12 janeiro
2018
“O Próximo a Morrer”
Abusos das
Forças de Segurança do Estado e da Renamo em Moçambique
Entre
Novembro de 2015 e o início de um cessar-fogo em Dezembro de 2016, as forças de
defesa e segurança de Moçambique e o grupo armado do maior partido da oposição
do país, a Resistência Nacional Moçambicana ou Renamo, cometeram graves abusos
nas províncias centrais do país. Este relatório documenta desaparecimentos
forçados, detenções arbitrárias e a destruição de propriedade privada,
alegadamente levados a cabo pelas forças governamentais, bem como assassinatos
políticos, ataques aos transportes públicos e o saque de postos médicos
alegadamente cometidos pelas forças da Renamo.
Ao longo do
ano de 2017, desde que o cessar-fogo foi declarado, a maioria das hostilidades
e dos abusos dos direitos humanos relacionados com o conflito cessou. No
entanto, o governo não cumpriu a sua obrigação ao abrigo da legislação
internacional em matéria de direitos humanos de chamar os responsáveis de ambos
os lados por estes graves abusos, a prestar contas.
O relatório
foca-se nos abusos cometidos nas províncias de Manica, Sofala, Tete e Zambézia.
A Human Rights Watch documentou sete casos de desaparecimentos forçados — a
detenção de um indivíduo pelo governo, que se recusa a fornecer informações
sobre o seu paradeiro — e ouviu relatos credíveis de muitos outros casos. Os militares
também detiveram arbitrariamente indivíduos que suspeitavam pertencerem ou
apoiarem a Renamo ou o seu grupo armado e espancaram os detidos. Em vários
casos, as casas e os bens dos detidos foram incendiados ou destruídos. Vários
funcionários e ativistas da Renamo foram assassinados ou vítimas de tentativas
de assassinato por agressores não identificados.
Numa
resposta escrita às perguntas colocadas pela Human Rights Watch, o gabinete do
presidente de Moçambique, Filipe Jacinto Nyusi, negou que as forças de defesa e
segurança do governo tenham cometido abusos e rejeitou as alegações de
desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias, tortura e destruição de
propriedade.
O grupo
armado da Renamo, comandado pelo líder do partido, Afonso Dhlakama, esteve
envolvido no rapto e homicídio de figuras políticas que trabalhavam com o
governo ou com o partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique
(Frelimo) ou de indivíduos que a Renamo aparentemente suspeitava que eram
informadores do governo. Combatentes armados da Renamo saquearam pelo menos
cinco centros de saúde, pondo em causa ou negando o acesso a cuidados de saúde
a milhares de pessoas em áreas remotas.
A esposa e a
mãe de Manuel Fungulane, com a sua fotografia (homem à esquerda). Fungulane
desapareceu em 13 de agosto de 2016, após ter sido detido por soldados do
governo.
© 2017 Human
Rights Watch
O grupo
armado da Renamo também realizou emboscadas e ataques de atirador a transportes
públicos, principalmente na estrada N1 nas províncias de Manica e Sofala. De
acordo com o governo, 43 pessoas morreram e 143 ficaram feridas nestes ataques
entre Novembro de 2015 e Dezembro de 2016.
O líder do
partido, Dhlakama, admitiu ter dado ordens para atacar autocarros públicos que
afirmou estarem a transportar soldados secretamente. No entanto, a Renamo
rejeitou as alegações de assassinatos políticos como sendo
"propaganda" do partido no poder. Em resposta às questões da Human
Rights Watch, a Renamo forneceu uma lista com 306 nomes de membros do partido que
foram alegadamente atacados ou assassinados pelas forças governamentais entre
Março de 2015 e Dezembro de 2016.
O governo
moçambicano não investigou adequadamente os alegados abusos documentados neste
relatório. Vítimas e testemunhas dos abusos do governo contaram à Human Rights
Watch que nunca foram contactadas pelas autoridades, nem tampouco foram
informadas sobre as investigações. O gabinete do presidente não respondeu à
pergunta da Human Rights Watch sobre o estado das investigações.
O facto de
violações de direitos desta gravidade saírem impunes, algo que prevalece em
Moçambique, encoraja o cometimento de novos abusos. Entre os incidentes
documentados neste relatório, o caso ainda por resolver no distrito da
Gorongosa de Abril de 2016, em que moradores denunciaram a existência de uma
vala comum e em que pelo menos 15 corpos foram encontrados por baixo de uma
ponte, destaca não só a falta de investigação do governo, como também a
aparente obstrução da justiça. As autoridades locais não agiram com a devida
celeridade na recolha dos corpos, tendo depois anunciado que o estado de
decomposição impossibilitara as autópsias. Um comité parlamentar formado em
Maio de 2016 para avaliar o incidente, ainda não apresentou as suas conclusões.
O governo
deve cumprir as obrigações que lhe incumbem no âmbito do direito internacional
em matéria de direitos humanos e investigar de forma imparcial e minuciosa as
denúncias de abusos graves, seja pelas forças governamentais ou pela Renamo, e
levar os responsáveis à justiça. O governo também deve criar uma base de dados
nacional de pessoas desaparecidas, com informações detalhadas para ajudar a
identificar e localizar quem foi detido, vítima de desaparecimento forçado ou
assassinado.
Os parceiros
internacionais de Moçambique devem pressionar o governo para investigar os
abusos dos direitos humanos alegadamente cometidos por ambos os lados desde o
final de 2015.
Para o Governo de Moçambique
- Conduzir
investigações rápidas, minuciosas e imparciais às alegações credíveis de
tortura, desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e outros abusos
graves cometidos por oficiais do governo e pelos seus agentes, inclusive
nos casos em que as vítimas ou as famílias destas não apresentaram queixa
formal. Processar adequadamente os responsáveis, independentemente da sua
patente, de acordo com os padrões internacionais de julgamento justo.
- Emitir
ordens claras para que todos os membros das forças de defesa e segurança,
incluindo comandantes, sejam responsabilizados por cometer ou ordenar
abusos, inclusive como responsabilidade de comando.
- Conduzir
investigações rápidas, minuciosas e imparciais às alegações credíveis de
abusos levados a cabo por membros da Renamo e pelos seus agentes e
processar adequadamente os responsáveis de acordo com os padrões
internacionais de julgamento justo.
- Garantir
que todos os indivíduos apreendidos por infrações penais sejam prontamente
apresentados a um juiz, nos períodos legalmente definidos, e que os
processos judiciais cumpram com os padrões internacionais.
- Apresentar
prontamente, informação sobre os indivíduos detidos, às suas famílias,
incluindo o seu paradeiro, as acusações de que são alvo, se for o caso, e
permitir o rápido acesso dos detidos a aconselhamento jurídico e aos seus familiares.
- Condenar
pública e inequivocamente as detenções arbitrárias, tortura, maus-tratos e
desaparecimentos forçados e deixar claro que os oficiais do governo
responsáveis serão devidamente disciplinados ou processados judicialmente.
- Criar
uma base de dados nacional de pessoas desaparecidas que inclua informações
para ajudar a localizar detidos e vítimas de desaparecimentos forçados e
de assassinatos, tais como informações detalhadas sobre a vítima,
circunstâncias e local de detenção e quaisquer investigações ao caso.
- Convidar
o Gabinete do Alto Comissário para os Direitos Humanos e os procedimentos
relevantes e especiais da Organização das Nações Unidas — incluindo o
Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários; o
relator especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias;
e o relator especial sobre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis,
desumanos ou degradantes — a visitar Moçambique para investigar e fazer
recomendações com vista a garantir justiça e responsabilização, bem como
recomendações para uma reforma das forças de segurança, para que ajam de
forma independente e profissional.
- Providenciar
indemnizações adequadas e rápidas às vítimas de detenções arbitrárias,
tortura, maus-tratos, desaparecimentos forçados e assassinatos ilegais
cometidos por oficiais do governo ou pelos seus agentes.
- Ratificar
a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os
Desaparecimentos Forçados.
Para o Parlamento Moçambicano
- Publicar
prontamente as conclusões da investigação da Comissão Parlamentar de
Assuntos Constitucionais e Jurídicos e Direitos Humanos aos homicídios no
distrito da Gorongosa, província de Sofala, descobertos em Abril de 2016.
- Realizar
audiências públicas com altos oficiais do governo sobre a falha deste em
investigar as alegações de desaparecimentos forçados, detenções
arbitrárias, tortura e outros maus-tratos cometidos por oficiais.
- Emitir
ordens claras para que todos os membros e agentes da Renamo, incluindo
comandantes, sejam devidamente punidos por cometerem ou ordenarem abusos,
incluindo raptos, assassinatos ilegais e ataques a transportes públicos e
centros de saúde.
