Elisio Macamo
17 saat ·
Recusar governar
Alguns Mozes estão aliviados porque o parlamento aprovou, por unanimidade, o decreto presidencial que declara o estado de emergência. Hurraaa, Moz agora pode ir à guerra com o vírus! Para variar, deixem-me estragar um bocado a festa. A lei que aprova este decreto começa da pior maneira possível. Diz o seguinte: “Havendo necessidade de decretar o Estado de Emergência como forma de adoptar medidas de contenção da propagação do novo coronavírus, responsável pela pandemia da COVID-19, com vista a salvaguardar a vida e saúde pública...”. É exactamente o contrário! Havendo necessidade de adoptar medidas de contenção que implicam limitações no usufruto de direitos garantidos pela constituição torna-se necessário declarar o estado de emergência.
É elementar, menos no seio da nossa classe política. Não é o estado de emergência que vai combater o Covid-19. São as medidas práticas elaboradas pelo governo. O próprio decreto faz esta confusão. Ao invés de simplesmente indicar as liberdades que serão afectadas, ele vai descrevendo as medidas sem que, no entanto, o próprio decreto seja a apresentação dessas medidas. Por isso, aqui e ali vai remetendo ao que o Governo vai elaborar com maior precisão fazendo do decreto efectivamente um cheque em branco que o parlamento concedeu ao Presidente. Não vou levantar aqui a questão da qualidade linguística (e, suponho, jurídica) do decreto. Os erros de Português não são apenas uma vergonha. São uma prova da ausência gritante de profissionalismo no seio do governo. É arrepiante.
De ontem para hoje li um livro muito interessante dum autor americano, Michael Lewis. Chama-se “O quinto risco”, uma descrição fascinante do período de transição da administração de Obama para a administração de Trump. Curiosamente, esta leitura ajudou-me a contextualizar melhor a minha decepção com os que nos governam. É que se for verdade o que o livro relata, não é possível ser pior governado do que os EUA de Trump. A coisa mais próxima que vejo é o Brasil de Bolsonaro. Nem Boris Johnson, no Reino Unido, chega a este nível talvez porque ao contrário de Trump (ou Bolsonaro) ele tenha uma melhor relação com o conhecimento especializado. Consta que o seu principal assessor, Dominic Cummings, tem ideias claras sobre o que deve mudar na estrutura governamental britânica e deposita muita confiança no conhecimento como base para a tomada de decisões.
Fiquei a pensar como o diplomata americano que nos chamou de “estado fracassado” classificaria o seu próprio país depois de ler este livro. Embora escrito muito antes desta pandemia, o livro já previa quão desastrosa seria a reacção do seu governo caso houvesse um desafio destas proporções. O título inspira-se numa resposta que um dos entrevistados do autor, um ex-funcionário da secretaria de estado para a energia, dá sobre os cinco principais riscos que os EUA enfrentam. A lista compreende o Irão e a Coreia do Norte e termina com o que o autor chama de “gestão de programa”. Esse é o quinto risco. É um termo curioso. Ele descreve a mania de reagir a riscos de longo prazo com soluções de curto prazo. O autor considera que a incompetência de Trump exacerbou esta mania, sobretudo na sua manifesta incapacidade de acomodar na arte de governar a possibilidade de que coisas que você nunca imaginou que pudessem acontecer, aconteçam. Isto tem muito do que eu escrevia num outro postal sobre a importância de ver o acto de governar como a criação de condições para se governar.
E é também a ponte para Moz. É fácil, sentado no meu escritório na universidade, e munido dum teclado e duma boa dose de soberba, avaliar o desempenho de pessoas que têm nas suas mãos um dos maiores desafios profissionais que um político pode ter. Governar num país pobre deve ser obra. Deve ser como ter de fazer omolete sem ovo, mas uma vez conseguido o ovo ter que atravessar a correr um pavilhão generosamente besuntado porque o fogão já está ligado, a lenha é pouca, pode acabar a qualquer momento e quem vai comer a coisa anda já aos gritos. Há duas maneiras de reagir a este desafio. Uma consiste em insistir em querer fazer essa omolete. A outra consiste em redifinir o objectivo. A linha que separa a primeira da segunda maneira é a mesma que define quem é competente e quem não é. A competência não está exactamente no fazer, nas decisões específicas que alguém toma. A competência, na política, está na capacidade de formular objectivos que tomem em consideração o que é possível. Líderes incompetentes insistem na omolete e contam com o apoio dos bobos da corte para explicarem porque não foi possível – o chão besuntado – ou para atacarem quem diz que deviam segurar o ovo com a mão esquerda.
