sábado, 16 de abril de 2016

TROPAS PÁRA-QUEDISTAS DA “RENAMO”

Um dos capítulos mais interessantes deste livro tem início na página 103, com o subtítulo “OS SECRETOS PARAQUEDISTAS DA RENAMO”.
Nele, o leitor é informado de alguns pormenores muito interessantes, sobre a selecção, o treino, e a preparação de um numeroso grupo de guerrilheiros da RENAMO que frequentou e concluiu um CURSO DE PÁRA-QUEDISMO MILITAR, ministrado por instrutores pára-quedistas sul-africanos.
Este acontecimento já tinha sido tornado público, em Fevereiro de 2000, num artigo documentado com excelentes fotografias e da autoria do Dr. Tom Marks. Porém, como foi publicado pela controversa revista “SOLDIER OF FORTUNE”, e apesar das fotografias que aqui reproduzimos, foi-lhe atribuído pouca credibilidade.
Do citado capítulo (págs. 103 e 104) extrai-se o seguinte texto:
«… Os aviões só regressam à África do Sul de madrugada. E largaram também, de pára-quedas, mais de duzentos militares do movimento que haviam terminado cursos de sabotagem, técnicas de guerrilha, armamento e…pára-quedismo, obviamente. E obviamente que tudo isto é “top”, “top secret”, pois oficialmente Pretória nunca deu um alfinete que seja à RENAMO.
Pois, os paraquedistas do movimento…o esquema de formação acelerou-se imenso nestes últimos tempos. Há todo um incremento do vector que leva gente e material de território da África do Sul até aos confins de Moçambique. E eu estivera precisamente, nos dois dias anteriores, a acompanhar estes saltos de treino, tanto na zona de aterragem como de bordo do avião, um DC-3”Dakota”.
É demasiado radical estar a bordo, o piloto deve ser um dos loucos destas coisas, a aterrar nesta simples estrada de terra batida, o mecânico de bordo desfolha uma revista com gajas, e eu sem paraquedas algum estou aqui em pé à porta, a incentivar a saída desta malta toda, a uns mil pés (trezentos metros de altitude) a levar com estes golpes de vento tremendo, agarrado apenas à moldura da saída ou aos cabos onde engancham as tiras amarelas dos paraquedistas, estes “espantas-galinhas”, como no Aeroclube, antes, apelidávamos os que saltavam em “automático”. Deliro com este barulho, o troar dos motores, a chicotada bem sonora da ventania…»
«…A pista de areia e a zona de saltos, separadas uns quatro quilómetros entre si, ficam mais ou menos a vinte quilómetros a noroeste de Phalaborwa e a uns quinze quilómetros para sudoeste do campo de treino que visitei em Agosto. Bom, creio que é mais ou menos isso. O “Voluntário” efectuou nove saltos de treino, juntamente com outros oficiais ligados à RENAMO. E na tarde deste dia 30 ocorreu a cerimónia de entrega das “asas” de páraquedistas a todos do curso.»
Da leitura atenta deste pequeno extracto, podemos concluir que os pára-quedistas ao serviço da RENAMO tiveram de efectuar nove saltos em pára-quedas para poderem ostentar o seu distintivo de qualificação pára-quedista “sobre o bolso esquerdo”, e que o curso de pára-quedismo foi frequentado em infra-estruturas militares nos arredores de PHALABORWA.
Recordo que Phalaborwa é uma grande cidade situada nas proximidades do Parque Nacional Kruger e rica em cobre e fosfatos. Esta cidade é, também, conhecida por ter temperaturas muito elevadas (35 graus) e o seu nome, dado pelas tribos de Sotho, significa “melhor que o sul”. Em 1980 foi seleccionada para acantonar uma unidade de tropas especiais: o 5º REGIMENTO DE FORÇAS ESPECIAIS.
O distintivo de qualificação pára-quedista em causa (ver foto) foi fabricado localmente (África do Sul), possuindo uma sólida construção metálica. O “Escudo-de-Armas da RENAMO”, ao centro, é uma peça independente fixada por um parafuso.
Existe outra versão semelhante, mas com os espaços entre os cordões do pára-quedas preenchidos a vermelho.
Informação não oficial e sujeita a confirmação histórica atribuem o pormenor das duas cores para distinguir os guerrilheiros da RENAMO que executavam saltos de abertura manual (vermelho) dos que saltavam em pára-quedas de abertura automática (azul).
O livro, escrito numa linguagem simples e acessível, acaba por em cada um dos quatros capítulos principais, conclusões e apêndices, revelar outros pormenores que “cruzados” com o artigo da revista “SOLDIER OF FORTUNE” de Fevereiro de 2000, permite-nos reconstruir um pouco da pequena, mas frutífera, história dos “pára-quedistas secretos da RENAMO”que o ACORDO DE PAZ estabelecido em Roma (1992) extinguiu.

René Pélissier Análise Social, vol. XLII (182), 2007, 333-347
Prometeu, Ptolemeu, Pigmalião e alguns pigmeus
(...) A mesma interrogação se nos coloca perante um documento extraordinário que temos dificuldade em classificar. 
Será que o seu autor é o verdadeiro Pigmalião por quem esperavam os estudos moçambicanistas, tão apaixonado por si mesmo, pelo seu papel de agente duplo — nomeadamente ao serviço da polícia secreta da FRELIMO — e pelas mulheres, em geral, que, provavelmente, inventou um género novo: o relato político «erógeno» (e, por vezes, mesmo francamente pornográfico)? O que é certo é que Dossier Makwakwa é um texto capital para conhecer a RENAMO, a partir do interior da própria organização, entre 1981 e 1987 (e também um pouco depois). 
Que eu tenha conhecimento, ninguém anteriormente descreveu de forma tão minuciosa a organização, as personagens e as actividades da RENAMO na África do Sul, em Portugal e na Europa ocidental. 
Os retratos de um jornalista-espião que encontrei, de um romancista activista de extrema-direita, de homens de negócios repatriados de Moçambique, de ex-secretários-gerais da RENAMO assassinados e de uma quantidade de outros actores de maior ou menor importância, fascinados pelo mundo inquieto da luta anticomunista ou anti-imperialista da época, só podem ter sido pintados por alguém que tenha convivido intimamente com eles durante vários anos. 
E esse alguém é o autor desta obra e antigo quadro da RENAMO. Dito isto, para um observador distante ou para um historiador pouco informado como eu, a impressão com que se fica pode resumir-se a uma única palavra: amadorismo de ambas as partes. 
O que não seria dramático se, por detrás destas pantominas lastimáveis, não se escondesse a morte de centenas de milhares de moçambicanos, o saque e a destruição de um país frágil que ainda não se libertou verdadeiramente desta terrível guerra civil, ao lado da qual as guerras coloniais do passado, mais ou menos recente, parecem contos de fadas escritos por um contador de histórias ligeiramente alcoolizado. E isso é imperdoável, mesmo «no coração das trevas africanas», qualquer que seja a orientação política dos leitores desta confissão lúbrica, indispensável para conhecer a história recente de Moçambique.
Será mesmo indispensável? Sim.





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