- Garantir
que os mecanismos disciplinares providenciam um julgamento adequado,
incluindo audiências com um juiz imparcial em que o acusado pode
apresentar uma defesa e tem a assistência de um advogado.
Para a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral
(CDAA):
- Pressionar
o governo de Moçambique a investigar de forma credível e imparcial todas
as alegações de detenção arbitrária, tortura, maus-tratos, e
desaparecimentos forçados por membros das forças de segurança do governo e
dos seus agentes.
- Urgir
as autoridades de Moçambique a implementar as recomendações presentes
neste relatório.
Para os Doadores Internacionais
- Reavaliar
a assistência financeira e de outro tipo, incluindo formação e
capacitação, para garantir que as instituições envolvidas em violações dos
direitos humanos não continuam a receber apoio, a menos que o governo
moçambicano tome medidas concretas para acabar com estas violações e para
responsabilizar os seus autores.
- Disponibilizar
formação e outros apoios, caso o governo tenha demonstrado um compromisso
genuíno com a reforma, para reforçar a capacidade dos procuradores e
investigadores moçambicanos.
- Garantir
que qualquer assistência prestada às forças de segurança de Moçambique
promove — ao invés de prejudicar — o cumprimento por parte do governo das
suas obrigações internacionais em matéria de direitos humanos.
- Apoiar,
caso o governo tenha demonstrado um compromisso genuíno com a reforma, os
mecanismos internos de supervisão e responsabilização das forças de
segurança.
- Introduzir
publicamente as preocupações relevantes em matéria de direitos humanos,
incluindo questões de responsabilização, no diálogo político com o governo
de Moçambique e monitorizar o cumprimento deste dos padrões internacionais
de direitos humanos.
- Urgir
as autoridades de Moçambique a implementar as recomendações presentes
neste relatório.
Este
relatório baseia-se principalmente na investigação realizada em três missões de
apuramento de factos em Moçambique em 2017: em Abril na cidade da Beira e no
distrito da Gorongosa, na província de Sofala; em Junho nos distritos da
Gorongosa e Chibabava, na província de Sofala, e nos distritos de Barue e
Gondola, na província de Manica; e em Novembro no distrito de Nhamatanda, na
província de Sofala. No total, a Human Rights Watch entrevistou 71 pessoas,
incluindo vítimas de abusos e familiares destas, bem como testemunhas de abusos
cometidos por forças de segurança do governo ou pelo grupo armado da Renamo.
Também conversámos com agentes da polícia, soldados, políticos, ativistas e
jornalistas. As entrevistas foram realizadas em português e ndau, na presença
de um intérprete quando necessário.
Algumas das
pessoas entrevistadas pediram para permanecer anónimas por temerem pela sua
segurança. Todas as instâncias em que se utilizaram pseudónimos são referidas
nas notas de rodapé. Em alguns casos, escolhemos não divulgar informação
adicional para proteger a identidade da pessoa em causa.
A Human
Rights Watch informou todos os entrevistados sobre a natureza e o propósito de
nossa investigação, bem como das nossas intenções de publicar um relatório com
a informação recolhida. Informámos cada um dos potenciais entrevistados de que
não estavam obrigados a falar connosco, que a Human Rights Watch não presta
serviços humanitários ou jurídicos e que poderiam interromper a entrevista ou
recusar-se a responder a qualquer pergunta sem quaisquer consequências
adversas. Obtivemos consentimento oral para todas as entrevistas e os
entrevistados não receberam qualquer compensação por terem falado com a Human
Rights Watch.
Em 17 de
Agosto de 2017, a Human Rights Watch enviou uma lista de perguntas sobre
alegadas violações de direitos humanos por parte das forças de segurança ao
presidente moçambicano Filipe Nyusi, que atua como comandante em chefe das
forças de defesa e segurança (ver Apêndice I). O
gabinete do presidente respondeu em 9 de Outubro a algumas das questões (ver
Apêndice II), respostas essas que incluímos em momentos relevantes no
relatório.
Em 12 de
Setembro de 2016, a Human Rights Watch enviou uma carta a procuradora-geral de
Moçambique, com cópia para os ministros da justiça e do interior, a
questioná-los sobre o estado das investigações aos assassinatos com motivação
política (ver Apêndice
III). Até o dia 19 de Dezembro de 2017, nenhum dos gabinetes havia
respondido.
Em 17 de
Agosto de 2017, a Human Rights Watch enviou uma carta ao líder da Renamo,
Afonso Dhlakama, chefe do partido e do seu grupo armado, contendo perguntas
sobre os alegados abusos de direitos humanos cometidos pelo grupo armado da
Renamo (ver Apêndice IV). A Renamo respondeu em 30 de Agosto de 2017 (ver
Apêndice V) e as suas respostas foram incluídas no relatório em momentos
relevantes.
Em 1977,
dois anos após Moçambique ter conquistado a sua independência de Portugal,
eclodiu uma sangrenta guerra civil entre as forças governamentais controladas
pelo partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique (ou Frelimo) e a
Resistência Nacional Moçambicana (ou Renamo). Estima-se que tenham morrido
cerca de um milhão de pessoas durante a guerra de 16 anos, e que cinco milhões tenham
sido deslocadas.[1] Ambos os lados cometeram numerosos crimes
de guerra contra civis, incluindo assassinatos em massa, violência sexual,
tortura e utilização de crianças-soldados. Em Novembro de 1990, aquando das
negociações diretas entre as duas fações em conflito, o parlamento moçambicano
aprovou uma nova constituição que estabeleceu um sistema multipartidário com
eleições regulares e que garantiu o respeito pelos direitos e liberdades
fundamentais dos cidadãos.
As duas
fações assinaram um acordo de paz para pôr fim à guerra civil em 4 de Outubro
de 1992. Nove dias depois, o parlamento ratificou uma lei de amnistia tanto
para as forças governamentais como para os rebeldes da Renamo, que protegia
incondicionalmente os membros destas forças, das acusações de crimes de guerra
e outras atrocidades cometidas durante o conflito. Devido à lei de amnistia,
ninguém foi responsabilizado pelos crimes de guerra.
Como parte
do acordo de paz, o governo permitiu que o líder da Renamo, Afonso Dhlakama,
mantivesse uma guarda privada armada de cerca 300 homens. Falhas sucessivas
para desmobilizar outros combatentes da Renamo ou integrá-los no exército
nacional incentivaram muitos destes homens a juntar-se informalmente à guarda
particular de Dhlakama. Hoje, crê-se que a Renamo possui uma força armada de
cerca de 700 homens.[2] Outras fontes credíveis sugerem que a
força pode chegar a 2500 homens.[3]
Moçambique
realizou as primeiras eleições multipartidárias em Outubro de 1994. O partido
no poder, a Frelimo, manteve o controlo, vencendo tanto as eleições
presidenciais com 53% dos votos, como as eleições parlamentares com 44%. A
Renamo conseguiu 34% dos votos nas eleições presidenciais e 38% na votação
parlamentar.[4]
A Renamo e
Dhlakama quase venceram as segundas eleições de Moçambique, em Dezembro de
1999, mas, desde então, têm rejeitado os resultados de todas as eleições
moçambicanas, acusando o partido no poder de fraude eleitoral. Em Novembro de
2000, durante um protesto da Renamo contra os resultados das eleições de 1999,
a polícia abriu fogo contra manifestantes alegadamente violentos. Quarenta e
uma pessoas morreram, incluindo seis agentes da polícia. Duzentas pessoas
ficaram feridas. Mais de 200 simpatizantes da Renamo foram detidos.[5]
A tensão
entre o governo liderado pela Frelimo e a Renamo reacendeu-se em Abril de 2013,
quando o grupo armado da Renamo invadiu uma esquadra de polícia em Muxungue,
matando pelo menos quatro agentes.[6] Ocorreram conflitos armados nas
províncias de Inhambane, Manica, Sofala, Tete e Zambézia e o governo invadiu as
antigas bases militares da Renamo na província de Sofala.[7] O governo nunca comunicou os números
oficiais de vítimas destes confrontos.
Em 5 de
Setembro de 2014, o governo moçambicano e a Renamo assinaram um novo acordo de
paz que pediu o desarmamento dos combatentes da Renamo e a sua integração no
exército e polícia nacionais.[8] O acordo foi por água abaixo em quatro
meses, após a Renamo ter alegado que o governo não conseguiu integrar os seus
combatentes. O governo acusou a Renamo de se recusar a fornecer uma lista dos
combatentes a integrar.
