Monday, March 8, 2021

DÍVIDAS OCULTAS CENTRO DE INTEGRIDADE PÚBLICA

 DÍVIDAS OCULTAS CENTRO DE INTEGRIDADE PÚBLICA Anticorrupção - Transparência - Integridade Edição nrº 4 | Março | Distribuição gratuita Por: Borges Nhamirre * Em caso de dúvidas, sugestões e questões relacionadas a esta nota, contacte: borges.nhamirre@cipmoz.org A Privinvest, empresa libanesa no centro do escândalo das dívidas ocultas, está a jogar todas as cartas para evitar ser julgada pela justiça inglesa. Ré no processo cível iniciado pela Procuradoria Geral da República de Moçambique (PGR) no Tribunal Superior de Justiça de Londres, a empresa do milionário franco-libanês Iskandar Safa, defendese rejeitando a competência da justiça inglesa para conhecer o caso. Alega, a Privinvest, que as partes convencionaram que as disputas resultantes dos Contratos de Fornecimento assinados com as três empresas moçambicanas - EMATUM, ProIndicus e MAM – seriam dirimidas pelo Tribunal Internacional de Arbitragem da Suíça (ICC, na sigla inglesa). Em primeira instância, o tribunal londrino negou provimento as alegações apresentadas pela Privinvest através de uma decisão do juiz Justice Waksman1 . Inconformada, a Privinvest recorreu ao Tribunal de Recurso de Londres e o caso foi julgado nos dias 17 e 18 de Fevereiro passado. O CIP teve acesso às transcrições integrais do julgamento, que totalizam 296 páginas, e publica-as na íntegra em anexo (em inglês). O recurso da Privinvest foi julgado por três juízes séniores, Launcelot Henderson (Lord Justice Henderson) Rabinder Singh (Lord Justice Singh) e Sue Carr (Lady Justice Carr). A Privinvest foi representada pelos advogados Duncan Matthews, Ben Woolgar e Frederick Wilmot-Smith, enquanto Moçambique foi representada pelos advogados Nathan Pillow, Richard Blakeley e Ryan Ferro. No julgamento, os advogados da Privinvest procuraram provar que nos contratos de fornecimento de equipamentos e serviços de protecção costeira assinados com as empresas EMATUM, ProIndicus e MAM as partes convencionaram que seria o Tribunal Internacional de Arbitragem da Suíça e a Lei Suíça competentes para dirimir eventuais disputas. Com estes argumentos, a empresa libanesa pede a anulação da decisão do juiz de primeira instância Justice Waksman, que reconheceu a competência dos tribunais ingleses para julgar o caso. “O Contrato da ProIndicus, na página 236, cláusula L, remete à Lei Suíça e ao Tribunal Internacional de Arbitragem”, disse Duncan Matthews ao colectivo de juízes. “A cláusula da EMATUM está exactamente nos mesmos termos, cláusula J, página 1 CIP (2020). Dívidas Ocultas: tribunal de Londres chumba recursos da Privinvest, inclui Iskandar Safa como réu e marca próxima audiência para Janeiro de 2021, disponível em https://cipmoz.org/2020/08/23/dividas-ocultas-tribunal-de-londres-chumba-recursos-da-privinvest-inclui-iskandar-safa-como-reu-e-marca-proxima-audiencia-para-janeiro-de-2021/ [acessado a 04 de Março de 2020] Julgamento das Dívidas Ocultas em Londres: Privinvest tenta a todo custo evitar tribunais ingleses e arrastar o caso para a arbitragem 2 247”, prosseguiu, acrescentando que: “a cláusula da MAM apresenta-se em termos ligeiramente diferentes. Está na página 264, cláusula K, prevê a Lei suíça e a arbitragem das Regras Suíças em vez da arbitragem da ICC”. No direito civil existe um princípio segundo o qual, o tribunal competente para julgar disputas que emergem de um contrato é aquele convencionado entre as partes. Somente na ausência da convenção entre as partes é que se recorre à Lei do local da celebração do contrato para definir o foro competente. Os advogados da Privinvest apegaram-se ao referido princípio para alegar que, tendo as partes convencionado a Lei Suíça e o Tribunal Internacional de Arbitragem para as disputas resultantes dos contratos de fornecimento, “todas as disputas que surjam em conexão com este projecto vão para a arbitragem da ICC em Genebra (Regras da ICC)”. A queixa de Moçambique não é relativa aos subornos associados aos contratos de fornecimento, é sobre os subornos para a emissão das garantias do Estado Coube ao Advogado Nathan Pillow, representando o Estado moçambicano, desmontar as alegações da Privinvest. O argumento central dos advogados ao serviço de Moçambique é de que a queixa submetida em Londres não tem como objecto os contratos de