Líderes competentes, pelo contrário, redefinem a situação e prestam atenção ao que dizem aqueles que falam com algum conhecimento de causa. No nosso País faz-se muita confusão a este respeito. Insiste-se muito na ideia de que o governante tem que ser bom economista, jurista, engenheiro, etc. Não! Você pode ser o maior burro em economia e, mesmo assim, fazer bem o trabalho de ministro da economia. Você precisa apenas de visão estratégica e saber ouvir quem sabe. Acima de tudo, você tem que ter cuidado com quem o rodeia. Se essa pessoa só lhe fala de boas coisas, cuide-se. Li algures que uma das funções de Biden como vice-presidente de Obama era fazer o papel de cardeal do diabo quando fosse necessário tomar decisões defíceis. Dizem que foi assim quando se tomou a decisão de mandar matar Bin Laden com Biden a questionar a decisão.
Insistir em fazer a omolete é recusar governar.
É essencialmente o que o nosso governo tem vindo a fazer desde que foi instalado. Define-se pelo que é praticamente impossível de alcançar, seja isso o número de empregos a criar (3 milhões!), dar habitação ou mesmo trazer a paz definitiva. É difícil, naturalmente, governar sem este tipo de promessas, mas é incompetente reduzir a governação a isso. Isso acontece, infelizmente, porque onde não há visão porque, talvez, o poder caíu das alturas – este foi o caso com Trump que até ao último minuto não acreditava que pudesse ser eleito – não há também nenhuma consciência do tamanho da tarefa. Depois há também aquela vantagem que a incompetência traz consigo: a ignorância protege contra a consciência das consequências do que se faz mal.
A resposta do governo à crise que este vírus cria parece ser uma recusa de governar. Aqui está finalmente uma oportunidade de fazer um plano de governação à medida das reais possibilidades do País, mas o governo insiste – e persiste – em ver nela uma distracção temporária até que se volte ao normal. A forma visivelmente atabalhoada como todo o processo está a ser gerido é tristemente revelador. Felizmente, o governo conta com os seus bobos da corte para apregoarem aos quatro ventos que “temos liderança”.
95Lyndo A. Mondlane, Munguambe Nietzsche ve 93 diğer kişi
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Jaime Luis Jemuce Exemplo de um líder que não precisou de ser economista, jurista entre outros cursos de elite para ser presidente, foi o LULA no Brasil, a pesar do baixo nível de escolaridade, mostrou que é possível governar e traçar políticas que fazem com que o pobre seja ainda menos pobre.
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· 17s
Elisio Macamo Jaime Luis Jemuce, sim, óptimo exemplo.
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Yanıt yaz...
Elisio Miambo "Ignorance is bless"...essa é a vantagem de quem faz o que faz na inércia da sua inconsequência. Há cada vez mais disto sobretudo quando se tem os aplausos dos "bobos da corte".
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Narcisio Macamo Precisamos de ti prof. Quem sabe quando fores eleito presidente da republica iras mudar tudo!👏👏👏
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Lyndo A. Mondlane Eu sou semi-analfabeto em portugues (so estudei ate 6*classe) me custou entender o texto
Ja disse a outra vez o prof nao esqueça. Os q lemos com doçura seus textos somos povo
Favor simplificar a lingua
😅😅😅😅
Excelente
Sobre os 3 milhoes de empregos, todos incluso o PR, sabia que era conto chines
Como ia criar esses emprego (que tipo de emprego e com q recursos??)
Com q crescimento???
Excelente texto prof
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Gervasioa Absolone Chambo Li e reli o seu post. Não tenho a questionar-te se não um comentário. Este post é coerente com a tua filosofia de reflexão sobre o país. Num passado não muito distante teria sugerido que os académicos tivessem a coragem de apoiar o governo. Contudo, para tal fazia falta a abertura do próprio governo. Não quero dizer que a tua reflexão esteja certa ou errada mas, o seu patriotismo pelo país é, na minha opinião, muito além da militânica académica. Tu desafias o seu cérebro para reflectir o país e a respectiva governação em textos de curtos e acessíveis aos leitores. Tu es maduro e é escravo incansável de uma pensar crítico e diferente que, ainda que fosse xipanhabola do governo, seria uma mais-valia para a equipe. Es muito flexível. Volto a perguntar-me novamente: quem te lê e contigo discute as ideias que, insistintamente, publicas por aqui e há anos? Será que lá chegam e se chegam por vias do inoficiais e oficiais do governo, que análise e ou proveito tira-se de ti? Teriamos cá um Biden para o nosso PR? Como dizias noutro dia e mais uma vez neste post "Você pode ser o maior burro em economia e, mesmo assim, fazer bem o trabalho de ministro da economia. Você precisa apenas de visão estratégica e saber ouvir quem sabe. Acima de tudo, você tem que ter cuidado com quem o rodeia. Se essa pessoa só lhe fala de boas coisas, cuide-se.", o governo tem aqui uma consultaria mahala que devia equacionar sempre que o convier. Parece que não é o caso.
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Gervasioa Absolone Chambo yanıtladı · 7 Yanıt 1s
Cremildo Bahule ...não sei comentar política por isso fico no silêncio, na maioria das vezes; porém, neste post, vejo um bom espelho para a nossa política; que te escutem!