Em Outubro
de 2014, a Frelimo ganhou as eleições parlamentares e Filipe Jacinto Nyusi
tornou-se presidente. A Renamo ganhou 89 dos 250 lugares da assembleia
nacional, mas contestou os resultados e prometeu governar seis das 11
províncias do país, nas quais, com base na sua própria contagem, afirmou ter
recebido a maioria dos votos.
Em Fevereiro
de 2015, o governo anunciou que iria iniciar uma operação para desarmar o grupo
armado da Renamo pela força. A Renamo resistiu à operação, dando origem a
confrontos violentos frequentes nas províncias centrais de Manica, Sofala, Tete
e Zambézia. Em Junho de 2015, os 23 observadores militares estrangeiros em
Moçambique, que haviam chegado em Setembro de 2014, para monitorizar o
desarmamento e a integração das forças da Renamo, deixaram o país.[9] A Renamo exigiu o controlo de metade dos
altos cargos das forças armadas como condição prévia para fornecer ao governo
uma lista dos seus homens armados. O governo rejeitou o pedido, paralisando as
negociações entre os dois lados. Em Julho de 2016, foi lançado um esforço de
mediação internacional liderado por Mario Raffaelli, representante da União
Europeia. Em Dezembro, após uma conversa telefónica publicamente anunciada com
o presidente Nyusi, o líder da Renamo, Dhlakama, anunciou um cessar-fogo
unilateral.
Em Janeiro
de 2017, o presidente Nyusi dispensou a equipa de mediadores e anunciou a
criação de uma equipa multidisciplinar para planear a desmobilização dos
combatentes da Renamo, a sua integração nas forças de segurança do Estado e a
descentralização do poder político. O último ponto – permitir que os
governadores provinciais sejam eleitos em vez de nomeados pelo presidente – era
uma das exigências da Renamo para pôr termo aos seus ataques. Em 7 de Agosto de
2017, o presidente Nyusi e Dhlakama encontraram-se pela primeira vez na mata da
Gorongosa, naquele que, para muitos analistas, foi um importante passo para a
paz.[10] Aquando da redação deste relatório, o
cessar-fogo ainda estava em vigor.
A Human
Rights Watch documentou uma série de violações graves dos direitos humanos
cometidas pelas forças de defesa e segurança do governo nas províncias centrais
de Manica e Sofala entre Novembro de 2015 e Dezembro de 2016, altura em que o
mais recente cessar-fogo entrou em vigor. Estas incluem desaparecimentos
forçados, detenções arbitrárias, tortura e outros maus-tratos sob custódia, bem
como a destruição de bens.
Estes abusos
violam as obrigações de Moçambique enquanto Estado-Parte do Pacto Internacional
sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), da Convenção contra a Tortura e
Outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanos ou Degradantes e da Carta
Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, entre outros tratados.[11]
As
conclusões da Human Rights Watch são consistentes com o relatório do Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) que, em meados
de 2016, comunicou que as forças de segurança do governo estiveram envolvidas
em execuções sumárias, saques, destruição de propriedade, violações e
maus-tratos de prisioneiros.[12] Em 2016, o ACNUDH disse ter recebido
informação de “fontes credíveis” de que pelo menos 14 oficiais da Renamo foram
mortos ou raptados em todo o país no primeiro trimestre de 2016. O governo
moçambicano não respondeu publicamente às alegações do ACNUDH.
A
organização moçambicana de direitos humanos Liga dos Direitos Humanos (LDH),
disse que as forças de segurança do governo raptaram e executaram sumariamente
pelo menos 83 pessoas nas províncias de Manica, Sofala, Tete e Zambézia entre
Novembro de 2015 e Dezembro de 2016, mas não apresentou dados que permitissem
corroborar estas alegações.[13] A maioria destas pessoas eram membros da
oposição que o governo aparentemente determinou que estavam a ajudar os
combatentes da Renamo, disse a LDH.
Em Outubro
de 2016, a Renamo entregou à Human Rights Watch uma lista que continha os nomes
dos seus membros e oficiais que alegam terem sido detidos ou assassinados entre
as eleições gerais de Outubro de 2014 e Outubro de 2016, com detalhes como
locais e datas. A mesma lista foi publicada no boletim do partido, "A
Bancada", que diz que os indivíduos da lista foram assassinados por um
"esquadrão da morte" ligado ao governo.[14]
Em 30 de
Agosto de 2017, a Renamo entregou à Human Rights Watch outra lista detalhada
que continha nomes de 306 membros e oficiais que afirmava terem sido atacados
ou assassinados por um "esquadrão da morte do governo" entre Setembro
de 2015 e Dezembro de 2016 nas províncias de Nampula, Zambézia, Tete, Manica,
Sofala, Inhambane, bem como na capital, Maputo. A lista inclui os nomes, datas,
locais e circunstâncias básicas de cada caso. A Human Rights Watch não
conseguiu verificar de forma independente todos os casos da lista, que incluíam
os casos de altos cargos políticos referidos neste relatório, que foram aparentemente
assassinados por motivos políticos, bem como os assassinatos de outros oficiais
da Renamo que foram divulgados na comunicação social.
Em Agosto de
2017, a Human Rights Watch enviou uma carta ao presidente Nyusi, na sua
qualidade de comandante em chefe das forças de defesa e segurança, na
qual enumerou as várias alegações de abusos e solicitou uma resposta oficial. O
Gabinete do Presidente respondeu, em 9 de Outubro de 2017, que as informações
recebidas do Ministério do Interior e do Ministério da Justiça, dos Assuntos
Constitucionais e Religiosos não levaram a "concluir que os alegados
abusos de direitos humanos ocorreram" (ver Apêndice I).
Desaparecimentos Forçados
A Human
Rights Watch documentou sete casos de aparente desaparecimento forçado, todos
eles na província de Sofala, e ouviu relatos credíveis de muitos outros casos
na mesma província. Familiares e amigos dos indivíduos alegadamente
desaparecidos partilharam detalhes dos casos e das tentativas fracassadas das
famílias de localizar os desparecidos. Disseram que os oficiais do governo não
conseguiram dar-lhes informações sobre o paradeiro dos seus familiares, apesar
dos seus repetidos pedidos.
Os
desaparecimentos forçados são definidos pelo direito internacional como a
detenção de um indivíduo por oficiais do Estado ou seus agentes, seguido de uma
recusa em reconhecer a privação de liberdade ou em revelar o destino ou o
paradeiro do indivíduo.[15] Moçambique tem a obrigação legal
internacional de tomar medidas adequadas para investigar os alegados
desaparecimentos forçados levados a cabo por oficiais ou seus agentes e de
levar os responsáveis à justiça.[16]
Duas
mulheres que moravam no bairro de Munhava, na cidade da Beira, capital da
província de Sofala, disseram à Human Rights Watch que os seus maridos, José
João Munera e Manuel João Munera, moradores da cidade da Beira, desapareceram
em 16 de Abril de 2016, após se terem apresentado na esquadra de polícia da
cidade da Gorongosa. Os homens foram convocados à esquadra, disseram ambas as
mulheres, a propósito da detenção de outros dois homens, José e Tioto, que
trabalhavam para Manuel. Nenhum dos quatro homens foi visto nem ouvido desde
então. A esposa de José Munera disse:
O irmão do
meu marido veio aqui pedir ao meu marido para acompanhá-lo a Gorongosa, onde
dois dos seus trabalhadores tinham sido detidos pela polícia. No sábado, 16 de
Abril de 2016, quando o meu marido estava de folga, foram até Gorongosa. Às
16:00, ligaram-nos para nos dizer que tinham chegado à esquadra... Às 18:00,
liguei-lhe e o telefone ficou a tocar.[17]
A esposa de
José Munera disse que foi à esquadra de polícia da Beira em 18 de Abril,
juntamente com a esposa de Manuel, e que os agentes da polícia ligaram à
esquadra da Gorongosa. A polícia recebeu a confirmação de que José e Manuel lá
tinham estado e de que tinham sido levados para um quartel do exército,
disseram ambas as mulheres. "Até ao momento, não sei para onde foram
depois do quartel", disse a esposa de José.
Uma foto dos
irmãos José João Munera e Manuel João Munera. Os dois homens desapareceram em
16 de Abril de 2016, após se terem apresentado na esquadra de polícia da cidade
da Gorongosa.
© 2016 Human
Rights Watch
A esposa de
Manuel disse que a família do marido foi a Gorongosa à procura dos dois irmãos,
mas não teve sucesso. Alguns moradores da zona disseram à família que a polícia
também tinha detido os dois trabalhadores de Manuel.
