Elisio Macamo
Dün, 19:01 ·
A Nova Frelimo
Alguém me perguntou, no inbox, o que quero dizer com a “Nova Frelimo”. Pego o conceito emprestado à maneira como se descreve uma agremiação política que nasce dos escombros duma outra. O exemplo mais imediato disto seria a UNITA que nasceu do desaparecimento físico de Jonas Savimbi. No caso da Frelimo, não houve um fim idêntico, mas a mudança de geração foi significativa e, em princípio, poderia ter constituído um momento de ruptura com velhas formas de fazer coisas.
Há, para mim, um certo sentido em que esta ruptura aconteceu. Existe uma Frelimo que pelo menos em termos de postura pública é radicalmente diferente de todas as outras que eu conheci. As suas principais características são três. A primeira consiste no abandono aparente duma tradição que pelo menos teoricamente era parte integrante da Frelimo, nomeadamente a auscultação pública antes da tomada de grandes decisões. Como o processo de paz definitiva provisória mostrou, não houve nenhum esforço visível de auscultar a opinião pública. Tudo fez-se na calada de telefonemas entre os líderes sob o pano de fundo de coros de vozes que associavam toda a interpelação crítica com recusa de paz. Antes de negociar a paz com a Renamo, Chissano criou um debate interno que culminou com a aprovação duma nova constituição que criou as bases para a negociação. Mesmo Guebuza, em circunstâncias diferentes, fez a negociação de forma aberta – as várias rondas negociais que vimos – e com recurso a mediadores nacionais bem identificados.
A segunda característica da nova Frelimo é a convivência com pessoas com um discurso extremo e “divisionista”. Nunca na história da Frelimo houve casos de militantes que fizessem recurso visível ao insulto e à ameaça (de morte) contra outros membros da Frelimo. É verdade que aos “reaccionários” sempre foi reservado outro tratamento, mas essas eram pessoas que tinham sido já “saneadas”. Os insultos de que foi vítima o ex-Presidente Guebuza por parte de militantes que, mesmo assim, receberam cargos que manifestam a confiança política do governo são de arrepiar. A forma visceral como quadros séniores como Hunguana ou Waty foram atacados sem que houvesse um distanciamento do partido ou que, pelo menos, este chamasse atenção de forma aberta deu que pensar.
Finalmente, a terceira característica é a falta de interesse em fazer da crítica motivo de auto-crítica como a Frelimo sempre defendeu fazer. Quando Samora Machel Júnior desafiou as estruturas mafiosas do partido em Maputo, ele virou alvo de ataques concertados. Não houve nenhuma preocupação aparente em fazer disso motivo de reflexão sobre o que está mal ou bem no partido. O mesmo se pode dizer em relação às dívidas ocultas. Ao invés duma reflexão sobre o que tinha permitido que isso acontecesse, optou-se por fazer uma caça às bruxas e transmitir a ideia de que “infiltrados” teriam sido responsáveis por algo que manifestava problemas sérios de controlo pelo partido.
Dum modo geral, a Nova Frelimo representa o que me parece ser uma nova maneira de fazer política em Moçambique. A elaboração duma visão estratégica é relegada a um plano secundário. No seu lugar, dá-se prioridade à defesa do que a Frelimo faz e ao ataque contra quem critica. Isto não é completamente novo. Esse modo de fazer política foi inaugurado pelas alas mais radicais do G-40 e representou, até certo ponto, o lado negativo da revitalização do partido feita por Guebuza. Na ausência dum projecto paralelo de democratização da Frelimo essa revitalização acabou fazendo da Frelimo uma força omnipresente que asfixiou o próprio partido. A Nova Frelimo herdou isto, mas desprovida duma visão estratégica clara, transformou-se num exercício descarado de poder e violência totalitária.
O termo “violência totalitária” é dum sociólogo francês, Michel Maffesoli. Ele descreve o que acontece ao poder quando este não assenta em nenhuma utopia. Segundo ele, o poder, nessas circunstâncias, não passa de violência que precisa dum ambiente “tribal” (nós e eles) para existir. Governar é burocratizar (é só ver a “descentralização” ou a ridicularização de administradores que não sabem recitar informação), mas também criar inimigos (da paz, por exemplo, que se resolve não pela criação de estruturas políticas que permitam uma melhor convivência pluralista, mas sim que acomodem quem pensa diferente para passar a ser igual ao semelhante...) e, fundamentalmente, conferir poderes mágicos à palavra mesmo que esta não tenha efeitos práticos palpáveis (um bom teste será o anúncio que será feito esta noite: aposto que a sua substância vai residir na impressão que se vai dar de parecer estar a fazer qualquer coisa; podemos discutir isto logo, logo).
A Comissão Política, reduzida ao estatuto de veia transmissora de saudações, é o representante fiel desta Nova Frelimo.
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Ilidio Da Silva Um retrato bem fiel da nossa política.
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Pedro Guiliche Estive a ler o argumento sobre a Nova Frelimo, que me pareceria mais interessante estar entre aspas. Digo isso, vendo a Frelimo como instituição e que os seus estatutos e programas são revistos de 5 em 5 anos, aonde existe lá a sua linha política.
Por falar em partidos, ocorreu-me que a literatura sobre esta matéria aponta que desde o surgimento dos Partidos Políticos, várias características partidárias têm sido alteradas e inseridas novas nomenclaturas para defini-los. De Partido de massas, à catch-all, profissional eleitoral e cartel. Ainda assim, o debate prevalecente é se a “transformação” ou tipologia do Partido resolve o problema central de pensar no papel deste empreendimento político. No caso de Moçambique, podíamos pensar eventualmente na medida em que eventuais transformações correspondem ou não à capacidade de canalizar as demandas da sociedade aos órgãos competentes. Com isso, não estou a apadrinhar promoção de qq das formas deploradas de fazer política apontadas no texto. Apesar disso, tenho algum receio de associar certos comportamentos extremistas que podem ser de pessoas à instituição. Portanto, nem sempre posso concordar que posições extremas, emitidas por certos membros, reflectem necessariamente a posição do Partido. Pode ser o caso de uma nova fase da história em que o debate sobre a função do Partido político deve merecer update, com um maior envolvimento da sociedade como um todo.
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