Pemba está quase deserta à noite, porque as pessoas receiam o excesso de zelo de polícias e militares, cuja presença aumentou substancialmente na capital provincial. Ofensivas contra os jihadistas têm ajuda de mercenários sul-africanos e russos.
As noites de Pemba estão tensas. Na capital da província de Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, a multiplicação de ataques dos jihadistas nas últimas semanas levou ao aumento da presença de forças policiais e militares nas ruas, o que se por um lado trouxe uma maior sensação de segurança, por outro criou receios de abusos e excessos de zelo.
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“Sim, é verdade que estão a bater na população a partir das 17h”, confirma-nos um membro de uma organização da sociedade civil local que preferimos não identificar por razões de segurança. A atitude das forças de defesa e segurança está a deixar muita gente com receio de circular à noite – vários tiros foram disparados contra uma viatura cujo condutor não parou num controlo junto a um dos quartéis da cidade.
Na terça-feira, o jornalista Hizdine Achá, do canal televisivo privado STV, foi retido durante várias horas por ter fotografado uma operação da polícia num bairro de Pemba, tendo as imagens que registara sido apagadas antes de lhe ser devolvido o material.
Um incidente que não é único na província e é bem menos grave que o desaparecimento de outro jornalista, Ibraima Abu Mbaruco, da Rádio Comunitária de Palma (360 km a norte da capital), que nunca mais foi visto desde 7 de Abril. Segundo a organização da sociedade civil MISA-Moçambique, a última comunicação do jornalista foi uma curta mensagem de telemóvel enviada a um companheiro de trabalho, onde dizia que “estava cercado por militares”.
A emissora Voz da América refere que a polícia ainda não conseguiu confirmar o que aconteceu a Ibraima Mbaruco. “Nós não conseguimos encontrar nenhum rasto deste cidadão, mas por fontes familiares ouvimos que este cidadão estaria morto. Nós desconhecemos esta informação”, disse o chefe do departamento de Relações Públicas do comando provincial da Polícia de Moçambique em Cabo Delgado, Augusto Guta.
A União Europeia mostrou-se esta semana preocupada com a violência na província moçambicana, solicitando ao mesmo tempo uma investigação “com rapidez e profundidade” em relação ao desaparecimento do jornalista e uma “acção eficaz” contra a insurgência que vem realizando ataques armados em Cabo Delgado desde Outubro de 2017.
Mais ousadia, menos violência
Depois dos ataques às sedes de distrito de Mocímboa da Praia e de Quissanga no final de Março e os da semana passada contra outra sede de distrito, Muidumbe, a vila de Muatade e as aldeias de Miangalewa, Xatia, Namacande e Ntchinga, onde chegaram a realizar um comício, percebe-se que o conflito armado em Cabo Delgado assumiu outra dimensão.
Os ataques passaram a ser mais ousados e menos violentos. Atacam capitais de distrito, destroem edifícios públicos, agências bancárias, sedes da polícia, matam agentes. Mas os jihadistas deixaram de arrasar e queimar tudo e, principalmente, poupam tanto quanto podem a população em geral. Se as decapitações eram comuns, deixaram de o ser. E não temem sequer mostrar o rosto e reivindicar o que pretendem com os seus ataques, divulgando vídeos pelas redes sociais.
O facto de os seus ataques terem ganho dimensão internacional, ao serem reivindicados pelo Daesh na sua agência de notícias oficial, a Amaq, obriga o Governo moçambicano a exigir das Forças de Defesa e Segurança (FDS) de Moçambique uma acção mais forte contra a insurgência que ameaça criar um estado dentro do Estado, onde a única lei seja a sharia, a lei religiosa que emana directamente do Alcorão e da palavra de Alá.
Na sexta-feira passada, a força aérea moçambicana e mercenários sul-africanos em helicópteros ligeiros atacaram, no distrito de Mueda, as bases de Mbau e Awassi do grupo Ahlu Sunnah wa Jamaa, conhecidos localmente como Al-Shabab. Segundo o diário digital sul-africano Daily Maverick, o ataque provocou muitas baixas entre os insurgentes.
Não terão participado no ataque forças terrestres e um helicóptero DAG Gazelle foi atingido pelo fogo dos jihadistas e o piloto viu-se obrigado a uma aterragem de emergência, tendo a tripulação escapado ilesa depois de destruir a aeronave para não cair nas mãos dos jihadistas.
Forças terrestres teriam, isso sim, em conjunto com mercenários russos e sul-africanos, participado numa ofensiva contra os jihadistas no distrito de Ibo, depois de um ataque dos insurgentes no arquipélago das Quirimbas, cuja ilha de Ibo é a mais próxima da costa.
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