Por Alfredo Manhiça
A um Chefe de Estado cuja imagem, sobretudo nos últimos cinco anos, foi fortemente desgastada pelas duras críticas e acusações de violação sistemática das regras de boa governação num Estado de direito democrático; de instauração de um regime autocrático e clientelar,
de facto; de utilização da função pública a ele confiada para o enriquecimento próprio, o enriquecimento dos membros da própria família e para reforçar a própria influência na administração pública e no seio do próprio partido; a quem a opinião pública nacional e internacional imputa maior responsabilidade pelo regresso ao estado de guerra civil, depois de vinte anos de paz, com certeza, os cidadãos esperavam que os seus conselheiros o ajudasse a abrir uma via de compromisso político que constringisse o seu Governo e o maior partido de oposição – a Renamo – a assinar um acordo de paz e abrir caminhos para a realização justa e transparente das eleições gerais de 15 de Outubro. Para a surpresa de todos, os conselheiros de Estado – julgando, pelo menos, a partir dos resultados – aumentaram a lenha na fogueira.
Considerando que a agenda (publicamente anunciada) da IV sessão do Conselho de Estado do dia 7 de Julho era a “apreciação da situação política e militar que se vive no país”, o levantamento da imunidade ao porta-voz do líder a Renamo e membro do Conselho de Estado, António Muchanga, e a sua subsequente detenção à saída da reunião, faz pensar que o resto dos conselheiros tenha aconselhado o presidente Guebuza que para acabar com a guerra civil bastava encarcerar o porta-voz do seu adversário político, Afonso Dhlakama.
Se assim foi, ou devemos concluir que os membros componentes o Conselho do Estado não são suficientemente sábios e ponderados, capazes de dar bons e oportunos conselhos ao Chefe de Estado, ou devemos concluir que esta instituição (o Conselho de Estado) – paralelamente a tantas outras instituições políticas moçambicanas como a Assembleia da República (AR), o Conselho Constitucional (CC), a Procuradoria Geral da República (PGR), o Gabinete Central do Combate à Corrupção (GCCC), etc – a sua principal função (não obstante não confessada) é aquela de dar legitimidade aos desígnios autoritários de Armando Guebuza e dos membros mais influentes do seu partido. De facto, segundo o Art. 15 da Lei nº 5/2005, de 1 de Dezembro, que regula a organização do Conselho de Estado e define o estatuto dos seus membros, “nenhum membro do Conselho de Estado pode ser detido ou preso sem autorização do Conselho ...”, o que leva a concluir que a decisão de deter o porta-voz do líder da Renamo foi tomada independentemente de qualquer ideia de uma reunião do Conselho de Estado e para legitimá-la foi, então, convocada a IV sessão. Os conselheiros, neste caso, foram, literalmente instrumentalizados para dar legitimidade ao plano de raptar o porta-voz de Afonso Dhlakama.
Ora bem, num Estado de direito democrático, onde cada instituição política goza duma certa autonomia e independência em relação ao executivo, diante da mentira publicamente propagada por um Chefe de Estado que anunciara como agenda da IV sessão do Conselho de Estado a “apreciação da situação política e militar que se vive no país”, quando a verdadeira intenção era raptar inadvertidamente um dos membros deste Conselho, o mínimo que os senhores conselheiros poderiam (deveriam?) ter feito era abandonar em massa a sala do encontro, pedindo o presidente da República para marcar uma outra sessão para debruçar-se da questão do levantamento da imunidade a Muchanga.
Desta vez, porém, as manobras absolutistas do presidente Guebuza, ou a sua simples imprudência ou incompetência na gestão dos cruciais problema da nação moçambicana poderão ter consequências desastrosas para o país e, por isso mesmo, a necessidade de merecer uma atenção particular da parte dos cidadãos. Por conseguinte, fazendo uma leitura entre linhas, detendo António Muchanga por incitação à violência, Armando Guebuza lavrara simultaneamente a sua própria condenação. De facto, durante toda a sua administração, Guebuza, não só incitou à violência, mas infligiu sistematicamente violência política-administrativa aos cidadãos e permitiu que os membros do seu circuito e os funcionários públicos de vários níveis institucionais infligissem duras violências política-administrativas aos cidadãos. Portanto, se, por ter incitado à violência, o lugar apropriado de Muchanga é a prisão, o lugar apropriado daquele que usa o poder político a ele confiado para sistematicamente infligir violência ao seu povo é lá onde está o Sr Muchanga.
