Ainda se podem compreender os arrobos saudosistas de alguns militares de Abril que convivem mal com o esquecimento público e com as escolhas democráticas de governação que não são do seu agrado. Mas um ex-Presidente da República (…)”
José António Lima, in “Sol”, 27-04-2012
Dado ter sido um acontecimento inédito o sucedido nas comemorações do 25 de Abril de 2012, passo a apresentar o que foi comentado pelos mais variados analistas na Imprensa escrita.
Vasco Pulido Valente sintetiza na sua coluna habitual do “Público”, de fim de semana (27-04-2012) o que sucedera dois dias antes, com um texto intitulado “Legitimidades”:
“Os factos são simples. Primeiro, a Associação 25 de Abril anunciou que não participava nas celebrações da revolução que a Assembleia da República, como lhe compete, costuma organizar. Segundo, o dr. Mário Soares resolveu apoiar a Associação 25 de Abril e disse que também não ia. E terceiro, Manuel Alegre, não se percebe porquê, declarou que se tencionava juntar a este estranho grupo de rebeldes.
“(…) Mas ninguém perguntou o que valia politicamente a Associação 25 de Abril e a quem podia impressionar a sua melodramática ausência na sessão de São Bento. Como ninguém se inquietou com a relevância de Manuel Alegre, hoje nula e um pouco patética. E o dr. Soares com certeza não pensou duas vezes por que raio se ia meter naquela galera.
“A Associação 25 de Abril junta velhos militares que há quarenta anos fizeram um golpe de Estado. Por muito que esse golpe de Estado tenha sido benéfico – e sem dúvida que foi – isso não lhes trouxe qualquer legitimidade democrática. Alguns julgaram que sim e, em nome dela, fizeram ou colaboraram no PREC, que a maioria do país radicalmente condenou.
“(…) Mas nem ele (Manuel Alegre) nem o antigo capitão Vasco Lourenço, apesar desta luminosa evidência, se acharam coibidos de participar numa espécie de contramanifestação, descendo a Av. da Liberdade à chuva com Louçã e uma patrulha do PC, para pedir entusiasticamente ao país que perdesse o medo. Resta saber a quê? A um novo PREC, que reponha as coisas como eram em 1975? A um episódio de agitação à maneira grega, com alguns tiros, bombas, mortos feridos, brutalidade avulsa e, no fim, uma dívida maior? Que espécie de acto revolucionário nos propõem essas luminárias? (…)”
Passemos a uma jornalista, Manuela Moura Guedes, que em tempos tinha um programa na TVI precisamente com o já referido professor Vasco Pulido Valente e que, inopinadamente foi “proibido” de continuar pela administração desta estação televisiva. Com o título “Mário Soares”, no “Correio da Manhã” do mesmo dia (27-04-2012) escrevia:
“Mário Soares, com a idade que tem, pode faltar às comemorações que quiser, que ninguém leva a mal. Já não pode é querer que isso seja um sinal de que o Regime esteja em perigo e com ele a própria Democracia. É perigoso, irresponsável e um autêntico disparate. Os portugueses já fazem suficiente confusão sobre o que é resultado da crise económica e das opções de um Governo que se apresentou claramente liberal ao eleitorado para que se queira confundi-los ainda mais, rotulando-o de «ciclo político que está contra o 25 de Abril, os seus ideais e os seus valores». Foi a este tipo de barbaridades da Associação dos capitães que Mário Soares se colou. Não é sério misturar valores da Democracia, como a Liberdade (de opinião e, de voto, de associação, de protesto…), pelas quais lutou e que há hoje, com a situação económica do País. E Mário Soares não está isento de culpas nestas quatro décadas. (…)”
E depois de apresentar dois “encontros” que teve com este pai dos socialistas – em 1984, aquando do acordo com o FMI e em 1996 aquando da amnistia às Forças Populares 25 de Abril, por ele recomendada e em que ela estava do lado das 18 vítimas mortais dos crimes terroristas -, termina da seguinte maneira:
“(…) O terceiro momento tem a ver com a governação Sócrates, elogiada e apoiada por Soares, apesar dos erros, dos atropelos, do desrespeito total por direitos fundamentais numa Democracia. Tive muita pena quando, em casa por razões políticas, em pleno caso TVI/PT, ouvi Mário Soares dizer que havia «total liberdade de imprensa». Não havia, e talvez ainda demore a haver, porque Portugal tem de aprender o que é importante em Democracia. Mário Soares sabe-o bem. Mas não é com atitudes destas que se vai lá!”
