05.04.2016 às 13h36
Documentos da firma de advogados panamiana Mossack Fonseca revelam que dinastia Aliyev detém três camadas de propriedade oculta de um conglomerado, que conduzem a minas de ouro e propriedades no estrangeiro. A investigação “Panama Papers” é do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, de que o Expresso é parceiro
No dia 31 de outubro de 2003, Ilham Aliyev, o recém-eleito Presidente do Azerbaijão, perfilava-se atrás de um púlpito e de uma profusão de flores brancas para discursar perante presidentes, primeiros-ministros e outros 2000 convidados, reunidos no Palácio Respublika. Pousando a mão primeiro na Constituição e depois no Corão, Aliyev jurou servir o seu povo. Nessa noite, fogos-de-artifício iluminaram o céu da capital azeri, Baku.
A eleição de Aliyev para liderar esta antiga República soviética, rica em energia e fronteiriça à Rússia e ao Irão fora praticamente um dado adquirido. O seu pai, Heydar, então moribundo, era um antigo agente do KGB que ocupara a chefia do Estado nos dez anos anteriores. Observadores das eleições contaram que a polícia agredira e detivera adversários políticos9, numa confirmação da reputação repressiva do país.
Tornar-se Presidente não foi a única ascensão de Aliyev durante o ano de 2003. Através de uma rede de empresas secretas em paraísos fiscais em offshores, a sua família, conselheiros e aliados dedicaram-se a compra11 de moradias caras no estrangeiro e de posições nas valiosas indústrias e recursos naturais do Azerbaijão.
Entre outras coisas, a família assegurou o controlo maioritário de uma importante mina de ouro até agora desconhecida. Os novos pormenores sobre o império offshore dos Aliyev resultam de registos secretos obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, pelo jornal alemão “Süddeutsche Zeitung” e por outros órgãos de comunicação seus parceiros, e provêm da Mossack Fonseca, um escritório de advogados sedeada no Panamá que ajuda os seus clientes a montar estruturas empresariais difíceis de detetar.
Os mais de 11 milhões de documentos analisados pelo ICIJ pelos seus parceiros – e-mails, contas bancárias e registos de clientes – representam o que foram os mecanismos interiores da Mossack Fonseca durante quase 40 anos, de 1977 a dezembro de 2015.
ALIANÇAS FAMILIARES
Os registos mostram que, a meio de 200312, meses antes das eleições presidenciais de outubro, Fazil Mammadov, ministro dos Impostos do Azerbaijão, começou a criar a AtaHolding, que viria a tornar-se um dos maiores grupos empresariais do país. Mammadov, já de si influente, convidou a família do Presidente Aliyev para se lhe juntar, consolidando um negócio potencialmente poderoso e vantajoso e uma parceria política.
A AtaHolding é um grupo com interesses significativos no Azerbaijão, nos sectores da banca, telecomunicações, construção, minas, petróleo e gás. O seu relatório e contas mais recentes, de 2014, revelam que detinha mais de 490 milhões de dólares em ativos.
Os ficheiros revelados mostram que o ministro dos Impostos criou uma empresa no Panamá através da Mossack Fonseca, denominada FM Management Holding Group S.A. Administradores de fachada — testas-de-ferro fornecidos pela Mossack Fonseca — escondiam o facto de Mammadov estar envolvido. Nomeado em 2000 até pelo menos 2007, altura em que foi escrito este telegrama da embaixada dos EUA.
Ainda ministro Mammadov criou, depois, uma segunda entidade offshore – desta feita uma fundação – chamada UF Universe Foundation. No Panamá as fundações estão sujeitas a rígidas leis de confidencialidade — quem divulgar informação sobre elas pode ser multado ou mesmo preso. Os documentos mostram que passados dois anos, em 2005, a mulher de Aliyev, Mehriban Aliyeva – primeira-dama e deputada, sempre a par da moda e injetada com colagénio – passou a ser um dos dois gestores da Fundação UF Universe, a par com o ministro dos Impostos, Mammadov.
Documentos anexados a um e-mail de “alta importância” enviado à Mossack Fonseca, em fevereiro de 2005, por um advogado que representava os azeris, propunham que Heydar Aliyev, o filho do Presidente, então com seis anos, designado nos documentos por “A1”, fosse tornado beneficiário de 20 por cento dos proveitos da fundação. O plano também propunha que as duas filhas do Presidente — Leyla, então com 19 anos, e Arzu, de 17 — detivessem 15% cada. O filho de Mammadov possuía 30%, enquanto Ashraf Kamilov, antigo funcionário do Ministério dos Impostos, e outros antigos funcionários do fisco detinham participações mais modestas. O mesmo sucedia com o presidente da AtaHolding, Ahmet Erentok.