As opções que restam aos moçambicanos ficam confinadas a duas: ou livrar-se de Guebuza, o mais depressa possível, ou ir ao encontro da sua própria autodestruição, enquanto entidade política governada por um direito democrático. A segunda alternativa – o caos político – é favorável ao Plano B de Guebuza. Quando ele percebeu que a ideia de continuar na presidência da República, depois dos dois mandatos concedidos pela Constituição, era hostilizada pelos membros do seu próprio partido, a sua preferência por um sucessor que, embora possa tutelar os interesses da família Guebuza, não assegura a vitória eleitoral, induziu-o a adoptar o plano que consiste em promover o caos para fazer com que as eleições se realizem só nos círculos eleitorais onde a Frelimo tem maior possibilidade de recolher maior parte dos votos. A Renamo já apareceu publicamente dizendo que o gesto maquiavélico (mas mal esboçado) do presidente Guebuza “iria complicar ainda mais a situação política a que Moçambique está mergulhado.” Não era preciso que a Renamo o dissesse para que se percebesse que a medida tomada por Guebuza foi politicamente incorreto e estrategicamente desastrosa: é evidente que os embora periféricos pontos concordados na mesa das negociações no centro “Joaquim Chissano” ficam comprometidos, e o encontro Guebuza/Dhlakam que parecia estar para breve e, para muitos, tal encontro deveria marcar o fim das hostilidades, fica adiado sine data e o mais provável é que nos próximos dias se assista a uma escalation de violência.
A violência política que, até aqui, era infligida à maioria dos moçambicanos, através da utilização do poder político para fins privados era, de qualquer maneira, contornável no estado de paz que permitia desenvolver várias atividades capazes de garantir a própria sobrevivência. A radicalização do estado de guerra – procurada pelo presidente da República -, além de aumentar o luto nas famílias moçambicanas, reduzirá a possibilidade de desenvolvimento de atividades de auto-sustentamento daquelas populações que desde sempre foram abandonadas à própria sorte, pelo governo da Frelimo.
O levantamento da imunidade e a subsequente detenção do porta-voz do presidente da Renamo, no âmbito de uma sessão do Conselho de Estado e no recinto da presidência da República, pode também ser um pré-anuncio do alargamento dos campos de batalha e das brigadas de morte: alargamento das matas e da EN1 para as cidades e, alargamento do campo militar para o campo civil. De facto, se Muchanga foi à presidência da República como conselheiro de Estado e saiu de lá prisioneiro, os deputados da Renamo poderão, um dia, entrar ca Casa do Povo como deputados da AR e sair de lá como prisioneiros ou como cadáveres a ser acompanhados para o cemitério. Por conseguinte, como a matéria da imputação é vaga: “incitação à violência”, qualquer cidadão poderá, nos próximos dias, ser recolhido às celas penitenciarias por qualquer ação que será considerada parte integrante da categoria de “incitação à violência.” Os zelosos membros e simpatizantes do partido no poder, poderão impunemente formar brigadas de morte e realizar execuções de massa ou outro tipo de barbaridades nos seus próprios bairros residenciais ou aldeias, em nome de defesa contra a “incitação à violência.”
No âmbito veterinário, um cão enraivecido (raivoso) é automaticamente eliminado. No seu famoso II Tratado do Governo, o filósofo inglês, John Locke argumenta que o monarca que, utilizando o poder político a ele confiado para colocar-se numa posição contraposta aos cidadãos que o confiaram o poder, por isso mesmo cessa de ser rei e, como um animal selvagem que é abatido para tutelar a raça humana para a qual constitui um perigo, o monarca poderá ser eliminado, sem que com isso se cometa um crime de regicídio. Nas democracias contemporâneas, um governo inoperante, incompetente e incapaz de promover soluções idóneas para os cruciais problemas do país é constringido a demitir-se.
