Por: Dr. Michel Cahen, historiador do Instituto de Estudos Políticos, Bordéus (França)
O MPLA e a Frelimo foram movimentos de libertação anticoloniais, com certa influência estalinista (quer soviética, quer maoista), mas nunca se tornaram partidos comunistas.
É nítido em Moçambique a partir de 1987 (Plano de Reabilitação Económico e Social) e até mais cedo em Angola, com a “dolarização” da economia, viraram para o capitalismo antes mesmo de virar para o pluralismo político. Hoje em dia, as políticas deles têm muito mais a ver com o capitalismo selvagem que com o “comunismo”.
Encarar, como o faz David Mendes, a luta contra o MPLA e a Frelimo como sendo uma luta contra o comunismo é muito simplesmente enganar-se no inimigo a combater. Porque lutando contra um fantasmagórico “comunismo”, afinal ele protege quem é o verdadeiro inimigo do hoje, isto é o capitalismo selvagem na periferia do sistema-mundo capitalista.
Numa edição recente do Canal de Moçambique, um líder do Partido Popular de Angola, David Mendes, afirma várias vezes em entrevista que o MPLA e a Frelimo são “comunistas”, “ditaduras comunistas”, “partidos comunistas”, etc. Como historiador, gostaria de reagir a esta posição.
O que David Mendes tem vindo a afirmar, não faz nenhum sentido, nem hoje nem historicamente.
Comecemos pela história.
No fim da época colonial, houve raríssimos comunistas dentro do MPLA, e nem sei se houve um só na Frelimo (havia pouquíssimos comunistas, todos brancos, em Moçambique, mas nem um na direção da Frelimo).
O grande pensador angolano Viriato da Cruz pode ser qualificado de comunista, porque era marxista convicto, fundador de um microscópico partido comunista angolano em 1953, grande conhecedor das obras de Marx, Engels, Lenine e mesmo um pouco de Trotsky. O que poderá parecer paradoxal para certos leitores e para David Mendes, é que Viriato da Cruz foi certamente o pensador angolano que mais estudou as questões democráticas na sociedade angolana. Mas para além dele, a leitura aprofundada e conhecimento do marxismo dentro do MPLA era uma coisa rara.
Outros, pouquíssimos, tinham um conhecimento do marxismo, mas sem partilhar tão profundamente essa ideologia (como Mário de Andrade). É bom lembrar que um Amílcar Cabral, do partido irmão PAIGC, sempre explicou abertamente que não era marxista.
É nítido em Moçambique a partir de 1987 (Plano de Reabilitação Económico e Social) e até mais cedo em Angola, com a “dolarização” da economia, viraram para o capitalismo antes mesmo de virar para o pluralismo político. Hoje em dia, as políticas deles têm muito mais a ver com o capitalismo selvagem que com o “comunismo”.
Encarar, como o faz David Mendes, a luta contra o MPLA e a Frelimo como sendo uma luta contra o comunismo é muito simplesmente enganar-se no inimigo a combater. Porque lutando contra um fantasmagórico “comunismo”, afinal ele protege quem é o verdadeiro inimigo do hoje, isto é o capitalismo selvagem na periferia do sistema-mundo capitalista.
Numa edição recente do Canal de Moçambique, um líder do Partido Popular de Angola, David Mendes, afirma várias vezes em entrevista que o MPLA e a Frelimo são “comunistas”, “ditaduras comunistas”, “partidos comunistas”, etc. Como historiador, gostaria de reagir a esta posição.
O que David Mendes tem vindo a afirmar, não faz nenhum sentido, nem hoje nem historicamente.
Comecemos pela história.
No fim da época colonial, houve raríssimos comunistas dentro do MPLA, e nem sei se houve um só na Frelimo (havia pouquíssimos comunistas, todos brancos, em Moçambique, mas nem um na direção da Frelimo).
