OPINIÃO
“Tempo velho” na Cultura
A nomeação de João Soares para ministro da Cultura foi uma surpresa que permanece inexplicável, já que passados quatro meses não afirmou uma linha de acção política, tão-só um estilo de compadrio, prepotência e grosseria. De resto, não tinha qualificações particulares para o cargo.
A nomeação de João Soares para ministro da Cultura foi uma surpresa que permanece inexplicável, já que passados quatro meses não afirmou uma linha de acção política, tão-só um estilo de compadrio, prepotência e grosseria. De resto, não tinha qualificações particulares para o cargo, que não o era a sua gestão da Cultura na Câmara Municipal de Lisboa em tempos idos, antes pelo contrário. E sendo ele um derrotado nato – perdeu as eleições autárquicas em Lisboa e em Sintra e para secretário-geral do PS –, mas também um caso de obstinação, esta nomeação culminou uma reascensão vertiginosa, se recordarmos que nas últimas eleições inicialmente nem estava em lugar elegível nas listas.
O argumento de que também pode fazer sentido ter na pasta alguém com peso político esvaiu-se com o quadro orçamental para este ano. Sendo ainda recomendável alguma contenção, o certo é que o sector vive uma situação de emergência, consumada na governação PSD-CDS, mas que vem dos tempos socialistas do socratismo, quando ocorreu uma sistemática desorçamentação. Agora não só não houve aumento de dotação, como mesmo acrescido desinvestimento na Direcção-Geral do Património e no Fundo de Fomento Cultural!
Há que dizer que desde o princípio António Costa esteve muito mal na sua relação com o sector, seguindo o modelo tradicional do PS de o considerar como ornamento, acenando apenas com a promessa imprescindível de restaurar um ministério. Logo no início da sua caminhada houve uma iniciativa ridícula, um manifesto “A Cultura apoia António Costa”, como se uns quantos agentes fossem “A Cultura” e dela proprietários. Depois, noutra tradição socialista, o almoço em final de campanha eleitoral, houve o prodígio de ser oradora quem tinha sido tornada “artista do regime” pelo governo de direita, Joana Vasconcelos. E, assim, a nomeação de Soares foi apenas o consumar político desta consideração do adorno. Mas abrindo azo aos piores receios.
Que um governante se rodeie de pessoas de confiança é óbvio. Mas no caso do gabinete de Soares trata-se de uma confraria de socialistas e maçons. Depois começou a distribuir elogios: foi à antestreia de Um Amor Impossível pela sua “grande admiração pela obra notável de António-Pedro Vasconcelos”; destacou “o trabalho notável de Paulo Branco”, quando foi à rodagem do filme de Fanny Ardant; foi às Correntes de Escrita, porque “a Maria do Rosário Pedreira e o Manuel Alberto Valente” lhe recomendaram. A isto se chama "amiguismo", o gesto mais clamoroso sendo a nomeação de um velhoapparatchik, Elísio Summavielle, para o CCB, em lugar de António Lamas, que por muitas razões que houvesse para ser substituído o foi de modo grosseiro. Mas Soares quer dar nas vistas pegando em questões controversas que se arrastam. É o caso das obras de Miró. Logo enunciou que gostaria que fossem expostas este ano em Serralves. Que a administração daquele tenha aceite é um gesto “diplomático”, quando Serralves e o Estado têm ainda de negociar a espinhosa questão do destino da colecção do Ministério da Cultura. Mas não deixa de ser exorbitante que um ministro sugira programação ou a aprove, como sucedeu, segundo o novel presidente do CCB, com a dos Dias da Música, A Volta ao Mundo em 80 Concertos. Os concertos tinham de ser aprovados por João Soares? Já não falando de outras coisas (a esdrúxula nomeação de alguém reticente à arte contemporânea, Pacheco Pereira, para administrador por parte do Estado de Serralves, Museu de Arte Contemporânea), o tão badalado “tempo novo” é na cultura apenas o “tempo velho” dos hábitos socialistas. E muito ainda promete...
OPINIÃO
Resposta a Miguel Sousa Tavares
Para prender ou libertar Sócrates, é preciso esperar pelos tribunais. Para analisar e criticar Sócrates, basta ler jornais.
No último Expresso, Miguel Sousa Tavares (MST) criticou o meu texto intitulado “Os interrogatórios a Sócrates devem ser divulgados?”. Eu defendi que sim, em primeiro lugar, por estarem em causa crimes envolvendo um ex-primeiro-ministro no exercício das suas funções; em segundo lugar, por esse ex-primeiro-ministro ter afirmado inúmeras vezes que não existem motivos para estar a ser investigado. MST discorda de mim. E embora tenha a simpatia de não me incluir no grupo daqueles que “conviveriam sem problemas com os métodos instrutórios da PIDE”, acusa-me, em compensação, de não me ter dado “ao trabalho de pensar a sério antes de escrever”.