As posições de jornais diários ditos de referência
Quando a notícia da Associação foi difundida no dia 23, logo disse para alguns amigos: “Estes tipos meteram-se numa allhada e esta atitude vai sair um «tiro no pé», ou como dizem os militares «vai sair-lhes o tiro pela culatra»”. De facto a cerimónia decorreu com a maior normalidade, sem que qualquer partido político tenha faltado à chamada. E a tomada de posição dos directores dos dois diários alfacinhas ditos de referência elucidam os seus leitores no devido sentido.
No “Público” de 24-4-2012, Bárbara Reis, habitualmente com posições mais esquerdistas (como nas questões sociais ditas fracturantes) que o anterior director José Manuel Fernandes, afirma:
“(…) Mas ao recusarem participar nas cerimónias do 25 de Abril, os militares e, por solidariedade, Mário Soares, não estão apenas a pôr em causa as políticas de Passos ou as suas orientações doutrinárias; os militares da Associação 25 de Abril (assim está melhor, pois os militares estiveram lá, representados pelos seus Chefes) estão a sugerir que o regime já não se baseia na democracia, a herança maior de Abril. Pode haver neste particular diferentes latitudes de interpretação, mas se estivermos a falar de democracia liberal de perfil ocidental, não há razão para se afirmar que esse regime está morto. Se houve conquistas de Abril que hoje, mais do que nunca, temos que celebrar é a existência de eleições livres, um Estado de Direito e a liberdade de expressão. Nenhum destes princípios está em crise e o actual Governo foi eleito democraticamente há menos de um ano. (…)”
João Marcelino, director do “Diário de Notícias”, periódico onde foi encontrar um grande lote de jornalistas pensantes de acordo com o PS (agora não sei como está) e que ainda diz “que a Associação 25 de Abril é representativa dos militares que planearam e fizeram o golpe”, quando não é verdade, afirmou na edição de 28-04-2012:
“(…) A única novidade foi que a Associação representativa dos militares que planearam o golpe que materializou a vontade das pessoas (sem a qual nenhum golpe triunfa) decidiu, pela primeira vez, não estar presente e fazer críticas genéricas ao estado do Estado. (…)
“A Associação dos capitães, infelizmente, só percebe uma parte da História. E nem demonstra perceber que, assumindo uma visão platónica e narcisista dos acontecimentos reconhece, antes de tempo, que já faz parte dela.
“Felizmente, o 25 de Abril, como se viu na Assembleia da República, continuará a ser uma data nacional. Sem donos. Nem sequer aqueles que os cidadãos, através do voto, ciclicamente escolhem para os representar.”
Mais dois comentadores de serviço …
Verifiquemos agora o que afirmou o jornalista José Manuel Fernandes, ex-director do “Público”, sobre o mesmo assunto, em 27-04-2012:
(…) O que significa interrogarmo-nos sobre se é necessário um novo 25 de Abril? Significa o mesmo que perguntarmos se é preciso um novo Salazar. Por trás de ambas as interrogações está a mesma pulsão antidemocrática, a mesma recusa dos naturais defeitos dos regimes democráticos e o mesmo desejo de impor uma determinada via política sem respeitar as escolhas dos portugueses.
É por isso que foi realmente triste ver a forma como Mário Soares se comportou neste 25 de Abril. Ele não é apenas um político como tantos outros: ele é um antigo Presidente da República, a quem o Estado democrático reconhece esse estatuto e os direitos correspondentes, e que por isso tem o dever de respeitar as instituições e, sobretudo, de honrar a casa da democracia, que é a Assembleia da República. Ele que tanto se bateu para fazer vingar a legitimidade democrática contra a legitimidade revolucionária não deve - não pode - aparecer a defender uma alegada legitimidade de "Abril" para deslegitimar quem exerce o mandato democrático. Fazê-lo é uma prova de fraqueza, não de força, na argumentação política. E deixa-o exposto à ideia de que se toma por dono do regime.