O grande pensador angolano Viriato da Cruz pode ser qualificado de comunista, porque era marxista convicto, fundador de um microscópico partido comunista angolano em 1953, grande conhecedor das obras de Marx, Engels, Lenine e mesmo um pouco de Trotsky. O que poderá parecer paradoxal para certos leitores e para David Mendes, é que Viriato da Cruz foi certamente o pensador angolano que mais estudou as questões democráticas na sociedade angolana. Mas para além dele, a leitura aprofundada e conhecimento do marxismo dentro do MPLA era uma coisa rara.
Outros, pouquíssimos, tinham um conhecimento do marxismo, mas sem partilhar tão profundamente essa ideologia (como Mário de Andrade). É bom lembrar que um Amílcar Cabral, do partido irmão PAIGC, sempre explicou abertamente que não era marxista.
Dentro da Frelimo, isso era ainda mais nítido! Lembro sempre quando Samora Machel, questionado por um jornalista que lhe perguntava: “Senhor Presidente, quando é que leu Marx e Lenine pela primeira vez?”, a resposta dele: “Nunca li Marx e Lenine pela primeira vez”. Isto queria dizer duas coisas: primeiro, a aprendizagem política de Machel não tinha sido feita principalmente nos livros, mas combatendo; segundo, é muito provável que o número de obras de Marx, Engels, Lenine (para não falar de Luxemburgo, Trotsky, Gramsci, etc.) que Machel leu deve ter sido muito reduzido. O marxismo que ele sabia era o dos textos resumidos (“textos de apoio”) que se difundiam na escolas de formação rápida na Argélia sob orientação ideológica directa ou indirecta da União Soviética, isto é, um marxismo de nome, apenas o nome, porque “reinterpretado” pela vulgata estalinista.
Os leitores mais uma vez poder- se-ão admirar se soubessem que em toda a obra de Marx, nem há sequer uma única palavra em prol do partido único (mesmo o conceito de ditadura do proletariado não significa isso, uma vez que, para Marx, uma ditadura pode incluir o pluralismo político se os interesses da classe no poder fossem intocáveis); poder-se-ão admirar também se soubessem que o conceito de “marxismo-leninismo” não vem de Lenine, mas de Estaline, isto é, do homem que destruiu por completo o regime bolchevista, etc.
Um Marcelino dos Santos (Frelimo) nos anos 60 tinha mais conhecimentos através da leitura e pode provavelmente ser considerado, de uma maneira geral, como tendo sido “pró-soviético”, mas isto não é em nada sinónimo de “comunista”. Alias, é sabido que o Marcelino dos Santos foi um dos principais instigadores da corrente que impediu que o Partido Comunista Português entrasse na coligação que se formara então, a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP).
Em determinados períodos, houve muitos líderes do Terceiro Mundo que eram “pró-soviéticos”, o que não quer dizer, em nada, que eram comunistas.
O MPLA e a Frelimo foram movimentos de libertação anticoloniais, com certa influência estalinista (quer soviética, quer maoista), mas nunca tornaram-se partidos comunistas. Aliás, é por isso que puderam depois abandonar sem dificuldade o marxismo no final da década de 80: pode-se imaginar o Partido Comunista Cubano (PCC) a abandonar oficialmente o marxismo sem conhecer uma grave crise interna? No caso do PCC, o marxismo é fundador, identitário e estruturante. Mas no caso do MPLA e da Frelimo, este abandono passou sem um vislumbre de protesto interno. Nem um Sérgio Vieira protestou! Para o MPLA e a Frelimo, um certo discurso “marxista-leninista” era uma ferramenta contextual para exprimir o nacionalismo deles de criar rapidamente uma nação nova e um homem novo opostos às etnicidades africanas, mas nunca se tornaram comunistas.
As políticas do MPLA e da Frelimo nunca foram “comunistas”, mesmo no período radical, mas sim, foram regimes de partido único e de modernização autoritária.
Foram ditaduras, sem dúvida, como houve muitas ditaduras no Terceiro Mundo, que podiam ter boas relações com a União Soviética porque era do interesse delas ter essas boas relações, para melhor construir uma relação de força para com a ex-metrópole colonial e o ocidente em geral.