O secretismo tinha, portanto, três camadas: a Fundação UF Universe, que controlava a segunda camada, a FM Management, empresa do Panamá criada por Mammadov, que por sua vez detinha ações na terceira camada, uma empresa sedeada no Reino Unido, de seu nome Financial Management Holding Limited. Segundo um fluxograma divulgado à Mossack Fonseca em 2005, a empresa britânica detinha 51% das ações da AtaHolding Azerbaijan.
Sendo certo que não há dúvidas de que estas empresas secretas existiam e pagaram centenas de dólares à Mossack Fonseca em despesas administrativas, não é claro se alguma vez chegou a ser adotada a estrutura proposta para beneficiar os filhos adolescentes e pré-adolescentes do Presidente Aliyev e outros azeris importantes.
A fundação UF Universe foi encerrada em janeiro de 2007. Em fevereiro de 2014, meses depois de o Presidente Aliyev ter tomado posse para o seu terceiro mandato, um advogado de Londres tentou reativar a fundação e o grupo FM Management Holding. A Mossack Fonseca fez-lhe a vontade e emitiu uma fatura pela reativação da empresa, no valor aproximado de 9000 dólares.
Mais recentemente, quem detinha a maioria (51%) do capital da AtaHoldings era a Hughson Management Inc., segundo o relatório anual da AtaHolding disponível na Internet. Uma carta de 2010 assinada pela Mossack Fonseca indicava as filhas de Aliyev, Arzu e Leyla, e o advogado suíço Mestelan como administradores.
O ICIJ pediu comentários a todos os indivíduos referidos neste artigo e não recebeu respostas. Em reação a informações anteriores sobre as posses da família, o porta-voz do Presidente afirmou que as filhas “são crescidas e têm o direito de fazer negócios”.
AMIZADE COM OS EUA
Apesar das críticas globais ao crescente autoritarismo no Azerbaijão, o regime Aliyev tem sido amigo de sucessivas administrações dos EUA. Os Estados Unidos gastaram centenas de milhões de dólares no Azerbaijão dos Aliyevs, incluindo milhões em formação militar e de segurança. O governo do Azerbaijão é um dos maiores compradores de influência em Washington D.C. e, com os seus lobistas, gastou pelo menos quatro milhões de dólares só em 2014 para adoçar a imagem do país. O Azerbaijão levou congressistas em visitas com tudo pago ao Azerbaijão, mimoseando os legisladores com lenços de seda, conjuntos de chá em cristal e tapetes.
A importância do Azerbaijão na energia, como rota de fornecimento às tropas americanas no Afeganistão, e o seu papel potencial no combate ao autoproclamado Estado Islâmico (Daesh) fazem dos Estados Unidos um crítico relutante, afirmou o antigo embaixador americano no Azerbaijão, Richard D. Kauzlarich, hoje professor adjunto na Universidade George Mason.
“Estar onde está – na fronteira com a Rússia e o Irão e num contexto geopolítico muito instável – é um fator que faz do Azerbaijão um dos países mais únicos da região”, disse Kauzlarich, que foi embaixador dos EUA no Azerbaijão de 1994 a 1997.
Os seus níveis de corrupção e o controlo da economia pela elite destacam-no de uma parte do mundo onde coisas dessas não são invulgares, acrescentou. “O franqueamento da atividade económica a famílias e clãs que são importantes para a manutenção do atual regime no poder não é um padrão incomum”, disse Kauzlarich. “É certo, contudo, que foi aperfeiçoado no Azerbaijão.”
REVELADA A MAIOR REDE OFFSHORE
O facto de a família Aliyev poder ser associada a empresas offshore não é novidade. Uma investigação do ICIJ em 2013 apurou que Aliyev, a sua mulher e as suas filhas eram donos ou estavam associados a empresas offshore. Mas agora, os ficheiros da Mossack Fonseca acrescentam muito ao que se sabia e revelam novas companhias que pertencem às duas filhas do Presidente, Leyla e Arzu.
