uma decisão por voto secreto, uma boa parte do MPLA possa solidariza-se com a UNITA.
Questionado se a iniciativa da UNITA tem condições para avançar, ante a maioria parlamentar do MPLA, Marcolino Moco referiu que mesmo que a iniciativa não resulte do ponto de vista legislativo, em termos políticos ela tem “um grande alcance”.
“Esse tipo de actos nem sempre têm o valor pelas consequências que possam ter. Eu, por exemplo, sou jurista, mas não só formalista, olho o direito e a justiça não como um valor em si, mas como um meio”, notou.
Mas, em termos políticos, prosseguiu, “não é preciso que as consequências desta acção venham a ser efectivas, o que a princípio olhando para o plano constitucional, sobretudo no plano material, continua a não haver coragem no seio do MPLA”, apontou.
Em relação à reacção do MPLA, Marcolino Moco considerou que esta reflecte o “mesmo comportamento destes (dirigentes) alegarem serem os inventores da democracia e fundadores da nação”.
“Já vimos a resposta agora do MPLA, que reflecte o mesmo comportamento de que eles que são os inventores da democracia, eles são os fundadores da nação, um conceito completamente errado e que deve ser abandonado se queremos ter efectivamente um país para todos”, defendeu.
Marcolino Moco acrescentou: “Ninguém fundou a nação, este é um slogan político que não é de todo proibido de se dizer, mas não pode ser aceite como algo efectivo, ninguém criou a nação, ela criou-se ao longo da história”.
NÃO FOI POR FALTA DE TENTATIVAS
Em Agosto de 2022, Marcolino Moco declarou o seu apoio à candidatura de Adalberto da Costa Júnior, líder da UNITA, à presidência de Angola por se tratar de “uma grande oportunidade” para criar um Estado inclusivo.
A declaração do antigo dirigente, primeiro-ministro do Governo MPLA entre 1992 e 1996, foi feita durante o tempo de antena da UNITA, em que considerou ser este “um momento para mudar de vida”.
É “uma grande oportunidade para criarmos finalmente um Estado que seja de inclusão”, salientou, afirmando que este é o projecto de Adalberto da Costa Júnior e que coincide com a sua visão de um Estado inclusivo “em que as pessoas não valem pelo cartão que têm”.
“Estamos perante uma grande oportunidade, até por que Adalberto promete pôr de lado a época da caça às bruxas e reunir o país, com tudo o que tem de bom e menos bom, para começar um novo dia. Daí a minha declaração muito forte a favor do projecto de Adalberto, da UNITA, FPU [Frente Patriótica Unida], um projecto que nos vai dar oportunidade de mudar as coisas que têm andado muito mal desde 1975 por causa do carácter unilateral do funcionamento do Estado”, proclamou.
Em Setembro de 2018, altura em que João Lourenço, que se recandidatou ao cargo pelo MPLA, cumpria o primeiro ano do seu mandato, Marcolino Moço afirmava que o Presidente João Lourenço estava a dar “sinais muito positivos”, nomeadamente com a abertura da comunicação social.
Mas nos anos seguintes foi-se mostrando desiludido com aspectos como a violência policial, violação dos direitos humanos e as contradições no combate à corrupção, críticas que terão desagrado ao chefe do executivo angolano e que culminaram com o seu afastamento do cargo, meramente decorativo, de administrador não executivo da Sonangol, de que ficou a saber através da televisão.
Em Julho de 2017, dezenas de pessoas reuniram-se, em Lisboa, para discutir o futuro de Angola. Vários participantes consideram que as eleições de Agosto desse ano poderiam ser “um momento de viragem” para o país.