Mas esses regimes muito cedo voltaram para uma política capitalista e neopatrimonial. É nítido em Moçambique a partir de 1987 (Plano de Reabilitação Económico e Social) e até mais cedo em Angola, com a “dolarização” da economia. Viraram para o capitalismo antes mesmo de virar para o pluralismo político.
Hoje em dia, as políticas deles têm muito mais a ver com o capitalismo selvagem do que com o “comunismo”. Mesmo um certo vocabulário guebuziano de retomar slogans da era Machel (“A luta continua!”, etc.) não muda a natureza política do poder, a de um poder hegemónico do capitalismo periférico.
Era bom abandonar de vez a equação “partido único = comunismo”.
Foi Mobutu SeseSeko (ex-Zaire) comunista? Foi o Idi Amin Dada (Uganda) comunista, somente por que tinha alguma ajuda cubana nos seus serviços secretos? É o actual ditador da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema, um “comunista”?
Qualificar o MPLA hoje de “comunista”, quando uma elite briquíssima, apoiada por todo o mundo capitalista, mantém um poder ultra-hegemónico e cada vez mais violento contra a oposição civil, para apoderar-se a título privativo das riquezas do país, é simplesmente surrealista.
Será “comunista” a Frelimo quando abre as portas às maiores companhias capitalistas para a exploração do carvão, do gás, e constrói hotéis de luxo no Norte do país para atrair apenas um turismo de luxo? Se isso for “comunismo”, então já não percebo o que é o capitalismo.
Mas há ainda uma consequência mais grave nesta confusão: se afinal as ditaduras são sempre “comunistas”, isto é de esquerda, isto exonera a direita das ditaduras que tem. Uma vez que não se pode dizer que Pinochet (o ditador do Chile que derrubou o presidente eleito Salvador Allende em 1973) era um “comunista”, será que o regime dele não foi uma ditadura? A história demonstra que as ditaduras podem ser “comunistas” (não no sentido de Marx, mas de Estaline), mas podem também ser fascistas, integristas, populistas, etc.. Depois do fim do partido único, um poder pode muito bem continuar ultra-hegemónico, com quase-fusão do Partido e do Estado, mas isso não faz dele um regime comunista.
Pode muito bem ser um regime de capitalismo selvagem apoiado pelos Estados Unidos da América e pela União Europeia.
Encarar, como o faz David Mendes, a luta contra o MPLA e a Frelimo como sendo uma luta contra o comunismo é muito simplesmente enganar-se no inimigo a combater. Porque lutando contra um fantasmagórico “comunismo”, afinal ele protege quem é o verdadeiro inimigo do hoje, isto é o capitalismo selvagem na periferia do sistema-mundo capitalista.
(Michel Cahen, historiador do Instituto de Estudos Políticos, Bordéus (França), exclusivo Canal de Moçambique – 18.07.2012)
Os leitores mais uma vez poder- se-ão admirar se soubessem que em toda a obra de Marx, nem há sequer uma única palavra em prol do partido único (mesmo o conceito de ditadura do proletariado não significa isso, uma vez que, para Marx, uma ditadura pode incluir o pluralismo político se os interesses da classe no poder fossem intocáveis); poder-se-ão admirar também se soubessem que o conceito de “marxismo-leninismo” não vem de Lenine, mas de Estaline, isto é, do homem que destruiu por completo o regime bolchevista, etc.
Um Marcelino dos Santos (Frelimo) nos anos 60 tinha mais conhecimentos através da leitura e pode provavelmente ser considerado, de uma maneira geral, como tendo sido “pró-soviético”, mas isto não é em nada sinónimo de “comunista”. Alias, é sabido que o Marcelino dos Santos foi um dos principais instigadores da corrente que impediu que o Partido Comunista Português entrasse na coligação que se formara então, a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP).
Em determinados períodos, houve muitos líderes do Terceiro Mundo que eram “pró-soviéticos”, o que não quer dizer, em nada, que eram comunistas.