fornecimento assinados entre a Privinvest e as três empresas, EMATUM, ProIndcus e MAM. O objecto são as garantias emitidas por Manuel Chang para assegurar os empréstimos às três empresas. Apesar dos sujeitos serem os mesmos, os contratos são diferentes. E isso importa. Importa porque nos contratos de fornecimento assinados entre a Privinvest e as empresas moçambicanas, escolheu-se a Lei Suíça e o Tribunal Internacional de Arbitragem para dirimir conflitos, mas nos contratos das garantias que viabilizaram os empréstimos, a Lei Inglesa é aplicada para a resolução de conflitos. Nestes termos, o advogado Nathan Pillow explicou que Moçambique reclama que a Privinvest subornou ao então ministro das Fianças, Manuel Chang, para assinar as garantias dos empréstimos e por isso as garantias são nulas e sem nenhum efeito. De facto, este é o pedido que Moçambique apresentou na queixa submetida ao Tribunal Superior de Londres: que as garantias emitidas para viabilizar os três empréstimos, totalizando mais de 2 mil milhões de dólares, sejam declaradas nulas e sem nenhum efeito. Se Moçambique ganhar o caso, então o país deixa de ser obrigado a pagar as dívidas ocultas, cabendo a Credit Suisse e a todos aqueles que se beneficiaram dos empréstimos pagar o dinheiro dos credores. Várias empresas do grupo Privinvest, incluindo o dono do grupo, Iskandar Safa, são arroladas como rés no caso mas, não por terem pago subornos a vários funcionários do Estado moçambicano, incluindo ao filho do então presidente da República, Armando Ndambi Guebuza; são arroladas porque pagaram subornos ao então ministro das Finanças, Manuel Chang, como condição para assinar as garantias ilegais que viabilizaram os empréstimos. “Dizemos que a Privinvest e o Sr. [Iskandar] Safa pagaram ao Sr. [Manuel] Chang uma comissão secreta de US $ 5 milhões. Na verdade, agora admite-se que ele recebeu US $ 7 milhões de entidades da Privinvest. Dizemos que é um suborno...” argumentou o advogado Nathan Pillow. “O Sr. Chang assinou as garantias. Ele assinou cada uma delas pessoalmente. Se essas garantias forem válidas, a perda a que a República [de Moçambique] ficou exposta é da sua responsabilidade”, disse. 3 A parte em que o advogado ao serviço do Estado Moçambicano explicou que a queixa submetida ao Tribunal nada tem nada a ver com os subornos pagos aos funcionários moçambicanos no âmbito dos contratos de fornecimento de equipamentos e serviços de proteção costeira, causou mal entendido. Era como se Moçambique estivesse a dizer que não houve subornos a altos funcionários do Estado no âmbito das dívidas ocultas. Mas, não é o caso. O que os advogados ao serviço do Estado moçambicano pretendiam dizer é que no caso específico de Londres, o suborno que é relevante para justificar a anulação do contrato é aquele pago a Manuel Chang, pois foi uma forma fraudulenta de conseguir a emissão de garantias ilegais, que viabilizaram os empréstimos. “A nossa alegação de suborno não tem conexão com os contratos de fornecimento e, certamente, nenhuma conexão necessária com os contratos de fornecimento... o suborno ocorreu, em nosso caso, em relação às garantias”, disse o advogado Pillow, acrescentando que “se um tribunal descobrir que os contratos de fornecimento eram bons, maus ou feios é totalmente irrelevante” [para este caso]. A posição dos advogados ao serviço do Estado moçambicano explica-se pelo facto de que, se for a relacionar os subornos pagos aos funcionários moçambicanos com os contratos de fenecimento, então o foro competente para julgar esta matéria é o Tribunal Internacional de Arbitragem da Suíça em detrimento do tribunal inglês. Entretanto, se a matéria em julgamento for exclusivamente da validade das garantias emitidas por Manuel Chang, julgamos o tribunal inglês ser o competente para dirimir o caso. “O que dizemos é que, a Privinvest opõe-se a ser levada ao tribunal [inglês] sob a alegação de que os contratos de fornecimento foram adquiridos por suborno, ou contaminados por suborno, ou ilegais por causa disso. Deixamos claro que não vamos apresentar essa alegação no tribunal”, afirmou o advogado Pillow. “No caso de suborno, diremos simplesmente que o tribunal, no que nos diz respeito, não precisa de avaliar se os contratos de fornecimento foram contaminados por fraude. Não faz parte do nosso caso. Não vamos alegar isso