Eram 21h51 de terça-feira, dia 14 de abril, quando recebi uma mensagem do advogado do TIB: “É TETRA!”
Nada mais propício que repetir o bordão do jornalista Galvão Bueno na Copa do Mundo de 1994 para comemorar uma vitória do jornalismo.
Em 2017, houve a greve geral Brasil afora. Em Goiânia, não foi diferente, inclusive no que diz respeito à truculência policial. Foi da capital goiana que saiu uma imagem que rodou o país: um policial militar quebrou um cassetete na testa de Mateus Ferreira da Silva, à época com 33 anos.
O capitão Augusto Sampaio, policial que quase matou Mateus, foi recebido por seus pares no clube dos oficiais, onde rolou um "ato de apoio". Na ocasião, o hoje coronel Alessandri da Rocha foi um dos militares que saudou o colega e chamou Mateus, a vítima, de terrorista.
Dias depois, recebi um material via securedrop, um canal por onde o Intercept recebe documentos e denúncias de forma anônima (você tem alguma? Mande pra nós). Era uma ação do Ministério Público de Goiás na qual o coronel Alessandri era acusado de duplo homicídio. No documento, havia acusações de tráfico, roubo a banco, ameaça a juiz.
Quando o Intercept entrou no ar, em 2016, apostamos: quem seria a primeira pessoa a ser processada? Como entramos no ar com a missão de responsabilizar quem quer que fosse pelos seus atos, isso não tardaria a acontecer.
Eu venci a aposta – e também o processo criminal em que o coronel Alessandri me acusava de calúnia e difamação.
Foi um longo processo.
Em 2018, fui com o advogado do TIB a uma audiência de conciliação, um dos passos do processo. O policial e sua advogada vieram de Goiás para o Rio e, numa pequena sala em Botafogo, eles pediram que eu me "retratasse". Um pedido formal e público de desculpas é o que eles queriam. Perguntei: vocês querem que eu minta?
Nosso advogado pacientemente colocou a mão no meu braço, pedindo calma. Acatei seu pedido.
Dois anos e alguns recursos depois, vencemos o processo no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro por unanimidade. Essa vitória não é apenas minha ou do Intercept. É do jornalismo.
O TJ-RJ decidiu que jornalista não comete crime ao reproduzir ação do MP – e isso é óbvio. Como a decisão deixa claro, eu não menti, não inventei nada, "os fatos se deram dentro do contexto jornalístico".
Mas pessoas como o coronel Alessandri processam quem fala o que os desagrada mesmo sendo verdade, eles não querem que seus atos terríveis se tornem públicos. Tanto que um dos maiores jornais de Goiás foi cercado por três dezenas de policiais após publicar, em 2011, uma capa com a manchete “Mato por satisfação”, que trazia detalhes sobre a Operação Sexto Mandamento, que investiga a violência policial em Goiás, cerca de seis meses antes de Alessandri saudar o PM que bateu no manifestante.
Tenho a sorte de trabalhar em um lugar que paga advogados para seus jornalistas, que tem leitores que financiam esse site e esses advogados, que nos protegem e que não nos abandonam. Mas e se eu fosse uma jornalista freelancer? E se o site fosse pequeno e não pudesse pagar um advogado?
O processo seria vencido, mas custa tempo e dinheiro. Ainda estou sendo processada na vara cível em Goiás, em uma ação por danos morais na qual Alessandri me pede R$ 100 mil. Como pagaria para ir a outro estado e para ter advogados lá? Eu não tenho esse dinheiro.
A meta é calar o jornalista. É estrangulá-lo financeiramente e forçar seu silêncio. Alessandri não quer responder pelos seus atos e ser incomodado por jornalistas mesmo sendo um servidor público que tem a missão de "servir e proteger".
Mas ele perdeu. Apesar de ter sido acusada de ofender a honra do policial acusado de tráfico, duplo homicídio, roubo a banco e ameaça, e ainda ter sido chamada de “ignorante e venenosa”, eu venci. E venci porque a justiça disse que eu não menti. Alessandri foi realmente acusado de tráfico, duplo homicídio, roubo a banco e ameaça. Alessandri que melhore, e que pague na justiça por suas barbaridades, caso ainda haja alguma investigação.
Vida longa ao jornalismo!
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