O MPLA e a Frelimo foram movimentos de libertação anticoloniais, com certa influência estalinista (quer soviética, quer maoista), mas nunca tornaram-se partidos comunistas. Aliás, é por isso que puderam depois abandonar sem dificuldade o marxismo no final da década de 80: pode-se imaginar o Partido Comunista Cubano (PCC) a abandonar oficialmente o marxismo sem conhecer uma grave crise interna? No caso do PCC, o marxismo é fundador, identitário e estruturante. Mas no caso do MPLA e da Frelimo, este abandono passou sem um vislumbre de protesto interno. Nem um Sérgio Vieira protestou! Para o MPLA e a Frelimo, um certo discurso “marxista-leninista” era uma ferramenta contextual para exprimir o nacionalismo deles de criar rapidamente uma nação nova e um homem novo opostos às etnicidades africanas, mas nunca se tornaram comunistas.
As políticas do MPLA e da Frelimo nunca foram “comunistas”, mesmo no período radical, mas sim, foram regimes de partido único e de modernização autoritária.
Foram ditaduras, sem dúvida, como houve muitas ditaduras no Terceiro Mundo, que podiam ter boas relações com a União Soviética porque era do interesse delas ter essas boas relações, para melhor construir uma relação de força para com a ex-metrópole colonial e o ocidente em geral.
Mas esses regimes muito cedo voltaram para uma política capitalista e neopatrimonial. É nítido em Moçambique a partir de 1987 (Plano de Reabilitação Económico e Social) e até mais cedo em Angola, com a “dolarização” da economia. Viraram para o capitalismo antes mesmo de virar para o pluralismo político.
Hoje em dia, as políticas deles têm muito mais a ver com o capitalismo selvagem do que com o “comunismo”. Mesmo um certo vocabulário guebuziano de retomar slogans da era Machel (“A luta continua!”, etc.) não muda a natureza política do poder, a de um poder hegemónico do capitalismo periférico.
Era bom abandonar de vez a equação “partido único = comunismo”.
Foi Mobutu SeseSeko (ex-Zaire) comunista? Foi o Idi Amin Dada (Uganda) comunista, somente por que tinha alguma ajuda cubana nos seus serviços secretos? É o actual ditador da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema, um “comunista”?
Qualificar o MPLA hoje de “comunista”, quando uma elite briquíssima, apoiada por todo o mundo capitalista, mantém um poder ultra-hegemónico e cada vez mais violento contra a oposição civil, para apoderar-se a título privativo das riquezas do país, é simplesmente surrealista.
Será “comunista” a Frelimo quando abre as portas às maiores companhias capitalistas para a exploração do carvão, do gás, e constrói hotéis de luxo no Norte do país para atrair apenas um turismo de luxo? Se isso for “comunismo”, então já não percebo o que é o capitalismo.
Mas há ainda uma consequência mais grave nesta confusão: se afinal as ditaduras são sempre “comunistas”, isto é de esquerda, isto exonera a direita das ditaduras que tem. Uma vez que não se pode dizer que Pinochet (o ditador do Chile que derrubou o presidente eleito Salvador Allende em 1973) era um “comunista”, será que o regime dele não foi uma ditadura? A história demonstra que as ditaduras podem ser “comunistas” (não no sentido de Marx, mas de Estaline), mas podem também ser fascistas, integristas, populistas, etc.. Depois do fim do partido único, um poder pode muito bem continuar ultra-hegemónico, com quase-fusão do Partido e do Estado, mas isso não faz dele um regime comunista.
Pode muito bem ser um regime de capitalismo selvagem apoiado pelos Estados Unidos da América e pela União Europeia.
Encarar, como o faz David Mendes, a luta contra o MPLA e a Frelimo como sendo uma luta contra o comunismo é muito simplesmente enganar-se no inimigo a combater. Porque lutando contra um fantasmagórico “comunismo”, afinal ele protege quem é o verdadeiro inimigo do hoje, isto é o capitalismo selvagem na periferia do sistema-mundo capitalista.
(Michel Cahen, historiador do Instituto de Estudos Políticos, Bordéus (França), exclusivo Canal de Moçambique – 18.07.2012)
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