Os documentos mostram que Leyla e Arzu Aliyeva controlavam duas firmas constituídas nas Ilhas Virgens Britânicas e até agora ocultas — Kingsview Developments Limited e Exaltation Limited. O objetivo da primeira empresa não é claro nos ficheiros, mas a segunda foi constituída em janeiro de 2015 para deter uma propriedade britânica no valor de mais de um milhão de dólares.
A irmã mais velha do Presidente Aliyev, Sevil, também aparece nos documentos como proprietária de outra empresa nas Ilhas Virgens Britânicas, a Setanon Properties Inc. Mais uma vez os ficheiros não clarificam para que servia essa firma. Nos documentos da Mossack Fonseca, Sevil Aliyeva, compositora, indicava a sua morada no oeste de Londres, num bairro onde o preço médio das casas anda perto dos nove milhões de dólares.
SENTADOS EM CIMA DE UMA MINA DE OURO
Os registos da Mossack Fonseca revelam que a família presidencial conseguiu, em segredo, o controlo de uma mina de ouro, tornando irrisória uma participação mais pequena que se sabia deterem.
Em 2006, o Governo do Azerbaijão concedeu licenças mineiras no oeste do país a um consórcio de empresas que constituiu a Azerbaijan International Mineral Resources Operating Company Ltd. Ao abrigo do acordo, o consórcio conservaria 70% dos lucros da mina e o Governo azeri receberia os restantes 30%, segundo um acordo de produção a 30 anos. Na altura, políticos da oposição criticaram a falta de transparência do negócio
Em 2012, jornalistas azeris que trabalhavam com o Organized Crime e Corruption Reporting Project (OCCRP), um grupo de jornalismo de investigação sem fins lucrativos centrado na Europa de Leste e Ásia Central, informou que um dos quatro membros do consórcio, a Globex International LLP, era detido, por sua vez, por três empresas panamianas controladas pelas filhas do Presidente Aliyev e por Olivier Mestelan, um empresário suíço amigo da família.
Um dos repórteres do OCCRP era a jornalista de investigação azeri Khadija Ismayilova, também membro do ICIJ. Em 2015, as autoridades azeris encarceraram Ismayilova, no que muitos creem ter sido uma retaliação por ter denunciado a corrupção governamental. As autoridades acusaram Ismayilova de desvio de fundos, negócio ilícito, fuga ao fisco e abuso de poder e de ter incitado um homem a suicidar-se. A sentença: sete anos e meio de prisão.
“Destrinçar a estrutura da AIMROC é uma tarefa avassaladora”, escreveu Ismayilova em 2012, associando a empresa operacional do consórcio com uma opaca “pista panamiana” que ligava a família Aliyev com o consórcio mineiro.
Os ficheiros da Mossack Fonseca revelam que o membro principal do consórcio, a Londex Resources S.A., foi constituído no Panamá em 2005 e detinha 45% das ações do consórcio. Os ficheiros mostram que, em abril de 2008, as mesmas três empresas panamianas detidas pelas filhas do Presidente Aliyev e por Mestelan, que partilhavam o controlo da Globex International, passaram a ser acionistas da Londex. A Globex International detinha 11% da participação do consórcio na mina de ouro. O controlo pelo trio da Londex Resources significava que a família e círculo íntimo do Presidente Aliyev controlavam uma participação maioritária – 56% – no consórcio.
Há quase 400 documentos sobre a Londex nos ficheiros da Mossack Fonseca, incluindo faturas, registos da matrícula empresarial, instruções para abrir uma conta bancária e e-mails com a indicação “PEDIDO URGENTE!!!”. A Londex era um cliente precioso para a Mossack Fonseca. O escritório de advogados faturou à Londex milhares de dólares entre 2005 e 2014.
Em janeiro de 2016, trabalhadores mineiros protestaram diante do Parlamento do Azerbaijão, alegando que a Londex não pagava salários desde 2014, altura em que a mina foi repentinamente encerrada. Um dos manifestantes, Cumshud Alasgerli, de 46 anos, casado e pai de três filhos, trabalhava como geólogo na mina. Foi entrevistado pelo OCCRP.
“Mais de 200 trabalhadores não conseguem o seu salário”, disse Alasgerli. Afirmou que há quase dois anos que não recebia o salário que lhe era devido. “E o Governo não faz nada por nós.” Alasgerli contou que instaurou um processo laboral contra a Londex no tribunal. Mas não está otimista. Até agora, nem a empresa nem o Governo o ajudaram. “Simplesmente, não querem ajudar-nos.”
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