Violo a regra de me afastar do Facebook durante o fim de semana para mandar um abraço amigo.
Por Carlos Nuno Castel-Branco
A Procuradoria Geral da República vai ouvir Carlos Nuno Castel-Branco a propósito da sua carta aberta. Esta audição tem um cheiro político que tresanda. Na carta em questão, que se alastrou pelos fóruns sociais e pela imprensa como fogo de floresta, Castel-Branco teceu duras críticas ao Presidente da República e exigiu que ele se demitisse. Não concordei com essa carta, nem na forma, nem no conteúdo. Achei até que ela tivesse prestado um serviço de duvidosa qualidade à comunidade intelectual moçambicana pela sua carga emotiva e pelo ataque pessoal que ela na essência foi, pelo menos a meu ver. Pareceu-me comprometer o argumento a favor da possibilidade de maior objectividade na abordagem do país. Objectividade, digo bem, não neutralidade que isso ninguém precisa, nem é.
Castel-Branco é um dos mais brilhantes economistas e académicos da nossa praça. O IESE, que ele e outros criaram, e do qual sou membro associado, é actualmente, e provavelmente, o “think tank” mais produtivo, mais comprometido com a produção de conhecimento objectivo, mais tolerante à diversidade de opinião e, se calhar, o herdeiro mais directo do Centro de Estudos Africanos de Aquino de Bragança e Ruth First. Nunca escondi o meu desapontamento pelo facto de jamais ter havido, aparentemente, maior simbiose entre o IESE e o Estado, pois nunca duvidei de que o último teria saído a ganhar muito. Uma parte considerável do mérito do IESE vai para Carlos Nuno Castel-Branco. Ele não é só um académico brilhante. É também um dos mais coerentes, se calhar até mais coerente do que as pessoas que ele critica. Uma parte significativa da força dos seus argumentos vem daí. Pessoalmente, não concordo com os pressupostos ideológicos – marxismo – na base da sua abordagem. Mas confesso que não conheço melhores análises da economia moçambicana – e dos desafios por ela enfrentadas – do que as que Castel-Branco faz. O marxismo continua, apesar de tudo, a ter o melhor diagnóstico da economia capitalista. Os seus remédios é que são um problema.
Há-de haver razões jurídicas legítimas para submeter Carlos Castel-Branco a esse exercício. Não sou suficientemente abalizado em matéria jurídica para tecer qualquer juízo a esse respeito. Politicamente, contudo, o exercício é um desastre autêntico, sobretudo em ano eleitoral. Transmite a ideia duma hostilidade essencial à crítica, o que apesar da opinião que se fez consenso em Moçambique, não me parece caracterizar bem o Presidente da República. Vejo mecanismos estruturais em acção, mecanismos esses que encaixam perfeitamente na cultura que a ideia do “poder da Frelimo” ajudou a alicerçar no nosso País e que, curiosamente, encontraram terreno fértil para se desenvolverem no contexto das vitórias eleitorais retumbantes de Guebuza nas legislativas e nas presidenciais. É bem provável que alguns simpatizantes e “obreiros” de Guebuza tenham interpretado estas vitórias como licença para julgar irrazoável qualquer crítica, ou para esperar reverência de todos em relação ao seu chefe. São pessoas que prejudicam o chefe por gostarem do chefe ou, como me disse uma vez um ex-administrador colonial (de origem cabo verdiana) que foi chefe do gabinete de Guebuza no governo de transição a propósito da operação 24/20 – e que segundo ele não foi da iniciativa de Guebuza (apesar dos mitos populares a esse respeito), mas sim dum jurista já falecido (e também responsável por outros atentados à dignidade humana em Moçambique) – pessoas que querem ser mais Frelimo do que a própria Frelimo.