Eis o artigo então publicado no pela DW sobre este assunto:
«O encontro, promovido pelas associações não-governamentais Frente Cívica e Transparência e Integridade e pelo jornal angolano Folha 8, contou com a participação de Marcolino Moco, ex-primeiro-ministro de Angola, José Marcos Mavungo, economista, filósofo e activista dos Direitos Humanos, e Sedrick de Carvalho, jornalista e activista político do grupo dos 15+2. A iniciativa, que decorreu sob o tema “Angola, Que Futuro?”, antecipa as eleições gerais marcadas para 23 de Agosto deste ano.
No debate, William Tonet, jornalista angolano, afirmou que “é preciso refundar Angola com base numa Constituição”. O também director do jornal Folha 8 disse ainda que, na sua opinião, o país é gerido apenas por linhas do constitucionalismo e não por uma Constituição.
Em entrevista à DW, à margem do evento, Marcolino Moco considerou que as próximas eleições constituem uma oportunidade única de mudança geracional em Angola. Afirmando que “o futuro depende sempre daquilo que fizermos agora”, o antigo primeiro-ministro de Angola frisa que se têm “perdido várias oportunidades”. “Seja qual for o resultado eleitoral teremos novos atores. Aquele que for eleito Presidente [da República] tem muitos poderes. Esperemos que os aproveite no sentido positivo e não no sentido trivial de acumular bens materiais para si e para os seus parentes”, acrescenta. Na mesma ocasião, o ex-primeiro ministro angolano lançou o apelo de mobilização para a mudança no país.
Marcos Mavungo, economista e activista dos Direitos Humanos, também defende a mudança política em Angola, apesar dos obstáculos e práticas do regime no poder que, a seu ver, põem em causa a democracia, minada também pela injustiça e pela corrupção.
Também Sedrick de Carvalho, um dos 17 jovens activistas presos e julgados pelo regime de Luanda, falou à DW em defesa de uma democracia efectiva. Para o angolano, o facto de o “novo [candidato a] Presidente ser escolhido a dedo por José Eduardo dos Santos” é indicativo de que será “alguém que vai, pelo menos, seguir as marcas do seu antecessor”. Pode-se antever por isso, acrescenta, que “João Lourenço vai agir de forma maldosa, tal como tem agido o seu mentor, digamos, quem o indicou. E, certamente, vão ser anos difíceis para todos. É bom o facto de José Eduardo dos Santos não estar [mais na corrida eleitoral] porque isso também revitaliza as nossas forças para continuar a lutar. Afinal de contas, é possível escorraçar um indivíduo que está há muito tempo no poder”.
Segundo João Paulo Batalha, presidente da Transparência e Integridade, o que se pretende com esta iniciativa conjunta, em Lisboa, é “dar uma prova de vitalidade e diversidade da sociedade civil angolana e mostrar que o debate político não é exclusivo dos partidos ou dos candidatos, mas que há expectativas e exigências cívicas para o desenvolvimento de Angola a que os partidos têm de dar resposta”.
À DW África, Paulo de Morais, presidente da Frente Cívica, um dos promotores deste debate, afirmou que as próximas eleições constituem um momento de viragem para Angola. “Se houver uma capacidade dos angolanos em primeira instância, no momento de votar, provocarem uma mudança votando livremente na força política que entenderem, que leve a que a curto prazo se diminua a corrupção, então no médio e no longo prazo, poderemos vir a ter algum desenvolvimento para Angola e para os angolanos”, considerou.
Para este activista, que se tem batido contra a corrupção tanto em Portugal como em Angola, Portugal é onde se encontram os aliados do sistema corrupto e selvagem angolano. Por isso, defendeu, a corrupção angolana é uma questão que “todos temos de discutir, porque os seus efeitos não têm limites territoriais. Como tal, acrescentou, “a luta contra a corrupção não pode ter fronteiras”.
Antes do debate, foi também Paulo de Morais quem fez a apresentação do livro de Wiliam Tonet, “Cartilha do Delegado de Lista”. Trata-se de um guia prático para que os delegados das listas candidatas às próximas eleições angolanas possam zelar pela integridade do processo democrático.»
Folha 8 com Lusa
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