Ora, o meu pensamento pode estar errado, viciado ou ser simplesmente estúpido, mas eu pus nele a máxima seriedade ao meu alcance, na medida em que este tema revela à exaustão as tremendas fragilidades do nosso espaço público e a existência de uma cultura de respeitinho no escrutínio da actividade política. Tal deve-se, em boa parte, à forma como insistentemente se exportam as regras do sistema judicial para o palco mediático, por razões de estratégia e de retórica. A presunção de inocência e o segredo de justiça são um interruptor que se liga ou se desliga consoante a nossa simpatia e a nossa distância geográfica em relação aos envolvidos. Se eu não gosto do político A e dele me sinto ideologicamente distante, comento as fugas ao segredo de justiça e suspendo o meu amor à presunção de inocência. Se eu gosto do político B ou dele me sinto ideologicamente próximo, acendo o meu amor à presunção da inocência e deploro as fugas ao segredo de justiça.
Repare-se como a exigência muda substancialmente consoante estamos a falar de Portugal ou da Rússia. Em Portugal, mesmo depois de tudo aquilo que já lemos e ouvimos, há quem defenda que é preciso esperar pela decisão dos tribunais para concluir se o dinheiro é de Carlos Santos Silva ou de José Sócrates. Mas quando olhamos para aquilo que os Panama Papers revelam sobre a Rússia, não duvidamos nem por um momento que o dinheiro do violoncelista milionário seja, na verdade, de Putin. É uma presunção de inocência com geolocalização.
Nove vezes em cada dez, a invocação da presunção de inocência esconde o desejo de frear o debate público – “há que esperar pelo que dizem os tribunais”, protestam os defensores de Sócrates. Não, não há. Nenhum de nós tem de colocar nas mãos de um tribunal aquilo que deve pensar sobre um político, ou suspender a sua capacidade de juízo até a sentença transitar em julgado. E isto, lamento, não pode ser confundido com qualquer espécie de desejo de “justiça popular” – é um desejo, isso sim, de debater na praça pública aquilo que se sabe sobre o processo e sobre a actuação de um ex-primeiro-ministro. Para prender ou libertar Sócrates, é preciso esperar pelos tribunais. Para analisar e criticar Sócrates, basta ler jornais.
Escreve MST: “Os meios são justificados pelos fins que anseiam – no caso, a liquidação política e moral de Sócrates ou Lula da Silva.” Essa é uma boa formulação acerca daquilo que nos divide. Não sou eu que estou a atribuir uma “função judicial” ao jornalismo. É MST que está a atribuir uma função jornalística aos tribunais. MST aguarda que a justiça lhe dê autorização para liquidar Sócrates política e moralmente. Lamento, mas esse não é o trabalho da justiça. Esse é um trabalho nosso, enquanto cidadãos. É, aliás, por termos demorado tanto tempo a realizá-lo que Sócrates chegou onde chegou.
João Soares comenta o caso. "Peço desculpa se os assustei", diz sobre as declarações sobre Augusto M. Seabra e Vasco Pulido Valente.
O ministro da Cultura, João Soares, ameaçou na manhã desta quinta-feira dar “bofetadas” aos colunistas Augusto M. Seabra e Vasco Pulido Valente na sequência de um artigo de opinião de Seabra que critica os seus primeiros quatro meses de governação. Para Augusto M. Seabra, a ameaça de João Soares "é um disparate monstruoso". Pulido Valente diz: "Fico à espera, para me dar as bofetadas." Entretanto, o ministro disse ao Expresso: "Peço desculpa se os assustei". E o crítico Augusto M. Seabra esclareceu, por seu turno, sobre o que considera ser uma "semi-retractação": "Não me assustei".
Na manhã desta quinta-feira, e através da sua conta na rede social Facebook, o ministro recordava: “Em 1999 prometi-lhe publicamente um par de bofetadas. Foi uma promessa que ainda não pude cumprir, não me cruzei com a personagem, Augusto M. Seabra, ao longo de todos estes anos. Mas continuo a esperar ter essa sorte. Lá chegará o dia.” Mais à frente no seu post, João Soares diz: “Estou a ver que tenho de o procurar, a ele e já agora ao Vasco Pulido Valente, para as salutares bofetadas. Só lhes podem fazer bem. A mim também.”
O caso já mereceu críticas e reacções políticas de vários quadrantes e o PÚBLICO está a tentar contactar o ministro João Soares, mas até ao momento não obteve resposta. Ao final da manhã, o ministro da Cultura reafirmara já as suas afirmações no Facebook à Antena 1 e à TSF, sem ter gravado as suas declarações. Na tarde desta quinta-feira, Soares enviou por sms ao semanário Expresso o seu comentário: "Sou um homem pacífico, nunca bati em ninguém. Não reagi a opiniões, reagi a insultos. Peço desculpa se os assustei."