Quando
questionados sobre o caso em Abril de 2017, dois polícias da cidade da Beira,
que falaram com a Human Rights Watch em separado, disseram que não se lembravam
do caso por ter acontecido "há muito tempo". Em resposta às perguntas
da Human Rights Watch, o gabinete do presidente Nyusi disse que o governo não
tinha registo de ter detido os quatro homens.
O presidente
do municipio da Beira, Daviz Simango, disse ter questionado a sua equipa sobre
José João Munera, que trabalhara para o departamento de recolha de resíduos da
cidade, e confirmou que este não ia trabalhar desde Abril de 2016. Relatos não
confirmados indicam que Munera e o irmão foram detidos devido ao seu
envolvimento com a Renamo, disse o presidente do municipio.[18] A esposa de Manuel Munera afirma que o
marido não estava envolvido na política, dizendo que era apenas um comerciante
que comprava milho na Gorongosa para vender na Beira.
Em Novembro
de 2017, um agente da Polícia de Investigação Criminal (PIC) da Beira, que
pediu para permanecer anónimo por medo de represálias, disse que houve pelo
menos quatro outros casos de indivíduos desaparecidos na Gorongosa denunciados
à polícia de investigação da Beira.[19] O agente recusou-se a partilhar mais
detalhes dos casos, mas reconheceu que a polícia não abriu qualquer
investigação, porque, segundo ele, "o país estava em guerra".[20]
Um agente da
esquadra da Gorongosa, que também pediu anonimato, disse que todos os casos
relacionados com o "conflito armado" foram geridos pelas forças
especiais do exército. Disse que a polícia tinha ordens para entregar ao
exército todos os detidos ligados à Renamo. Quando lhe solicitámos que
fornecesse um contacto nas forças especiais do exército, o oficial disse que
não tinha permissão para fornecer essa informação.[21]
Noutro caso,
um amigo de Timóteo Bernardo, um condutor de mototáxi, de 27 anos, disse à
Human Rights Watch que, em 16 de Fevereiro de 2016, Bernardo foi parado num
posto de controlo em Mapombwe, perto da Gorongosa, por soldados do exército. Os
soldados pediram a sua identificação e, sem explicação, levaram-no num veículo
blindado. O amigo disse:
Levaram [o
Bernardo] para dentro da tenda em Mapombwe, amarraram-no e trouxeram-no de
volta para a estrada principal. Quando as pessoas começaram a aproximar-se para
ver o que se estava a passar, eles dispararam tiros para o ar para nos
dispersar. Depois, levaram o meu amigo Timóteo para um veículo blindado e
arrancaram.
Ele
acrescentou que, desde aquele dia, nunca mais o viu nem falou com Bernardo.[22]
O amigo de
Bernardo também disse que conhecia dois outros mototaxistas que trabalhavam com
ele que também foram detidos em diferentes ocasiões, alegadamente porque terem
sido acusados pelos soldados de transportar comida e dinheiro para combatentes
da Renamo numa base perto da aldeia Casa Banana, na Gorongosa.
Noutro caso,
Manuel Fungulane, 28 anos, foi alegadamente detido por soldados perto do posto
de controlo de Mapombwe na Gorongosa em 13 de Agosto de 2016. Ninguém o viu ou
falou com ele desde então. A sua esposa e a sua mãe disseram à Human Rights
Watch que Fungulane estava a levar uma amiga para casa, na sua motocicleta
quando os soldados pararam os dois e detiveram Fungulane. Os soldados algemaram
Fungulane, colocaram-no num veículo do exército e disseram ao amigo para
informar a família de que este tinha sido detido devido às suas ligações com a
Renamo. A esposa e a mãe disseram que Fungulane era apenas um comerciante, sem
qualquer atividade política.
Uma foto de
Manuel Fungulane (à esquerda), que foi detido por soldados perto do posto de
controlo de Mapombwe na Gorongosa, em 13 de agosto de 2016, e que não foi visto
ou ouvido desde então.
© 2017 Human
Rights Watch
Quando a
esposa de Fungulane foi à polícia à procura do marido, disseram-lhe que devia
procurá-lo na base militar de Mapombwe. Quando se dirigiu à base militar, disse
que um guarda a mandou à esquadra de polícia na vila da Gorongosa. A mulher
disse que procurou pelo marido em vão, juntamente com outras pessoas, durante
várias semanas até que finalmente desistiram. "Nunca ninguém encontrou um
corpo", disse. “Continuo à espera de que o meu marido volte para
casa".[23]
Celestino
Dez, vendedor de gasolina, desapareceu em 5 de Maio de 2016 e as autoridades
recusaram-se a fornecer informações à sua família. O irmão de Dez disse que os
militares o conheciam porque costumava vender-lhes gasolina. Testemunhas
disseram que os soldados detiveram Dez na aldeia de Canda, espancaram-no e
levaram-no num Ford Ranger semelhante aos que as forças de segurança do governo
costumam usar. Disse que inicialmente pensou que o seu irmão tinha sido detido
por desentendimentos relacionados com a venda de gasolina, mas rapidamente
percebeu que se tratava de algo "mais grave". Disse:
Quando
cheguei ao local algumas horas após a sua detenção, vi vestígios de [algo que
parecia ser o] seu sangue no chão. As pessoas que testemunharam o caso
disseram-me que os homens bateram no meu irmão, amarraram-no e colocaram-no no
carro. Depois, arrancaram a alta velocidade com as luzes de emergência ligadas.[24]
O irmão de
Dez disse que denunciou o caso à polícia. Os agentes recolheram provas no
local, mas, posteriormente, não forneceram qualquer informação à família. Foi à
base militar mais próxima, mas os oficiais disseram-lhe que nada sabiam sobre o
caso.
“Desde esse
dia, nunca mais vi o meu irmão”, disse.
Quando
questionámos o irmão de Celestino Dez sobre os motivos que podem ter levado à sua
detenção, este disse que o exército pode ter pensado que fazia parte da Renamo,
pois já havia sido acusado no passado de vender gasolina aos combatentes da
Renamo.
Na sua
resposta à carta da Human Rights Watch, o Gabinete do Presidente não revelou se
algum membro das forças de segurança do Estado fora responsabilizado pelo seu
envolvimento nos desaparecimentos forçados.
Detenções Arbitrárias e Abusos Sob Custódia
Entre
Novembro de 2015 e Dezembro de 2016, as forças de defesa e segurança do Estado detiveram
arbitrariamente indivíduos suspeitos de estarem ligados ao grupo armado da
Renamo e torturaram ou maltrataram alguns deles sob custódia. O governo ainda
não divulgou qualquer informação sobre os membros ou apoiantes da Renamo que
deteve ou acusou legalmente, apesar de porta-vozes da polícia terem alegado em
várias ocasiões, que detiveram homens armados da Renamo.[25]
O gabinete
do presidente, na sua resposta à carta da Human Rights Watch, não forneceu
qualquer informação sobre as detenções e acusações dos suspeitos de serem
combatentes ou membros da Renamo.
A Human
Rights Watch entrevistou quatro homens que alegaram terem sido injustamente
detidos e torturados pelas forças de segurança do Estado entre Maio e Junho de
2016. Estes homens foram entrevistados em separado e disseram à Human Rights
Watch que as forças de defesa e segurança os acusaram de alimentar os homens
armados da Renamo nas montanhas da Gorongosa, situação que negaram.
Um dos
homens, o pastor de uma igreja em Tanzaronta, na região da Gorongosa, disse que
soldados ao volante de um veículo blindado e de uma carrinha de caixa aberta,
chegaram à sua igreja às 14:00 do dia 12 de Maio de 2016 e o detiveram. Explicou
o seguinte:
Aproximaram-se
de mim e um deles bateu-me na cabeça com uma arma. Depois, mandaram-me entrar
no porta-bagagens do carro e levaram-me para a base militar. Quando chegámos,
interrogaram-me até às 16:00 ou 17:00... Iam-me batendo enquanto me obrigavam a
dizer que era combatente da Renamo.[26]
O pastor
disse que viu mais oito homens detidos na base, um dos quais reconheceu como
sendo mototaxista em Tanzaronta.
Disse que
quando um comandante militar chamado Bambo chegou à base, este reconheceu-o
como sendo pastor e ordenou aos soldados que o deixassem ir. Ao sair, o pastor
disse que perguntou a um dos guardas o que acontecera aos outros oito homens
detidos. O guarda disse que tinham sido mortos. O pastor disse que não viu o
mototaxista nem os outros sete homens desde aquele dia.