No fundo, a carta de Castel-Branco é um documento da mudança e ruptura no interior da Frelimo. O tipo de projecto político que ele defende com paixão e de forma admirável, não reúne consensos no interior daquele partido. Pode ser que o actual projecto seja uma traição aos valores dos seus fundadores (algo que duvido, pois mesmo o projecto marxista veio mais tarde), mas a realidade nua e crua é que o projecto defendido por Guebuza é o que está a dar, por mais impenetrável ou incoerente que ele seja aos olhos dos seus críticos. Esta situação é exacerbada por uma cultura partidária – de consenso e disciplina – hostil à diferença de opinião e que foi instalada com recurso a princípios políticos autoritários inspirados no Marxismo. Essa cultura política foi uma verdadeira máquina de produção de “reaccionários” de tal modo que nunca admira a virulência do ataque que vem de quem decidiu subtrair-se à cultura do consenso e da disciplina. A experiência deve ser igual a do fiel que abandona uma seita religiosa, algo que em Moçambique nos tem levado a pensar que seitas como “os 12 Apóstolos” ou os “Velhos Apóstolos” tenham poderes mágicos por causa do comportamento estranho daqueles que delas se desligam.
A PGR é suficientemente sensata para dar o melhor rumo possível a este assunto. E isso significa não encontrar matéria para seja o que for. E deixar o Carlos Nuno Castel-Branco em paz. Mas encorajar os que não concordam com a forma e teor da sua carta a fazer o debate intelectual como, aliás, alguns já fizeram, incluíndo de forma muito convincente aqui mesmo no Facebook o Gabriel Muthisse que (não por ser amigo, mas por ser um Muthisse...) é uma das pessoas mais lúcidas que andam nas lides do poder. Pelo debate de ideias, por um País fundado na diversidade e pelo bom senso solidarizo-me com Carlos Nuno Castel-Branco. Pedi a estrutura do título emprestada a Louis Althusser, o grande marxista francês, que no seu livro “Pour Marx” fez uma grande tentativa de recuperação dum Marx útil aos desafios do tempo. A solidariedade com Castel-Branco não é, para fazer mais um empréstimo, desta feita ao Francisco Noa, aquele fogo fátuo das manifestações de protesto que cada vez mais tomam conta do activismo político moçambicano. É a favor da importância do político na resolução de problemas políticos.
Por Carlos Nuno Castel-Branco
A Procuradoria Geral da República vai ouvir Carlos Nuno Castel-Branco a propósito da sua carta aberta. Esta audição tem um cheiro político que tresanda. Na carta em questão, que se alastrou pelos fóruns sociais e pela imprensa como fogo de floresta, Castel-Branco teceu duras críticas ao Presidente da República e exigiu que ele se demitisse. Não concordei com essa carta, nem na forma, nem no conteúdo. Achei até que ela tivesse prestado um serviço de duvidosa qualidade à comunidade intelectual moçambicana pela sua carga emotiva e pelo ataque pessoal que ela na essência foi, pelo menos a meu ver. Pareceu-me comprometer o argumento a favor da possibilidade de maior objectividade na abordagem do país. Objectividade, digo bem, não neutralidade que isso ninguém precisa, nem é.
Castel-Branco é um dos mais brilhantes economistas e académicos da nossa praça. O IESE, que ele e outros criaram, e do qual sou membro associado, é actualmente, e provavelmente, o “think tank” mais produtivo, mais comprometido com a produção de conhecimento objectivo, mais tolerante à diversidade de opinião e, se calhar, o herdeiro mais directo do Centro de Estudos Africanos de Aquino de Bragança e Ruth First. Nunca escondi o meu desapontamento pelo facto de jamais ter havido, aparentemente, maior simbiose entre o IESE e o Estado, pois nunca duvidei de que o último teria saído a ganhar muito. Uma parte considerável do mérito do IESE vai para Carlos Nuno Castel-Branco. Ele não é só um académico brilhante. É também um dos mais coerentes, se calhar até mais coerente do que as pessoas que ele critica. Uma parte significativa da força dos seus argumentos vem daí. Pessoalmente, não concordo com os pressupostos ideológicos – marxismo – na base da sua abordagem. Mas confesso que não conheço melhores análises da economia moçambicana – e dos desafios por ela enfrentadas – do que as que Castel-Branco faz. O marxismo continua, apesar de tudo, a ter o melhor diagnóstico da economia capitalista. Os seus remédios é que são um problema.