É por isso que foi realmente triste ver a forma como Mário Soares se comportou neste 25 de Abril. Ele não é apenas um político como tantos outros: ele é um antigo Presidente da República, a quem o Estado democrático reconhece esse estatuto e os direitos correspondentes, e que por isso tem o dever de respeitar as instituições e, sobretudo, de honrar a casa da democracia, que é a Assembleia da República. Ele que tanto se bateu para fazer vingar a legitimidade democrática contra a legitimidade revolucionária não deve - não pode - aparecer a defender uma alegada legitimidade de "Abril" para deslegitimar quem exerce o mandato democrático. Fazê-lo é uma prova de fraqueza, não de força, na argumentação política. E deixa-o exposto à ideia de que se toma por dono do regime.
E sintetizando o que escreveu José Pacheco Pereira, no seu blog, no dia seguinte, transcreve-se:
(…) e tudo o resto já não dependeu apenas da liberdade, que passou a haver, mas de outros anjos e demónios demasiado humanos. Mas este medo acabou de vez. É também por isso que me inspira repulsa, repulsa mesmo, a transformação do 25 de Abril no “25 de Abril” programático e ideológico, corporativo até dizer chega para certos militares e de que, há muito, uma certa esquerda vive e que agora dá origem a esse gesto absurdo de faltar às cerimónias onde iam sempre, verdade seja dita, comportando-se sempre como “donos” da coisa. Talvez Mário Soares, que levou Passos Coelho nas palminhas e agora considera-o suficiente demónio para fazer aquilo que aliás já fez de outra vez (contra Cavaco), se lembre que, ano após ano, este mesmo “25 de Abril” era feito contra ele, porque também ele tinha “traído os ideais da revolução”.
Será interessante apresentar o que afirmou Mário Soares num texto publicado igualmente no “Público” (25-04-20129), onde mais uma vez faz afirmações demagógicas, num seu breve “Breve Testemunho” sobre o 25 de Abril:
“(…) Ditador (Salazar) que aliás não aprendeu nada com os ensinamentos da II Guerra Mundial e com o triunfo das Democracias e dos Estados de Direito que se lhes seguiram.
“Lançou-se então numa aventura colonial «contra os ventos da história», desde 1961, que nos conduziu à perda do chamado estado Português da Índia e a treze anos de guerras coloniais que destruíram milhares de vidas, de africanos e portugueses generosos, que foram, infelizmente, em absoluto, inúteis.
“O 25 de Abril, feito exclusivamente por militares, cansados de uma guerra que se arrastou sem sentido – e na ignorância das grandes potências – trouxe-nos a paz e a liberdade, bens inestimáveis e influenciou não só a transição democrática na Grécia e na Espanha, como em vários outros países da Ibero-América e de outros continentes. (…)
Recordo que em 1961, Portugal não se lançou numa “aventura colonial”, mas avançou com tropas para Angola para responder aos massacres perpetrados pela UPA, a partir do Congo, com o apoio dos seus amigos americanos (EUA), de que resultou a morte, em três dias, de 7.200 pessoas, 1.200 brancos e 6.000 negros das plantações e povoações do Norte de Angola. Foram feitos assassínios em massa, com muitas mutilações de cadáveres, após a violação de mulheres e crianças.
Foi o “Para Angola e em força” para a defesa das populações brancas e negras.
Um editorial bem elaborado no “Sol”
José António Lima, no seu habitual espaço “Dito e Feito”, igualmente na edição de 27-04-2012, apresenta de maneira clara e frontal um comentário ao sucedido nas comemorações oficiais do 25 de Abril. Transcreve-se na íntegra (repare-se na expressão “Vasco Lourenço e a sua Associação”, seis vezes repetida…) :
“O coronel Vasco Lourenço e a sua Associação 25 de Abril descobriram agora que «o poder político que actualmente governa Portugal», eleito democraticamente em Junho e composto por uma coligação entre o PSD e o CDS, «está contra o 25 de Abril, os seus ideais e os seus valores». E daí decidiram não marcar presença, pela primeira vez nos últimos 30 anos, nas comemorações oficiais do 25 de Abril.
“Vasco Lourenço e a sua Associação estão no pleníssimo direito de só participarem nos actos comemorativos que bem entendam que bem entendam e com os quais se identifiquem politicamente – populares, unitários, sindicais, da esquerda radical ou menos radical, como queiram. O que Vasco Lourenço e a sua Associação não têm é o direito de confundir e deturpar três outras questões elementares – como fizeram com o seu manifesto.
