sexta-feira, 15 de março de 2013

Os Três Contrastes...

Livre Pensador


Houve um pleito eleitoral no Quénia recentemente, antecedido que um campanha eleitoral violenta, que faziam antever o pior. Mas nada aconteceu. A vida continua em Nairobi, como já antes vinha sendo.

Trata-se, sem dúvidas, do melhor que o legado de Mwai Kibaki deixou aos seus compatriotas e desde logo, três excelentes contrastes com a realidade moçambicana:

O primeiro, é qu...e a Comissão Eleitoral queniana é independente, ao ponto de admitir em cima dos acontecimentos que o sistema electrónico de votação estava a fazer das suas e comunicar aos eleitores que todos os votos seriam recontados manualmente dadas circunstâncias. Em Moçambique, muito provavelmente, já haveriam ameaças de retorno à guerra e várias chancelarias nervosas. E quanto à CNE, essa estaria é incomunicável.

O segundo, é o facto dos tribunais serem realmente o árbitro da democracia queniana. Se assim não fosse, estaria hoje Nairobi, mergulhada num imenso caos, maior do que aquilo que já é, com recolher obrigatório e outras medidas duras. A reclamação do sr. Odinga vai ser colocada ao tribunal e como poderemos ver, se algo de mal tiver ocorrido, as eleições serão parcialmente repetidas ou mesmo até anuladas. Qualquer que for a decisão do tribunal, será acatada por todos, como poderemos ver.

O terceiro e último, é a liberdade de expressão para aqueles aquem normalmente os juristas do poder gostam de coartar direitos cívicos e até laborais. Isto é, os chamados "prisioneiros ideológicos do sistema", refiro-me aos polícias, militares e outros para-militarizados. No Quénia, os desmobilizados podem ir para a rua protestar, como cá aliás. Podem-no até fazer em frente ao gabinete do PR ou PM. Só lá podem ir todos. Os militares e polícias, não podem protestar em público. Nem à civil, no entanto os seus protestos podem ser ouvidos em público em frente gabinete do PR ou PM. E como eles fizeram isso? Adaptando as leis para que a democracia ficasse a ganhar com a participação inclusiva de todo cidadão queniano, independentemente da sua condição profissional do momento. Criou-se a figura do "manifestante profissional", porta-voz, de todos os que não podem falar em público. Inspirou-se até na tradição local, que sempre teve em cada comunidade, um porta-voz. Mas foi Kibaki quem criou as condições para que ela fosse recuperada pelos quenianos.

Assim, o "manifestante profissional" dirige-se com o seu megafone e por duas horas estaciona em frente ao gabinete do PR ou PM e descarrega tudo que lhe pediram para dizer. A policia, apenas observa sem intervir ou açoitar por palavras indecorosas às estruturas. O "manifestante profissional" é remunerado por quem solicita os seus serviços...

Quando me deu de caras com um desses homens aos berros em frente ao ministério das finanças em Nairobi, a exigir aumento salarial para polícias e militares, numa zona onde é expressamente proibido tirar fotos, perguntei aos donos da terra se não receavam pela vida daquele homem...

Responderam-me: Free speech, um dos pilares da nossa democracia! E eu fiquei a imaginar como seria a democracia em Moçambique se, à semelhança do Quénia, tivéssemos que lidar com uns tipos chamados Al-Shabaab.

Este depoimento, dedico-o em particular aos prof. Elisio MacamoErnst Habermas Rildo Rafael António Francisco Antonio A. S. KawariaEric Morier-Genoud e Joao Cabrita
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  • Antonio A. S. Kawaria Parece que Quénia e os quenianos aprenderam muito do que aconteceu há cinco anos. Também há outros factores que devem ter contribuido bastante para ter Tribunais e CNE independenntes. Um dos factores é alternância governativa que Quénia já vive. Isso implica que não estão lá pessoas do mesmo partido ou que fingindo que fazem parte do partido X, fazem coisas somente para agradar esse partido e não com o objectivo de construicão e fortalecimento de um Estado de Direito Democrático...
    Está me impressionar a maneira como os quenianos estão agora a resolver os seus problemas eleitorais. Ainda bem que isso esteja a acontecer em África.
  • António Francisco Livre Pensador, obrigado pela dedicatória. Bem interessantes, esses pontos sobre o Quénia; sobretudo nesta altura, em que se debate publicamente a nossa Constituição. Já tive esperança que a Frelimo, e em particular Guebuza, quisessem dar o passo histórico para a 3ª República. Agora, resigno-me e admito que as mudanças constitucionais previsíveis sejam pífias. Se assim for, não nos admiremos que o “direito do estado”, em vez do “Estado de Direito” saia reforçado. Para além dos aspectos que menciona, em contraste com o exemplo do Quénia, Moçambique sofre de um mal muito mais elementar. Continua com 2/3 da população impedida de desfrutar do direito de escolha dos seus dirigentes locais. Esta abstenção forçada gera cidadãos de 1ª e de 2ª classe. Em nome de um alegado gradualismo, prolonga-se uma intolerância e um monopólio político imensamente prejudiciais para a criação de um ambiente de concorrência política tolerante, saudável e inclusivo. Como questionei num breve artigo de 2008 (http://www.iese.ac.mz/lib/publication/outras/ideias/Ideias_6.pdf) se a expansão das autarquias seguir o ritmo observado, até aqui, será que iremos ter de esperar mais de 100 anos para se completar a municipalização e acabar com a exclusão política da maioria da população? Coitada da democratização! Pobre Moçambique… não só pelo seu pibinho, mas pelo excesso de “direito de estado” e carência de “Estado de Direito”.
  • Ernst Habermas prezado Livre Pensador, mais uma vez (fiquei contente por me ter chamado ao debate Devo lamentar de que não conheço muito bem a história do Quénia. Naturalmente tenho estado a (coincidentemente se passam cerca de 6 anos) acompanhar o evoluir do processo democrático e político de Quénia. Pena é o facto de paradoxalmente, eu conhecer muito pouco a história do Quénia, como conheço por exemplo a de Moçambique. Penso que só este elemento, me priva de fazer determinadas comparações em relação aos nossos sistemas políticos e democráticos. Sem dúvida, a analisar pelo seu texto (e pelo que tenho estado a acompanhar), o Quénia está de parabéns, e me parece que já está com alguns passos democráticos em frente. Todavia, eu penso que a nossa situação (aliás, procurei defender isto num artigo que escrevi em co-autoria com Severino Ngoenha) liga-se fortemente a nossa história nas suas duas dimensões: de um lado KAIPOS, associada a tentativa de construirmo-nos como nação, dando sentido a nossa condição de um povo unido do Rovuma ao Maputo e do Indico ao Zumbo (com todas as consequências que isto comporta); e de outro, KPOVOS, onde então podemos tirar dela ilações problemáticas ou negativas. Porém, S. Ngoenha pensa que em vez de pensarmos a história só em termos KAIPOS ou KPOVOS, deveríamos sim, pensar a história mais em termos de FUTURO, o único espaço susceptível as nossas escolhas (em termos de liberdade). Penso ter conseguido apresentar o meu entendimento sobre este assunto... Grande abraço.
 

 

1 comentário:

Anónimo disse...

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