Há-de haver razões jurídicas legítimas para submeter Carlos Castel-Branco a esse exercício. Não sou suficientemente abalizado em matéria jurídica para tecer qualquer juízo a esse respeito. Politicamente, contudo, o exercício é um desastre autêntico, sobretudo em ano eleitoral. Transmite a ideia duma hostilidade essencial à crítica, o que apesar da opinião que se fez consenso em Moçambique, não me parece caracterizar bem o Presidente da República. Vejo mecanismos estruturais em acção, mecanismos esses que encaixam perfeitamente na cultura que a ideia do “poder da Frelimo” ajudou a alicerçar no nosso País e que, curiosamente, encontraram terreno fértil para se desenvolverem no contexto das vitórias eleitorais retumbantes de Guebuza nas legislativas e nas presidenciais. É bem provável que alguns simpatizantes e “obreiros” de Guebuza tenham interpretado estas vitórias como licença para julgar irrazoável qualquer crítica, ou para esperar reverência de todos em relação ao seu chefe. São pessoas que prejudicam o chefe por gostarem do chefe ou, como me disse uma vez um ex-administrador colonial (de origem cabo verdiana) que foi chefe do gabinete de Guebuza no governo de transição a propósito da operação 24/20 – e que segundo ele não foi da iniciativa de Guebuza (apesar dos mitos populares a esse respeito), mas sim dum jurista já falecido (e também responsável por outros atentados à dignidade humana em Moçambique) – pessoas que querem ser mais Frelimo do que a própria Frelimo.
No fundo, a carta de Castel-Branco é um documento da mudança e ruptura no interior da Frelimo. O tipo de projecto político que ele defende com paixão e de forma admirável, não reúne consensos no interior daquele partido. Pode ser que o actual projecto seja uma traição aos valores dos seus fundadores (algo que duvido, pois mesmo o projecto marxista veio mais tarde), mas a realidade nua e crua é que o projecto defendido por Guebuza é o que está a dar, por mais impenetrável ou incoerente que ele seja aos olhos dos seus críticos. Esta situação é exacerbada por uma cultura partidária – de consenso e disciplina – hostil à diferença de opinião e que foi instalada com recurso a princípios políticos autoritários inspirados no Marxismo. Essa cultura política foi uma verdadeira máquina de produção de “reaccionários” de tal modo que nunca admira a virulência do ataque que vem de quem decidiu subtrair-se à cultura do consenso e da disciplina. A experiência deve ser igual a do fiel que abandona uma seita religiosa, algo que em Moçambique nos tem levado a pensar que seitas como “os 12 Apóstolos” ou os “Velhos Apóstolos” tenham poderes mágicos por causa do comportamento estranho daqueles que delas se desligam.
A PGR é suficientemente sensata para dar o melhor rumo possível a este assunto. E isso significa não encontrar matéria para seja o que for. E deixar o Carlos Nuno Castel-Branco em paz. Mas encorajar os que não concordam com a forma e teor da sua carta a fazer o debate intelectual como, aliás, alguns já fizeram, incluíndo de forma muito convincente aqui mesmo no Facebook o Gabriel Muthisse que (não por ser amigo, mas por ser um Muthisse...) é uma das pessoas mais lúcidas que andam nas lides do poder. Pelo debate de ideias, por um País fundado na diversidade e pelo bom senso solidarizo-me com Carlos Nuno Castel-Branco. Pedi a estrutura do título emprestada a Louis Althusser, o grande marxista francês, que no seu livro “Pour Marx” fez uma grande tentativa de recuperação dum Marx útil aos desafios do tempo. A solidariedade com Castel-Branco não é, para fazer mais um empréstimo, desta feita ao Francisco Noa, aquele fogo fátuo das manifestações de protesto que cada vez mais tomam conta do activismo político moçambicano. É a favor da importância do político na resolução de problemas políticos.
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