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Gervasioa Absolone Chambo yanıtladı · 3 Yanıt
Júlio Mutisse Camarada Mano Elisio, peço lhe, encarecidamente, uma trégua tal como peço aos apóstolos do Fake News Covidiano. Peço, lhe. A sua cruzada e o que ela nos tem trazido tem, para mim, efeitos mais catastróficos que o COVID 19.
Nao deixo de lhe dar razão em alguns pontos, até por que evidentes. O COVID já era uma realidade em Janeiro e, creio, a sua propagação era um risco conhecido. Muito do que se faz, até planos de crescimento ou o ideal de emprego 3M poderia ter sido repensado nessa época. Somos triunfalistas e megalomanos. Sei disso.
Dê uma trégua para eu pensar que tenho alguma esperança.
Estamos na versão atabalhoada...
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Claudio Mapulango yanıtladı · 1 Yanıt 1s
Paula Martins Prof Elisio Macamo, o resto dos assuntos não percebo e portanto não vou comentar mas neste caso especifico do Covid 19 eu sinceramente acho que o PR agiu de acordo com as possibilidades. Primeiro porque tinha pouco tempo, bem se sabe como isto é bombástico, segundo porque já tinha exemplos de outros paises que são diferentes sim mas que penso que houve algum cuidado na adaptação. É um estado de emergência mas não houve lockdown total o que na minha opinião seria impossível. Problema que eu vejo e vi é nas várias alineas e não haver rigor à posteriori, no trabalho de esmiuçar bem as medidas de acordo com o real. Aí começam os problemas porque se deixa isso às autoridades competentes sem precisão e já sabemos que cada um interpreta à sua maneira. Eu acerca do Covid tenho uma opinião muito pessoal que pela primeira vez vou expor aqui. Para mim o mundo nunca mais vai ser o mesmo, primeiro porque vai demorar tempo até haver vacina ou tratamento testado, segundo, porque o Mundo percebeu que somos muito mais suscetíveis do que pensávamos. Esta crise vai obrigar os governos e nós a lidar com o próximo ano e meio duma outra forma porque parar não podemos. E mesmo que o Covid seja vencido e controlado nada nem as politicas de médio e longo prazo poderão ser iguais. Esta é a minha visão e é nessa perspectiva que vou pensar a minha vida pessoalmente
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Antonio Gundana Jr. yanıtladı · 1 Yanıt
Natália Santos Acredito " no estar sentado com o meu teclado" mas não na dose de soberba... Penso que quem age com soberba não a sabe reconhecer...
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Ricardo Santos Sabes, aqui na Perola somos forçados a lutar contra um virus que, felizmente, parece nao nos afectar. Mas somos obrigados a isso. A governacao seria um inferno se nao o fizesse. Mas temos outros dois virus mais graves, esses sim omnipresentes: o medo e a boataria ou fake news, numa escala sem precedentes. Tudo isso é mais importante neste momento do que qualquer eventual trapalhice legislativa.
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Donaldo Tovela Couldn't agree more
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· Çevirisine Bak
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Mauro Pinto Excelente! Obrigado meu caro!
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SFredson Fadil Estava agradável ler este texto, quando menos esperava estava o fim do mesmo. Eu continuo acreditando que governar requer ciência mas não precisa ser cientista para tal, precisa sim, estar rodeado por pessoas que podem tornar a governação objectiva e metódica, e porquê não estrategica. A boa governação depende muito das críticas inquietantes e pouco dos yes man, menos ainda dos "bobos da corte".
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· 14s
Lenine Daniel Seria tão bom que os decisores ou os que os acessoram pudessem ler e aprender alguma coisa dos seus textos. Não precisam ler para aprender, mas ao menos para que não façam algumas coisas. Infelizmente, o lambebotismo se tornou uma forma de vida de alguns concidadãos e não os condeno até porque quem governa não quer por perto quadros que questionam ou discordam da sua visão eloquente... Enfim, somos todos culpados pela pobreza analítica dos nossos governantes e eles vêm do povo, eles somos nós.
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Raul Junior Uau, quando ainda lia os outros livros agora mais 1. Aniya kwini minwa!
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Noe Nhancale Mais uma vez um excelente contributo. O Prof, disse uma coisa muito importante, e necessario que reconhecamos nossas limitacoes como dirigentes, ate porque nao e possivel saber tudo, saber selecionar os nossos assessores e saber ouvir. Penso que este e o principal problema da patria amada!
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· 1s
Pedro Guiliche Prof. Elisio Macamo, comentei acima em torno da importância de eleitores exigentes para influenciar políticas públicas. É assim como normalmente acontece em todo. Contudo, voltei a ler o seu artigo e identifiquei um ponto específico sobre Moçambique. Se pudesses gostaria que elaborasses mais, ainda que em forma de bullets. O ponto é referente a resposta do governo que a seu ver parece uma recusa de governar. Se poder comentar, apresentando proposta de visão e linhas de intervenção, agradecia.
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