contra a Privinvest”, esclareceu. A insistência da Privinvest pela arbitragem é justificada pelo facto de entender que, neste foro, tem maior probabilidade de ganhar o caso. O Tribunal Internacional de Arbitragem, tal como outros foros arbitrais, é famoso em tomar decisões favoráveis às empresas nos casos em que estas têm disputas relacionadas a contratos comerciais2 . O Estado moçambicano já perdeu muitos casos em tribunais arbitrais e a Privinvest tem esperança de sair vitoriosa do caso, apesar de ter confessado que pagou milhões de dólares a funcionários do Estado moçambicano envolvidos no processo de contratação e gestão das dívidas ocultas3 , incluindo ao próprio presidente Filipe Nyusi4 . A decisão do Tribunal Inglês de Recurso, que julgou o caso, deverá ser conhecida dentro de um mês. Só depois disso é que poderá avançar o julgamento do caso principal, sobre o pedido de anulação das garantias emitidas por Moçambique para viabilizar os empréstimos das três empresas. O processo tem 12 réus. Para além das empresas do grupo Privinvest e Iskandar Safa, são co-rés empresas do Grupo Credit Suisse, que concederam empréstimos às empresas moçambicanas e os três antigos colaboradores do Credit Suisse, Andrew Pearse, Surjan Singh e Detelina Subeva, que participaram directamente dos processos de negociação de empréstimos e receberam comissões ilegais da Privinvest. Os três confessaram o crime em Tribunal norte-americano que também julga um caso relacionado às dívidas ocultas. 2 Hawley, S. (2020). Practice Alert: Alstom’s China agent wins arbitration award in UK despite ‘serious indicia of bribery’, disponível em https://fcpablog.com/2020/06/24 practice-alert-alstoms-china-agent-wins-arbitration-award-in-uk-despite-serious-indicia-of-bribery/ [consultado a 04 Fev. 2021] 3 CIP (20210. Corrupção das altas hierarquias do Estado: Isaltina Lucas, Renato Matusse, Ndambi Guebuza entre os subornados pela Privinvest, disponível em https:// cipmoz.org/2021/02/03/corrupcao-das-altas-hierarquias-do-estado-isaltina-lucas-renato-matusse-ndambi-guebuza-entre-os-subornados-pela-privinvest/ [acessado a 04 de Março de 2021] 4 CIP (2021). Privinvest informa ao tribunal inglês que pagou milhões de dólares a Filipe Nyusi, Manuel Chang e ao partido Frelimo, disponível em https://cipmoz. org/2021/02/01/privinvest-informa-ao-tribunal-ingles-que-pagou-milhoes-de-dolares-a-filipe-nyusi-manuel-chang-e-ao-partido-frelimo/ [acessado a 04 de Março de 2021] 4 Rua Fernão Melo e Castro, Bairro da Sommerschield, nº 124 Tel: (+258) 21 499916 | Fax: (+258) 21 499917 Cel: (+258) 82 3016391 @CIP.Mozambique @CIPMoz www.cipmoz.org | Maputo - Moçambique InformaÇão editorial Director: Edson Cortez Autor: Borges Nhamirre Revisão de pares: Baltazar Fael Revisão Linguistica: Samuel Monjane Propriedade: Centro de Integridade Pública Parceiros: CENTRO DE INTEGRIDADE PÚBLICA Anticorrupção - Transparência - Integridade Documentos consultados CIP (2020). Dívidas Ocultas: tribunal de Londres chumba recursos da Privinvest, inclui Iskandar Safa como réu e marca próxima audiência para Janeiro de 2021, disponível em https://cipmoz.org/2020/08/23/dividas-ocultas-tribunal-de-londres-chumba-recursos-da-privinvest-inclui-iskandar-safa-como- -reu-e-marca-proxima-audiencia-para-janeiro-de-2021/ [acessado a 04 de Março de 2020] Hawley, S. (2020). Practice Alert: Alstom’s China agent wins arbitration award in UK despite ‘serious indicia of bribery’, disponível em https:// fcpablog.com/2020/06/24/practice-alert-alstoms-china-agent-wins-arbitration-award-in-uk-despite-serious-indicia-of-bribery/ [consultado a 04 Fev. 2021] CIP (20210. Corrupção das altas hierarquias do Estado: Isaltina Lucas, Renato Matusse, Ndambi Guebuza entre os subornados pela Privinvest, disponível em https://cipmoz.org/2021/02/03/corrupcao-das-altas-hierarquias-do-estado-isaltina-lucas-renato-matusse-ndambi-guebuza-entre-os-subornados- -pela-privinvest/ [acessado a 04 de Março de 2021] CIP (2021). Privinvest informa ao tribunal inglês que pagou milhões de dólares a Filipe Nyusi, Manuel Chang e ao partido Frelimo, disponível em https://cipmoz.org/2021/02/01/privinvest-informa-ao-tribunal-ingles-que-pagou-milhoes-de-dolares-a-filipe-nyusi-manuel-chang-e-ao-partido-frelimo/ [acessado a 04 de Março de 2021]

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