Opinião
Corações ao alto: Abril regressou!
É certo que nem toda a gente é Vasco Lourenço, mas o seu espírito paira sobre as cabeças do PS, do Bloco, do PCP e de metade do PSD.
A jornalista da SIC Anabela Neves, que já assistiu a muitos 25 de Abril no Parlamento, detectou no final das cerimónias de ontem diferenças significativas na performance do hino nacional pela banda da GNR: “Palmas mais fortes do que é habitual ao hino, que desta vez se ouviu bem mais na sala de sessões do Parlamento. Muita gente, muitos deputados, finalmente a cantarem.” Oh, que lindo. Nada como a esquerda voltar ao poder, para mais toda juntinha – Abril pode novamente voltar a ser Abril e o hino pode novamente soar como um hino.
Durante a manhã de ontem, os acordes d’A Portuguesa escutaram-se espectacularmente. A secção de sopros da banda da GNR soprou com notável entusiasmo. A percussão percutiu com outro músculo. Os deputados cantaram como se tivessem um Manuel Alegre dentro deles. Os capitães de Abril ruboresceram de novo as galerias com os seus cravos. A normalidade institucional e constitucional mostrou-se, enfim, reposta. Como afirmou o deputado do PEV, “Abril está de regresso”.
Foram longos anos de ausência. Durante a governação de Pedro Passos Coelho houve Abril, o mês, mas não Abril, o estado de espírito, que, como todos sabemos, apenas desce sobre as almas quando a esquerda está no poder. O Abril da direita não é verdadeiro Abril – é um Abril diminuído e poluído, que se suporta por penoso dever democrático, mas que nunca se chega propriamente a aceitar. Ferro Rodrigues celebrou o regresso da Associação 25 de Abril ao Parlamento com um tom tão entusiasmado (“que bom é ver-vos de volta a esta casa que é também a vossa casa!”) que só faltou pedir desculpa a Vasco Lourenço pelo comportamento dos anteriores inquilinos. Os tais inquilinos que, como recordou Lourenço à saída, tinham “uma postura anti-25 de Abril”.
Perguntarão os leitores: uma “postura anti-25 de Abril” porquê? Acaso Passos Coelho tomou o poder de assalto? Acabou com as liberdades individuais? Silenciou a comunicação social? Agiu contra a oposição? De que forma pode ter ele sido “anti-25 de Abril”? A resposta é simples: é que se para uns a democracia é tudo, para a Associação 25 de Abril e para dois terços do actual Governo e partidos adjacentes a democracia é pouco. Democracia sem um projecto de esquerda não é democracia, porque boa parte da esquerda portuguesa ainda vive mentalmente no tempo do pacto MFA-Partidos – um povo pouco esclarecido pode fazer gripar o motor do processo revolucionário.
Dir-me-ão que os tempos são outros. Sim, com certeza que são, mas o regime continua a transportar consigo a flor-de-lis da esquerda, que se torna muito visível nos dias mais carregados de simbolismo, como é o caso do primeiro 25 de Abril do primeiro-ministro António Costa. Após a revolução, o CDS teve de fingir que era de centro e Sá Carneiro que era de esquerda, e quatro décadas depois só não tem “uma postura anti-25 de Abril” quem continuar a fingir.
É certo que nem toda a gente é Vasco Lourenço, mas o seu espírito paira sobre as cabeças do PS, do Bloco, do PCP e de metade do PSD – a esquerda nunca se limita a apresentar uma alternativa política à direita; ela está sempre em processo de salvação de todo o sistema social e democrático. Ainda que isto se passe sobretudo num plano simbólico, o simbolismo conta – porque é ele que continua a infectar a direita com a falta de legitimidade política para defender as suas ideias, 42 anos após Abril. Pessoalmente, não tenho pachorra, por mais bestial que seja a actuação da GNR.
Durante a manhã de ontem, os acordes d’A Portuguesa escutaram-se espectacularmente. A secção de sopros da banda da GNR soprou com notável entusiasmo. A percussão percutiu com outro músculo. Os deputados cantaram como se tivessem um Manuel Alegre dentro deles. Os capitães de Abril ruboresceram de novo as galerias com os seus cravos. A normalidade institucional e constitucional mostrou-se, enfim, reposta. Como afirmou o deputado do PEV, “Abril está de regresso”.
Foram longos anos de ausência. Durante a governação de Pedro Passos Coelho houve Abril, o mês, mas não Abril, o estado de espírito, que, como todos sabemos, apenas desce sobre as almas quando a esquerda está no poder. O Abril da direita não é verdadeiro Abril – é um Abril diminuído e poluído, que se suporta por penoso dever democrático, mas que nunca se chega propriamente a aceitar. Ferro Rodrigues celebrou o regresso da Associação 25 de Abril ao Parlamento com um tom tão entusiasmado (“que bom é ver-vos de volta a esta casa que é também a vossa casa!”) que só faltou pedir desculpa a Vasco Lourenço pelo comportamento dos anteriores inquilinos. Os tais inquilinos que, como recordou Lourenço à saída, tinham “uma postura anti-25 de Abril”.
Perguntarão os leitores: uma “postura anti-25 de Abril” porquê? Acaso Passos Coelho tomou o poder de assalto? Acabou com as liberdades individuais? Silenciou a comunicação social? Agiu contra a oposição? De que forma pode ter ele sido “anti-25 de Abril”? A resposta é simples: é que se para uns a democracia é tudo, para a Associação 25 de Abril e para dois terços do actual Governo e partidos adjacentes a democracia é pouco. Democracia sem um projecto de esquerda não é democracia, porque boa parte da esquerda portuguesa ainda vive mentalmente no tempo do pacto MFA-Partidos – um povo pouco esclarecido pode fazer gripar o motor do processo revolucionário.
Dir-me-ão que os tempos são outros. Sim, com certeza que são, mas o regime continua a transportar consigo a flor-de-lis da esquerda, que se torna muito visível nos dias mais carregados de simbolismo, como é o caso do primeiro 25 de Abril do primeiro-ministro António Costa. Após a revolução, o CDS teve de fingir que era de centro e Sá Carneiro que era de esquerda, e quatro décadas depois só não tem “uma postura anti-25 de Abril” quem continuar a fingir.
É certo que nem toda a gente é Vasco Lourenço, mas o seu espírito paira sobre as cabeças do PS, do Bloco, do PCP e de metade do PSD – a esquerda nunca se limita a apresentar uma alternativa política à direita; ela está sempre em processo de salvação de todo o sistema social e democrático. Ainda que isto se passe sobretudo num plano simbólico, o simbolismo conta – porque é ele que continua a infectar a direita com a falta de legitimidade política para defender as suas ideias, 42 anos após Abril. Pessoalmente, não tenho pachorra, por mais bestial que seja a actuação da GNR.
João Miguel Tavares escreve sobre o 25 de Abril.
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