Moradores da
aldeia da Gorongosa disseram à Human Rights Watch que, durante a maior parte de
2016, soldados do governo e agentes da polícia de trânsito montaram postos de
controlo nas estradas, onde paravam os transportes públicos e pediam aos
passageiros para mostrarem os seus bilhetes de identidade. Os soldados impediam
algumas das pessoas de seguirem caminho porque os seus nomes apareciam numa
lista. Três moradores disseram ter visto soldados a arrancar pessoas de carros,
a espancá-las à frente de outros passageiros e a levá-las algemadas para tendas
perto do posto de controlo.
Tito, 33
anos, disse que um grupo de cerca de 20 soldados chegou a sua casa em Nyaranga
na noite de 22 de Junho de 2016 e lhe disseram que o seu nome estava numa lista
de pessoas para serem detidas devido à sua colaboração com a Renamo. Tito diz
que os soldados, após terem verificado a sua identidade, colocaram-no na caixa
aberta da sua carrinha, juntamente com quatro outros homens deitados com as
mãos amarradas. Os soldados levaram os homens para uma floresta perto de Canda,
onde lhes disseram para sair da carrinha, ajoelhar-se, entrelaçar os dedos das
mãos atrás da cabeça e fechar os olhos, disse Tito. De seguida, os soldados
dispararam tiros no ar.
“Depois, um
soldado veio na minha direção e começou a gritar: ‘Você é da Renamo!’”,
recordou Tito. "Eu respondi ‘Não, não sou'. Depois disse: 'Corre! Quero
ver até onde consegues chegar. Eu levantei-me e comecei a correr. Desde aquele
dia, nunca mais voltei a minha casa".[27] Um ano após o incidente, Tito disse que
ainda vivia escondido com medo de ser assediado ou detido.
Em Agosto de
2016, os meios de comunicação locais revelaram que os residentes haviam
encontrado seis corpos dentro de um carro incendiado numa floresta em
Cheringoma, província de Sofala.[28] As autoridades disseram que as vítimas
foram atacadas e mortas pela Renamo em 12 de Agosto. No entanto, dois homens
que alegaram ter escapado ao ataque contaram uma versão diferente à estação de
televisão local STV, num hospital onde estavam a receber tratamento.[29] Os homens acusaram as forças de
segurança de raptar oito homens e de matar seis deles numa execução. Um dos
homens disse à STV:
Quando
chegámos ao rio, os oficiais mandaram-nos parar e apresentar os nossos
documentos. Depois de verificarem os documentos, disseram-nos que tínhamos de
esperar porque um comandante distrital queria conversar connosco. Mais tarde, mandaram-nos
ir para o carro deles e ficaram com as chaves do nosso carro. Conduziram muitos
quilómetros até pararmos e os soldados começarem a conversar uns com os outros.
Momentos depois, mandaram-nos sair do carro um a um... e começaram a
alvejar-nos um a um... Eu saltei do carro e comecei a correr. Dispararam na
minha direção... e a bala atingiu-me na cintura.[30]
O outro
homem, que se identificou como cidadão do Bangladesh, disse à STV:
Levaram-nos
para o mato. Quando lá chegámos, mandaram os moçambicanos sair do caro e
começaram a disparar contra nós, um a um. Quando terminaram com os
moçambicanos, um dos soldados agarrou-me pelo casaco... Consegui empurrá-lo e
comecei a correr... Dispararam contra mim, mas continuei a correr pelo mato.[31]
As forças de
segurança do governo também detiveram, mas não acusaram formalmente, oficiais
da Renamo que acreditam terem ajudado os combatentes da Renamo. A Human Rights
Watch falou com cinco homens que se identificaram como oficiais da Renamo na
Gorongosa, que disseram que viviam escondidos devido ao medo de serem detidos e
vítimas de maus-tratos. Os moradores da aldeia da Gorongosa disseram que os
soldados começaram à procura de pessoas ligadas à Renamo após homens armados do
partido terem invadido a aldeia em 16 de Fevereiro de 2016. De acordo com
relatos da comunicação social, pelo menos duas pessoas morreram e outras cinco
ficaram feridas durante confrontos entre as forças de segurança e os
combatentes da Renamo naquele dia.[32]
A casa e o
carro incendiados de Pinto, membro da Renamo, na aldeia da Gorongosa. Os
vizinhos disseram que viram soldados do governo incendiar a casa e o carro em
17 de fevereiro de 2016.
© 2017 Human
Rights Watch
Pinto, 43,
disse que os soldados vieram à sua procura à escola onde estava a ter aulas na
noite após o ataque de 16 de Fevereiro. Explicou como evitou a detenção, mas
que posteriormente encontrou a sua casa em chamas:
[Os
soldados] disseram: "Estamos à procura do Pinto da Renamo". Tive
sorte porque o meu professor e os meus colegas não me denunciaram, apesar de
saberem que sou oficial da Renamo. Assim que saíram, eu também saí da escola e
corri para casa. Quando cheguei, tinham incendiado tudo. Liguei para um amigo
que me disse que os soldados estavam a apanhar todas as pessoas da Renamo nas
suas casas. Naquela noite, eu e três outros oficiais da Renamo deixámos a
aldeia e fomos para um esconderijo.[33]
Dois
residentes que viviam perto da casa de Pinto e dos dois carros incendiados e
abandonados, na vila da Gorongosa, disseram à Human Rights Watch que viram os
soldados incendiar a casa e os carros.
Outro
oficial da Renamo, Carlos, disse que conseguiu fugir após um soldado o ter
avisado por mensagem de texto em 21 de Fevereiro de 2016, que os soldados iriam
invadir a sua casa:
Eu estava em
casa quando recebi uma mensagem de texto de um soldado que é meu amigo. A
mensagem dizia que estavam escondidos atrás das árvores à espera de invadir a
casa. Espreitei pela janela e vi um deles a preparar-se para atirar algo
parecido com uma granada para a minha casa. Fugi a correr pela porta das
traseiras e não voltei até hoje.[34]
Em Abril de
2017, quando a Human Rights Watch entrevistou os cinco oficiais da Renamo,
estes ainda estavam escondidos, apesar do cessar-fogo entre o governo e a
Renamo. Disseram que tinham medo dos agentes da polícia à paisana na Gorongosa
e não quiseram revelar onde estavam.
Destruição de Propriedade
Durante a
investigação que levámos a cabo em Abril, Junho e Novembro de 2017, a Human
Rights Watch viu pelo menos 32 casas destruídas ou queimadas nas aldeias de
Nhampoca, Mukodza, Inhaminga, Nhamapadza, Casa Banana, Vunduzi, Nhamandzi e
Gorongosa, província de Sofala, que os moradores disseram terem sido alvo das
forças de defesa e segurança. Os moradores disseram ter visto soldados chegar
em veículos blindados e camiões, e a incendiar casas e destruir colheitas.
Na aldeia de
Vunduzi, distrito da Gorongosa, as forças do governo incendiaram e destruíram
pelo menos seis casas em Junho de 2016, aparentemente por suspeitas de que
pertenciam a apoiantes da Renamo. Três testemunhas disseram que, durante dois dias
consecutivos, houve soldados a chegar em Ford Rangers e veículos blindados, que
usavam linguagem agressiva e que, sem aviso prévio, incendiaram casas,
destruíram residências e celeiros e mataram animais domésticos. Os moradores
que tentaram retirar os seus pertences das casas foram forçados a deixá-los.
Uma foto dos
irmãos José João Munera e Manuel João Munera. Os dois homens desapareceram em
16 de Abril de 2016, após se terem apresentado na esquadra de polícia da cidade
da Gorongosa.
© 2016 Human
Rights Watch
Um residente
de Vunduzi, de 68 anos de idade, que testemunhou o incêndio criminoso, disse
que encontrou soldados a destruir a sua propriedade quando voltou da sua
plantação:
Começaram a
acusar-me de ajudar a esconder homens da Renamo em minha casa. Eu neguei...
Então, um dos soldados acendeu um fósforo e atirou-o para a minha casa... Eu
implorei-lhes que me deixassem retirar os meus pertences. Eles recusaram.