Alfredo Manhiça
A um Chefe de Estado cuja imagem, sobretudo nos últimos cinco anos, foi fortemente desgastada pelas duras críticas e acusações de violação sistemática das regras de boa governação num Estado de direito democrático; de instauração de um regime autocrático e clientelar,
de facto; de utilização da função pública a ele confiada para o enriquecimento próprio, o enriquecimento dos membros da própria família e para reforçar a própria influência na administração pública e no seio do próprio partido; a quem a opinião pública nacional e internacional imputa maior responsabilidade pelo regresso ao estado de guerra civil, depois de vinte anos de paz, com certeza, os cidadãos esperavam que os seus conselheiros o ajudasse a abrir uma via de compromisso político que constringisse o seu Governo e o maior partido de oposição – a Renamo – a assinar um acordo de paz e abrir caminhos para a realização justa e transparente das eleições gerais de 15 de Outubro. Para a surpresa de todos, os conselheiros de Estado – julgando, pelo menos, a partir dos resultados – aumentaram a lenha na fogueira.
Considerando que a agenda (publicamente anunciada) da IV sessão do Conselho de Estado do dia 7 de Julho era a “apreciação da situação política e militar que se vive no país”, o levantamento da imunidade ao porta-voz do líder a Renamo e membro do Conselho de Estado, António Muchanga, e a sua subsequente detenção à saída da reunião, faz pensar que o resto dos conselheiros tenha aconselhado o presidente Guebuza que para acabar com a guerra civil bastava encarcerar o porta-voz do seu adversário político, Afonso Dhlakama.
Se assim foi, ou devemos concluir que os membros componentes o Conselho do Estado não são suficientemente sábios e ponderados, capazes de dar bons e oportunos conselhos ao Chefe de Estado, ou devemos concluir que esta instituição (o Conselho de Estado) – paralelamente a tantas outras instituições políticas moçambicanas como a Assembleia da República (AR), o Conselho Constitucional (CC), a Procuradoria Geral da República (PGR), o Gabinete Central do Combate à Corrupção (GCCC), etc – a sua principal função (não obstante não confessada) é aquela de dar legitimidade aos desígnios autoritários de Armando Guebuza e dos membros mais influentes do seu partido. De facto, segundo o Art. 15 da Lei nº 5/2005, de 1 de Dezembro, que regula a organização do Conselho de Estado e define o estatuto dos seus membros, “nenhum membro do Conselho de Estado pode ser detido ou preso sem autorização do Conselho ...”, o que leva a concluir que a decisão de deter o porta-voz do líder da Renamo foi tomada independentemente de qualquer ideia de uma reunião do Conselho de Estado e para legitimá-la foi, então, convocada a IV sessão. Os conselheiros, neste caso, foram, literalmente instrumentalizados para dar legitimidade ao plano de raptar o porta-voz de Afonso Dhlakama.
Ora bem, num Estado de direito democrático, onde cada instituição política goza duma certa autonomia e independência em relação ao executivo, diante da mentira publicamente propagada por um Chefe de Estado que anunciara como agenda da IV sessão do Conselho de Estado a “apreciação da situação política e militar que se vive no país”, quando a verdadeira intenção era raptar inadvertidamente um dos membros deste Conselho, o mínimo que os senhores conselheiros poderiam (deveriam?) ter feito era abandonar em massa a sala do encontro, pedindo o presidente da República para marcar uma outra sessão para debruçar-se da questão do levantamento da imunidade a Muchanga.
Desta vez, porém, as manobras absolutistas do presidente Guebuza, ou a sua simples imprudência ou incompetência na gestão dos cruciais problema da nação moçambicana poderão ter consequências desastrosas para o país e, por isso mesmo, a necessidade de merecer uma atenção particular da parte dos cidadãos. Por conseguinte, fazendo uma leitura entre linhas, detendo António Muchanga por incitação à violência, Armando Guebuza lavrara simultaneamente a sua própria condenação. De facto, durante toda a sua administração, Guebuza, não só incitou à violência, mas infligiu sistematicamente violência política-administrativa aos cidadãos e permitiu que os membros do seu circuito e os funcionários públicos de vários níveis institucionais infligissem duras violências política-administrativas aos cidadãos. Portanto, se, por ter incitado à violência, o lugar apropriado de Muchanga é a prisão, o lugar apropriado daquele que usa o poder político a ele confiado para sistematicamente infligir violência ao seu povo é lá onde está o Sr Muchanga.