“Primeiro. Os valores e os ideais de que o 25 de Abril, e os militares que o levaram a cabo, trouxeram aos portugueses resumem-se em duas palavras: liberdade e democracia. Valores que ao longo destes 38 anos, se fortaleceram e tornaram inquestionáveis na vida do país. Por isso nenhum Governo escolhido democraticamente e em plena liberdade – seja este do PSD/CDS, ou seja o da maioria absoluta de Sócrates, os de Cavaco ou do Bloco Central – está contra o 25 de Abril. É, sim, a expressão da liberdade e diversidade de escolhas permitidas pelo 25 de Abril. Não gostam? Ainda não se habituaram? Já era tempo.
“Segundo. Vasco Lourenço e a sua Associação não têm autoridade, política nem moral, para acusar, como fazem, os actuais «dirigentes políticos para quem a ética é uma palavra vã» de aceitarem a prepotência dos poderes externos «sem protestos e com a auto-satisfação dos subservientes». É uma linguagem de carroceiro, que está ao nível da mais baixa política partidária.
“Terceiro. Por muito indignada que esteja, como quase todos em Portugal, com o corte de algumas benesses corporativas e direitos adquiridos, a Associação de Vasco Lourenço não pode lançar para o ar ameaças golpistas da «instituição militar, recurso derradeiro nas encruzilhadas da História do nosso Portugal». Não há muito tempo, Otelo Saraiva de Carvalho já havia feito declarações infelizes no mesmo registo. Deve ser a nostalgia do passado à mistura com algum gene golpista mais ou menos incurável…
“Vasco Lourenço e a sua Associação 25 de Abril convivem mal com a alternância política no Governo do país? Problema deles. Mas poupem-nos esta retórica abrilista antidemocrática e deslocada no tempo.”
Esta patética jornada de alguns capitães de Abril faz-nos lembrar a vergonha do sucedido no PREC (processo revolucionário em curso), com todas as diatribes e ofensas aos mais elementares direitos do Homem. Desde os saneamentos e expulsão de oficiais das Forças Armadas, sem serem ouvidos dos motivos, às torturas e sevícias em prisões feitas de forma indiscriminada, ocupações de casas e terras, espalhando o medo e o terror na sociedade portuguesa, tudo isso ocorreu desde o 28 de Setembro de 1974 até ao contragolpe de 25 de Novembro de 1975. Assim, a Liberdade e a Democracia apenas foram de facto adoptadas em Portugal, com o 25 de Novembro e o Estado de Direito implantado com as alterações á Constituição da República em 1982.
Também eu lamento a atitude tomada pela Associação 25 de Abril e os comentários por ela produzidos. Espanta-me que um militar de Abril e de Novembro, como o General Garcia dos Santos ainda se mantenha como Presidente da Assembleia Geral desta Associação, e ao mesmo tempo faça declarações frontais como as publicadas há dias na Imprensa. Este o extracto parcial da notícia:
“(…) Garcia dos Santos - ex-presidente da JAE- diz hoje (24-4-2012) no “Jornal de Notícias”, que sugeriu a João Cravinho a demissão de onze pessoas, mas o então ministro considerava complicado.
“Garcia dos Santos hoje explica: «o problema é que era através de uma das pessoas que eu queria pôr na rua que passava o dinheiro para o PS».
“Garcia dos Santos hoje explica: «o problema é que era através de uma das pessoas que eu queria pôr na rua que passava o dinheiro para o PS».
Lembro ainda que esta data de 25 de Novembro de 1975 foi remetida para as brumas do esquecimento, na altura da presidência da República do Dr. Mário Soares. E terá sido por essa altura - ocupação das Bases Aéreas pelos para-quedistas revoltosos - que Mário Soares decidiu escapar-se para o Porto, para fugir à possível acção da então designada “comuna de Lisboa”. Parece que então não teve a coragem política que patenteou ao longo do PREC, no combate ao Partido Comunista e seus filhotes…
Termino com a reprodução de uma sextilha do Coronel José Caniné (2000), dedicada ao General Jaime Neves:
De boca cheia de Abril
Andam sempre os mesmos mil
Erguendo alto a sua voz;
Mas aos mais jovens eu lembro,
Que se não fosse o Novembro,
Ai do Abril … e ai de nós!
Manuel Bernardo – Coronel reformado.
Abril de 2012
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