A Human
Rights Watch visitou a propriedade deste indivíduo e viu uma casa queimada e os
vestígios carbonizados do que parecia ser um celeiro. O homem disse que
perguntou aos soldados por que razão estavam a destruir os seus pertences, ao
que responderam: "Ordens do comandante".[35]
Um homem de
62 anos de idade em Vunduzi disse que os soldados roubaram os seus pertences
antes de incendiarem a sua casa. Na sua propriedade, a Human Rights Watch viu
vestígios do que pareciam ter sido casas de palha. Disse:
[Os soldados]
entraram na casa e pegaram no meu rádio e telemóvel. Um dos soldados agarrou em
duas das minhas galinhas antes de deitar fogo a tudo. Nem sequer teve
vergonha... Pegou nas galinhas, entrou no seu carro e foi-se embora.[36]
Os moradores
da aldeia de Mukodza disseram que os soldados dispararam as armas contra as
suas casas. Uma mulher de 54 anos explicou o que viu:
Eu estava
dentro de casa com o meu filho de 16 anos quando eles chegaram. Tínhamos ouvido
o que acontecera nas outras casas no dia anterior. Por isso, decidimos
esconder-nos. Eles dispararam as armas contra a nossa casa. O meu filho
conseguiu saltar da janela e ajudou-me a fazer o mesmo... Começámos a correr e
escondemo-nos nas plantações. Quando voltámos para casa, tinha desaparecido
tudo com o fogo.[37]
A Human
Rights Watch ouviu relatos credíveis de que as forças do governo também
incendiaram casas nas aldeias Nhamatema, Honde, Chiula e Maguti na da província
de Manica. Em Junho de 2017, num campo para deslocados internos em Vanduzi,
província de Manica, a Human Rights Watch entrevistou duas dezenas de pessoas
que disseram que as suas casas foram incendiadas por soldados do governo entre
Março e Dezembro de 2016.[38]
A
Human Rights Watch documentou casos de homens armados da Renamo que cometeram
violações graves dos direitos humanos entre Novembro de 2015 e Dezembro de
2016, incluindo raptos e homicídios de figuras políticas, ataques a transportes
públicos e saque de postos médicos em áreas remotas. Testemunhas disseram à
Human Rights Watch que estes homens armados costumavam usar uniformes
verde-escuro semelhantes aos utilizados pela guarda privada do líder da Renamo.
Traziam espingardas de assalto AK-47 consigo e apresentavam-se frequentemente
como combatentes da Renamo. Alguns dos abusos documentados assemelham-se aos
relatados pelo Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que
alegou em meados de 2016 que a Renamo tinha visado indivíduos que considerava
terem ligações ao partido no poder, a Frelimo, ou cooperarem com as forças de
segurança, bem como atacado autocarros nas estradas através de atiradores
furtivos.[39]
Assassinatos Políticos
Desde
Outubro de 2015, os homens armados da Renamo foram implicados em homicídios de
pessoas ligadas, ou que se acredita estarem ligadas, à Frelimo. Em Outubro de
2016, a Frelimo apresentou à Human Rights Watch os nomes de 15 membros que
foram alegadamente assassinados, seis que foram alegadamente espancados e seis
que foram alegadamente raptados nas províncias de Manica, Sofala, Inhambane e
Nampula entre Fevereiro de 2015 e Setembro de 2016, juntamente com as datas e
locais dos alegados incidentes.
A Frelimo
disse que a Renamo era responsável pelos crimes, mas não forneceu qualquer
informação que sustentasse a acusação. A Human Rights Watch investigou seis dos
casos, incluindo três dos assassinatos, e concluiu que estas vítimas foram
mortas ou atacadas porque a Renamo aparentemente suspeitava que tivessem
fornecido informações às forças de defesa e segurança do governo.
Em 2 de
Setembro de 2016, alegados atiradores da Renamo raptaram e mataram o regulo
(chefe tradicional) de Nhampoca, Joaquim Chirangano, e outro homem, o chefe do
posto administrativo da Tica, Abílio Jorge. Três homens que testemunharam os
raptos disseram que as autoridades locais do distrito de Nhamatanda convocaram
uma reunião com moradores da aldeia de Nhampoca para discutir as indemnizações
para as pessoas que perderam propriedades durante as incursões do exército. Na
reunião, Chirangano pediu aos residentes que não abandonassem a aldeia, apesar
dos confrontos entre as forças governamentais e a Renamo. Testemunhas disseram
que, durante a reunião, homens armados que se identificaram como combatentes da
Renamo capturaram Chirangano e Jorge. Posteriormente, os moradores encontraram
os corpos cravados de balas dos dois homens nas proximidades.
Um dos
homens que participaram na reunião disse:
Um dos
homens [da Renamo] estava lá entre nós. Nós achávamos que era um dos aldeões.
De repente, ele levantou-se, tirou uma AK-47 de um saco... e ordenou que a
reunião parasse. Depois, quatro outros homens saíram do mato e levaram o regulo
[Chirangano] e o administrador local com eles. Mais tarde, encontrámos os
corpos do regulo e do administrador no mato.[40]
Outro homem
que testemunhou o rapto disse que os alegados combatentes da Renamo entregaram
uma bandeira aos aldeões, que disseram ter trazido de casa de Chiringano, e
disseram-lhes para transmitir às autoridades locais a mensagem de que a Renamo
tinha levado Chiringano e Jorge. "Nós reconhecemos alguns deles",
disse o homem. "Conhecemos as pessoas da Renamo".[41]
A esposa e a
filha do regulo (chefe tradicional) de Muxungue, Makotori José Mafussi, mostram
uma foto de Mafussi (sentado) e de dois familiares. Homens que se crê serem
combatentes da Renamo mataram Mafussi em sua casa em 21 de julho de 2016.
© 2017 Human
Rights Watch
Dois outros
homens disseram que se juntaram aos residentes locais três horas após a
reunião, para ajudar a transportar os corpos de Chirangano e Jorge, que foram
encontrados numa mata próxima. Um dos homens, José, disse:
Quando
chegámos ao lugar onde os corpos tinham sido largados, os cadáveres ainda
estavam frescos... Tinham tiros pelo corpo todo e a cabeça do regulo tinha sido
cortada das costas para a frente com um objeto... um machado, acho. Amarrámos
os corpos às nossas bicicletas e levámo-los para o posto médico.[42]
José disse
que a polícia nunca foi à aldeia para investigar os homicídios.
O regulo de
Muxungue, Makotori José Mafussi, foi morto em 21 de Julho de 2016. Uma das suas
filhas disse que o pai começou a receber ameaças após ter sido acusado de
ajudar as forças do governo a identificar ativistas da Renamo nas regiões de
Muxungue e Chibabava. “No dia em que foi morto, ele encontrou um membro da
Renamo chamado [nome omitido] no mercado", disse. "Quando chegou a
casa, disse-nos que o homem o tinha avisado de que ia ser o próximo a morrer.”[43]
A filha de
Mafussi descreveu o assassinato do pai, a noite, pelo homem que assumiu ser o
mesmo que o pai referira de manhã:
Ele chegou à
nossa propriedade e começou a andar rapidamente em direção ao meu pai... Eu
gritei: "Quem és tu?" Ele disse-me para me afastar... Depois,
virei-me para o meu pai para avisá-lo... Mas já era tarde demais porque ele já
estava perto do meu pai. Depois, deu-lhe um tiro na cabeça.[44]
Quando a
polícia chegou ao local, encontrou uma carta escrita à mão no chão, na qual os
atacantes explicavam por que razão mataram Mafussi. A carta dizia que Mafussi
havia sido morto por ter colaborado com as forças de segurança do governo.
Na noite de
2 de Junho de 2016, em Honde, distrito de Barue, homens armados e de uniforme
verde-escuro que se identificaram como combatentes da Renamo mataram dois homens
que acusaram de serem informadores das autoridades e das forças de segurança.
Duas testemunhas disseram que os homicídios ocorreram dois dias depois de as
forças do governo terem feito uma emboscada a combatentes da Renamo na área. A
nora de uma das vítimas, Fungai Faniel, que era membro da Frelimo, disse que os
homens bateram à porta da casa da família e chamaram o seu sogro pelo nome.
Quando Faniel abriu a porta, os homens forçaram-no a sair de casa,
espancaram-no gravemente e deixaram-no às portas da morte. A nora disse:
Já era tarde
quando chegaram. Estávamos a dormir quando ouvimos vozes masculinas a chamar o
nome do meu sogro. Fui ver o que se passava e, quando espreitei por um buraco,
vi quatro homens. Não pareciam soldados das Fademo e não tinham carro..., mas
tinham uniformes: roupas escuras.[45] Quando o meu sogro abriu a porta, eles
puxaram-no para fora e começaram a agredi-lo com armas na cabeça. Depois, um
deles disse: deixem-no... ele já aprendeu a lição... e foram-se embora. Foi aí
que saímos dos nossos esconderijos e tentámos salvar o pai..., mas ele já
estava morto.[46]
Outro
indivíduo disse que homens armados foram a sua casa em Honde na mesma noite à
sua procura porque acreditavam que era informador do governo. Como não estava
em casa, raptaram e, posteriormente, mataram o seu pai. Disse:
Durante duas
semanas, não paravam de me ligar para me avisar de que, se eu não aparecesse,
iam matar o meu pai. Os mais velhos aconselharam-me a sair da aldeia... Foi aí
que fui para o campo de refugiados em Vanduzi [a cerca de 70 quilómetros de
distância]. Então, um dia, a minha família ligou-me para me dizer que tinham
encontrado o corpo do meu pai no rio Pungue. Não voltei à aldeia para o funeral
do meu pai porque tinha medo.[47]
A Renamo
negou ter matado oficiais do governo ou membros da Frelimo e acusou a Frelimo
de culpar a Renamo pelos seus próprios crimes (ver Apêndice V).