Augusto M. Seabra, que classificara já a ameaça de João Soares como "inqualificável", diz sobre as novas declarações do ministro: "Não me assustei e o pedido de desculpas não me afecta em termos pessoais". Já "em termos políticos, depois de ter feito um disparate monstruoso", Seabra considera que "o ministro está a ensair uma semi-retractação, em parte pela evidência de que provocou uma tempestade de reacções hostis ao seu comentário" nas redes sociais e fora delas.
O ministro socialista, que tem também a tutela da comunicação social pública (da RTP, da RDP e da agência Lusa), escreveu após a publicação no site do PÚBLICO do artigo de opinião “Tempo velho” na Cultura, na quarta-feira, em que o crítico e programador cultural se debruça sobre a nomeação e percurso, até agora, de Soares à frente da pasta da Cultura. Passando em revista casos como o do Centro Cultural de Belém (CCB), a nomeação de Pacheco Pereira para a administração do Museu de Serralves ou a orçamentação do sector, Seabra critica a afirmação de “um estilo de compadrio, prepotência e grosseria” e diagnostica “uma situação de emergência” no sector cujas raízes atribui já ao Governo Sócrates. No texto, que será publicado na edição do suplemento Ípsilon de sexta-feira, Seabra descreve ainda João Soares como um “derrotado nato”, referindo-se às suas participações nas eleições autárquicas em Lisboa e em Sintra e para o cargo secretário-geral do PS.
Ao início da manhã, perante as palavras de Soares, Augusto M. Seabra considerara já o acto de João Soares "inqualificável". "Acho inqualificável que, num governo democrático, um membro desse governo faça ameaças de agressão física a alguém que usou do direito da opinião crítica", disse o crítico ao PÚBLICO.
Já Vasco Pulido Valente, que escreveu recentemente sobre a saída de António Lamas do CCB referindo a "insignificância e a grosseria" de Soares, diz ao PÚBLICO, sobre as eventuais consequências políticas deste acto do ministro: "Não sei o que é permitido e o que não é permitido neste Governo." Quanto às ameaças de João Soares, riposta: "Fico à espera, para me dar as bofetadas."
BE critica, PS e PCP em silêncio
Entre os partidos, o PSD foi o único a fazer uma declaração oficial. Hugo Soares, vice-presidente da bancada parlamentar social-democrata, disse no Parlamento que as declarações de João Soares são “inqualificáveis e "demonstram um padrão de falta de respeito pela liberdade de expressão”.
Contudo, Hugo Soares evitou pedir a demissão do ministro, com o partido a não seguir a posição pessoal de Sérgio Azevedo, outro vice-presidente da bancada parlamentar, que no Facebook apontou a porta da saída a João Soares. "Um ministro (sim com m pequeno, minúsculo) que promete 'bofetadas' a um crítico, para além de ser um tipo pequenino, só tem um caminho: a demissão!", escreveu o deputado na sua página pessoal no Facebook.
É a opinião de Daniel Oliveira, comentador político fundador do Bloco de Esquerda e fundador do Livre, que pede também a demissão de João Soares. "Um ministro que ameaça fisicamente quem o critica não pode ser ministro", escreve o comentador no Facebook. Oliveira considera que, depois do post no Facebook, "João Soares tem de se demitir, António Costa tem de se demarcar desta ofensa à democracia e os partidos que sustentam o Governo têm de ser muitíssimo claros". "Não há inimputáveis em política e, se permitimos que a ameaça física passe a ser a forma de os governos reagirem à crítica, tudo é possível."
Os responsáveis do Bloco de Esquerda não vão fazer declarações públicas, mas o partido já tomou uma posição através de uma fonte oficial ouvida pelo PÚBLICO: "No caso do ministro João Soares são coisas que um governante não deve dizer. Não é o cargo que se deve adaptar ao titular, é o titular que se deve adaptar ao cargo."
Contactado pelo PÚBLICO, o grupo parlamentar do PS diz que "está em silêncio". As bancadas do PCP e do CDS ainda estão a ponderar se vão assumir uma posição pública sobre a ameaça do ministro.
Questionado pelo PÚBLICO sobre o que as declarações do ministro representam no âmbito da liberdade de expressão, o Sindicato dos Jornalistas "vinca a defesa da liberdade de expressão como algo fundamental em democracia, rejeitando qualquer tentativa de a limitar e ameaçar". "Recorda a propósito a responsabilidade de detentores de cargos públicos, nomeadamente governantes, na garantia de que esse direito possa ser exercido livremente e sem condicionamentos de qualquer espécie." com Isabel Salema e Sofia Rodrigues
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