As opções que restam aos moçambicanos ficam confinadas a duas: ou livrar-se de Guebuza, o mais depressa possível, ou ir ao encontro da sua própria autodestruição, enquanto entidade política governada por um direito democrático. A segunda alternativa – o caos político – é favorável ao Plano B de Guebuza. Quando ele percebeu que a ideia de continuar na presidência da República, depois dos dois mandatos concedidos pela Constituição, era hostilizada pelos membros do seu próprio partido, a sua preferência por um sucessor que, embora possa tutelar os interesses da família Guebuza, não assegura a vitória eleitoral, induziu-o a adoptar o plano que consiste em promover o caos para fazer com que as eleições se realizem só nos círculos eleitorais onde a Frelimo tem maior possibilidade de recolher maior parte dos votos. A Renamo já apareceu publicamente dizendo que o gesto maquiavélico (mas mal esboçado) do presidente Guebuza “iria complicar ainda mais a situação política a que Moçambique está mergulhado.” Não era preciso que a Renamo o dissesse para que se percebesse que a medida tomada por Guebuza foi politicamente incorreto e estrategicamente desastrosa: é evidente que os embora periféricos pontos concordados na mesa das negociações no centro “Joaquim Chissano” ficam comprometidos, e o encontro Guebuza/Dhlakam que parecia estar para breve e, para muitos, tal encontro deveria marcar o fim das hostilidades, fica adiado sine data e o mais provável é que nos próximos dias se assista a uma escalation de violência.
A violência política que, até aqui, era infligida à maioria dos moçambicanos, através da utilização do poder político para fins privados era, de qualquer maneira, contornável no estado de paz que permitia desenvolver várias atividades capazes de garantir a própria sobrevivência. A radicalização do estado de guerra – procurada pelo presidente da República -, além de aumentar o luto nas famílias moçambicanas, reduzirá a possibilidade de desenvolvimento de atividades de auto-sustentamento daquelas populações que desde sempre foram abandonadas à própria sorte, pelo governo da Frelimo.
O levantamento da imunidade e a subsequente detenção do porta-voz do presidente da Renamo, no âmbito de uma sessão do Conselho de Estado e no recinto da presidência da República, pode também ser um pré-anuncio do alargamento dos campos de batalha e das brigadas de morte: alargamento das matas e da EN1 para as cidades e, alargamento do campo militar para o campo civil. De facto, se Muchanga foi à presidência da República como conselheiro de Estado e saiu de lá prisioneiro, os deputados da Renamo poderão, um dia, entrar ca Casa do Povo como deputados da AR e sair de lá como prisioneiros ou como cadáveres a ser acompanhados para o cemitério. Por conseguinte, como a matéria da imputação é vaga: “incitação à violência”, qualquer cidadão poderá, nos próximos dias, ser recolhido às celas penitenciarias por qualquer ação que será considerada parte integrante da categoria de “incitação à violência.” Os zelosos membros e simpatizantes do partido no poder, poderão impunemente formar brigadas de morte e realizar execuções de massa ou outro tipo de barbaridades nos seus próprios bairros residenciais ou aldeias, em nome de defesa contra a “incitação à violência.”
No âmbito veterinário, um cão enraivecido (raivoso) é automaticamente eliminado. No seu famoso II Tratado do Governo, o filósofo inglês, John Locke argumenta que o monarca que, utilizando o poder político a ele confiado para colocar-se numa posição contraposta aos cidadãos que o confiaram o poder, por isso mesmo cessa de ser rei e, como um animal selvagem que é abatido para tutelar a raça humana para a qual constitui um perigo, o monarca poderá ser eliminado, sem que com isso se cometa um crime de regicídio. Nas democracias contemporâneas, um governo inoperante, incompetente e incapaz de promover soluções idóneas para os cruciais problemas do país é constringido a demitir-se.
Alfredo Manhiça
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