Ataques aos Transportes Públicos
Os homens
armados da Renamo realizaram vários ataques contra os transportes públicos,
principalmente na estrada N1 que liga o norte e o sul de Moçambique, entre os
rios Save e Zambeze nas províncias de Manica e Sofala. A polícia moçambicana
disse ter registado 19 ataques só em Fevereiro de 2016.[48] O Gabinete do Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Direitos Humanos disse que os ataques dos
franco-atiradores da Renamo aos transportes públicos que viajavam na N1,
mataram vários passageiros.[49]
Em 13 de
Fevereiro de 2016, por exemplo, a comunicação social e a polícia locais
denunciaram que a Renamo tinha levado a cabo pelo menos três ataques a veículos
que viajavam na N1, ferindo pelo menos três pessoas em Muxungue, distrito de
Chibabava, província de Sofala, e outras quatro pessoas entre Nhamapaza e Caia,
no distrito de Maringué, também na província de Sofala.[50] Em Março de 2016, homens armados da
Renamo levaram a cabo pelo menos quatro ataques contra autocarros que viajavam
entre as províncias de Manica, Sofala e Zambézia. As autoridades disseram que
pelo menos três pessoas foram mortas e várias outras ficaram feridas nos
ataques.[51] Uma mulher de 27 anos que foi ferida
durante um ataque em Honde, Chibabava, em 5 de Março de 2016, disse à Human
Rights Watch que homens armados fizeram uma emboscada ao autocarro e começaram
a disparar. Enquanto as pessoas tentavam esconder-se nos seus assentos, o
motorista perdeu o controlo e o autocarro despistou-se contra uma árvore. A
mulher disse:
Apareceram
de repente do nada, no mato, e começaram a disparar contra o autocarro.
Estávamos todos em pânico... Sabíamos que a estrada era perigosa porque
tínhamos ouvido falar de outros ataques. Mas estávamos à espera de que os
combates fossem contra soldados.[52]
Homens
armados da Renamo alegadamente também atacaram pelo menos três autocarros de
passageiros interprovinciais em 22 de Maio e em 29 de Junho de 2016 em
Machanga, segundo relatos da comunicação social.[53]
Em Março de
2016, o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, confirmou um ataque da Renamo de 5 de
Março de 2016 contra um autocarro da empresa privada Nagi, em Honde, província
de Manica, declarando que o autocarro transportava soldados de Chimoio para
Tete. "Um ou mais membros da população" podem ter morrido em Honde
onde ocorreu o incidente, bem como 39 soldados, disse Dhlakama.[54]
Ataques a Centros de Saúde
Os homens
armados da Renamo invadiram pelo menos cinco hospitais ou clínicas médicas em
Julho e Agosto de 2016 para saquear remédios e provisões, restringindo o acesso
a cuidados de saúde a milhares de pessoas em áreas remotas das províncias de
Zambézia, Tete e Niassa. Duas testemunhas disseram que por volta das 3:00 do
dia 30 de Julho de 2016, homens armados da Renamo entraram na aldeia de Mopeia,
na província da Zambézia.[55]
Um médico
que trabalhava na clínica disse à Human Rights Watch que homens armados
roubaram vacinas, seringas e antibióticos. "[Homens armados] lançaram o
pânico e as pessoas correram pela vida", disse. "Passaram alguns dias
até que os moradores pudessem voltar à clínica".[56] O médico, que também trabalha no
hospital do distrito de Mopeia, situado a cerca de 8 quilómetros da aldeia,
disse que os homens armados incendiaram os registos médicos dos pacientes antes
de seguirem para o hospital.
Buraco de
bala na janela do Hospital Distrital de Morrumbala após a invasão dos homens da
Renamo em 12 de agosto de 2016.
© 2016 Nova
Radio Paz - Quelimane
Uma
enfermeira do Hospital de Mopeia descreveu o ataque dos homens armados ao
hospital:
Eram cerca
de 15, mas nem todos tinham armas... Entraram na ala onde os pacientes estavam
a dormir, disseram a todos que se fossem embora... e levaram tudo... lençóis,
mosquiteiros... Ninguém foi agredido. Eles não nos tocaram.[57]
No dia
seguinte, a comunicação social moçambicana divulgou que cerca de uma dezena de
homens armados da Renamo invadiram a aldeia de Maiaca, distrito de Maúa, na
província do norte de Niassa. Durante a invasão, atacaram a clínica médica
local e uma esquadra de polícia. Incidentes similares ocorreram em Tome,
província do Inhambane do sul, e no distrito de Tsangano, na província
ocidental de Tete.[58]
Em 5 de
Agosto de 2016, o líder da Renamo, Dhlakama, deu uma entrevista por telefone à
estação de televisão de Moçambique STV, na qual confirmou que deu ordens para
atacar algumas áreas da província da Zambézia, mas não especificou os alvos nem
referiu os centros de saúde.[59] Em resposta às questões da Human Rights
Watch, na generalidade a Renamo negou os ataques a civis, mas não referiu os
casos específicos mencionados pela Human Rights Watch.
As
autoridades moçambicanas, nomeadamente a Polícia de Investigação Criminal, não
conseguiram investigar as violações graves de direitos humanos alegadamente
cometidas por forças de segurança do governo, incluindo assassinatos
politicamente motivados, desaparecimentos forçados e destruição de bens. Mesmo
no caso dos crimes pelos quais as autoridades culpam os combatentes da Renamo,
como assassinatos e ataques aos transportes públicos, as autoridades
aparentemente não fizeram nenhuma detenção.
Os governos
têm o dever de investigar imparcialmente e processar adequadamente as violações
graves dos direitos humanos.O Comité de Direitos Humanos da ONU, que monitoriza
o cumprimento do PIDCP, diz que os governos têm não só o dever de proteger os
seus cidadãos de tais violações, como também de investigar as violações que
ocorrem, bem como de levar os perpetradores à justiça.[60] A legislação internacional em matéria de
direitos humanos também consagra o direito a um recurso efetivo, inclusive a
compensação pelos abusos.[61]
Em relação
às mortes potencialmente ilegais, em 2016, o Gabinete do Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Direitos Humanos reviu as diretrizes para investigações
sobre direitos humanos. Conhecidas como Protocolo de Minnesota, as diretrizes
proclamam que estas investigações devem ser rápidas, eficazes e minuciosas, bem
como independentes, imparciais e transparentes.[62]
Num caso
bastante divulgado de 2016, as forças de defesa e segurança parecem ter
impedido ativamente os meios de comunicação independentes, bem como outros, de
investigar uma suposta sepultura em massa, bem como 15 corpos não identificados
que foram encontrados em Abril desse ano, numa área entre as províncias de
Manica e Sofala.
A
Procuradora-Geral Beatriz Buchili, bem como os ministros da Justiça e do
Interior, não responderam à carta da Human Rights Watch de Setembro de 2016,
que a questionava sobre as medidas que o seu gabinete tomara para julgar alguns
dos assassinatos de figuras públicas (ver Apêndice III).
Alegada Sepultura em Massa na Gorongosa
Em 27 de
Abril de 2016, moradores do distrito da Gorongosa informaram vários meios de
comunicação social que tinham descoberto uma sepultura massiva com cerca de 120
cadáveres entre Canda e Macossa.[63] Eles disseram aos jornalistas que
descobriram os corpos dentro de uma antiga mina de ouro, após se terem
apercebido do cheiro de cadáveres em decomposição. Os meios de comunicação que
publicaram a história não conseguiram verificar a existência da sepultura em
massa, alegadamente porque as forças de segurança bloquearam o acesso à antiga
mina.[64]
Em 29 de
Abril, a polícia afirmou que os investigadores enviados para a área não
conseguiram encontrar a sepultura em massa.[65] No entanto, no dia seguinte, jornalistas
da Deutsche Welle e da agência de notícias portuguesa LUSA, visitaram a área e
fotografaram cerca de 15 corpos espalhados no mato por baixo de uma ponte,
perto de onde os moradores locais alegaram estar a vala comum. Algumas das
vítimas pareciam ter sido mortas recentemente, enquanto outros corpos
apresentavam sinais de decomposição mais avançados, de acordo com imagens
vistas pela Human Rights Watch e pelos jornalistas que tiraram as fotografias.[66] Devido à presença de forças de segurança
no local, os jornalistas não conseguiram chegar à vala identificada pelos
moradores locais. Um dos jornalistas que visitou a ponte disse à Human Rights
Watch que foi perseguido para fora da área, juntamente com um colega, por
homens armados em motas, quando estavam a tentar chegar à mina antiga.[67]
Em 1 de
Maio, um porta-voz da polícia disse à Human Rights Watch que o governo não
tinha encontrado nenhum corpo na área, embora não tenha conseguido fornecer
detalhes sobre a investigação, inclusive em que altura a equipa do governo
visitou a área, onde procuraram e quem fazia parte da equipa.[68] Quando foi informado de que a
comunicação social publicara fotos de cerca de 15 corpos, pediu algum tempo
para verificar a história, mas nunca atendeu nenhuma das repetidas chamadas que
lhe fizemos.
Em 5 de
Maio, a estação de televisão local STV visitou a área onde os corpos foram
encontrados e transmitiu imagens que mostravam 13 corpos ainda espalhados por
baixo da ponte.[69] Em resposta, o governador da província de
Manica anunciou que, por aquela altura, a decomposição tornara impossível
identificar os corpos e que as vítimas seriam recolhidas e enterradas.[70] Apesar deste comunicado, jornalistas da
Al Jazeera visitaram o local em 25 de Maio e ainda encontraram 15 corpos.[71]
Face às
críticas dos grupos de direitos humanos e dos meios de comunicação, o Ministério
Público de Manica anunciou que iria transferir os corpos para o hospital da
Beira e que iria investigar o caso. Em 26 de Maio, a Comissão Parlamentar de
Assuntos Constitucionais e Jurídicos e Direitos Humanos abriu uma investigação
às alegações da existência da vala comum. A comissão incluía membros do partido
no poder, a Frelimo, e da oposição, o Movimento Democrático de Moçambique
(MDM). A Renamo boicotou a investigação alegando que não seria imparcial.
Em 1 de
Junho, o chefe da comissão, o deputado da Frelimo Edson Macuacua, anunciou que
a comissão concluíra o seu trabalho após falar com regulos locais (chefes
tradicionais), líderes comunitários e moradores locais. A comissão não
encontrou nenhuma sepultura em massa no distrito da Gorongosa, mas confirmou a
existência de 15 corpos no local perto da ponte, disse Macuacua.[72] Em vídeos transmitidos pela televisão
estatal, um líder da comunidade que se reunira com os membros da comissão negou
a existência de uma vala comum e dos 15 corpos.
Em 6 de
Junho, o único membro da oposição parlamentar que participou na visita da
comissão à Gorongosa, Sílvia Cheia do MDM, distanciou-se das descobertas da
comissão. Ela acusou Macuacua de "tirar conclusões precipitadas" e de
"intimidar" os moradores locais durante as entrevistas.[73]
Dez meses
depois, em Abril de 2017, o gabinete do procurador da província de Manica disse
que em breve anunciaria os resultados das autópsias que foram realizadas a 11
dos 15 corpos que foram transferidos para o Hospital da Beira. Um funcionário
do hospital disse que as autópsias foram concluídas em Março de 2017 e os resultados
foram enviados ao procurador em Manica.[74]
Em Abril de
2017, dois residentes levaram um investigador da Human Rights Watch a uma
estrada perto de Canda, que, segundo eles, conduzia à mina que continha a
alegada sepultura comum. O investigador foi impedido de prosseguir por forças
de defesa e segurança com uniformes do exército, num posto de controlo na
estrada, alegando "razões de segurança".
Em Novembro
de 2017, as autoridades ainda não haviam divulgado informações sobre os
resultados da autópsia ou sobre a investigação à alegada sepultura em massa.
Crimes com Aparente Motivação Política
As
autoridades moçambicanas não investigaram pelo menos 10 homicídios ou tentativas
de homicídio de alto nível com motivações aparentemente políticas em Moçambique
desde Março de 2015.
- Em 3 de
Março de 2015, o advogado constitucionalista Gilles Cistac foi morto a
tiro no exterior de um café no centro de Maputo. Testemunhas dizem que estava
a entrar no carro, estacionado à porta do edifício, quando quatro
indivíduos não identificados começaram a disparar de outro carro, tendo
matado Cistac e o seu motorista. A família e amigos de Cistac dizem que
este começou a receber ameaças desde que defendera publicamente a
contestada constitucionalidade da petição da Renamo para criar autoridades
provinciais autónomas.[75]
- Em 16
de Janeiro de 2016, o secretário-geral da Renamo, Manuel Bissopo, foi
atingido a tiro e ficou gravemente ferido quando viajava de carro no
centro da cidade da Beira, na província de Sofala. O seu guarda-costas
morreu. O incidente teve lugar poucas horas após uma conferência de
imprensa na qual Bissopo acusou as forças de defesa e segurança do Estado
de raptar e matar membros do seu partido.[76]
- Em 4 de
Fevereiro de 2016, o alto oficial da Renamo Filipe Jonasse Machatine foi
encontrado morto com oito tiros em Gondola, província de Manica, dois dias
após ter sido raptado por homens não identificados.[77]
- Em 7 de
Março de 2016, um alto oficial da Renamo na província de Inhambane, Aly
Jane, foi encontrado morto após ter desaparecido quatro dias antes. O seu
corpo, encontrado perto do Rio Nhanombe, entre os distritos de Maxixe e
Homoíne, exibia sinais de violência.[78]
- Em 9 de
Abril de 2016, José Manuel, membro da Renamo do Conselho Nacional de
Defesa e Segurança, foi morto a tiro ao pé do Aeroporto Internacional da
Beira após ter chegado de Maputo. Alega-se que a polícia demorou cerca de
dez horas a chegar ao local e a dar início à investigação.[79]
- Em 22
de Junho de 2016, o corpo de um alto oficial da Frelimo na província de Manica,
José Fernando Nguiraze, foi encontrado dentro de casa por vizinhos com
ferimentos de bala. Este vivia sozinho porque a família fora evacuada por
motivos de segurança. A polícia disse que o crime foi cometido por quatro
membros não identificados da Renamo, mas não forneceu provas que
sustentassem a alegação.[80]
- Em 2 de
Setembro de 2016, o administrador de Tica, no distrito de Nhamatanda,
província de Sofala, Jorge Abílio, foi assassinado por homens armados que
a polícia identificou como combatentes da Renamo. Abílio foi apanhado numa
emboscada após ter participado numa reunião comunitária em que tentou
convencer os residentes locais a não abandonar a região apesar dos frequentes
confrontos entre o exército moçambicano e combatentes da Renamo.[81]
- Em 22
de Setembro de 2016, o alto oficial da Renamo no distrito de Moatize e
membro da assembleia provincial local de Tete, Armindo Nkutche, morreu
após ter sofrido seis tiros na rua, poucas horas depois de ter falado na
sessão de encerramento da assembleia.[82]
- Em 8 de
Outubro de 2016, Jeremias Pondeca, membro da Renamo de uma equipa que
preparava uma reunião entre o presidente Nyusi e o líder da Renamo, Afonso
Dhlakama, foi morto a tiro durante a sua corrida matinal na principal
praia de Maputo, Costa do Sol. A família só teve conhecimento do seu
homicídio no dia seguinte, após ter contactado as autoridades para
reportar o seu desaparecimento, tendo-lhes sido dito que um cadáver não
identificado, com ferimentos de bala, fora levado para a morgue. As
investigações policiais preliminares sugerem que quatro homens que seguiam
Pondeca de carro se aproximaram da vítima e dispararam dois tiros na
cabeça e outro no abdómen, tendo depois fugido.[83]
- Em 4 de
Outubro de 2017, o presidente do municipio de Nampula e membro do partido
da oposição MDM, Mahamudo Amurane, foi atingido a tiro e morto perto de
sua casa por homens não identificados.[84]
Até à data,
a Procuradora-Geral Beatriz Buchili ainda não respondeu à carta da Human Rights
Watch de Setembro de 2016, que a questionava sobre as medidas que o seu
gabinete tomara para investigar ou julgar estes casos (ver Apêndice III). A
Polícia de Investigação Criminal (PIC) de Moçambique, que é o órgão estatal
responsável pela condução das investigações criminais, não concluíra nenhuma
investigação a nenhum destes casos, nem foi capaz de identificar nenhum
suspeito.
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