quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

Primeiro “Estado da Nação” de Chapo Revela Défice na Construção de Paz e Estabilidade

 


Por Borges Nhamirre, borgesnhamirre@gmail.com

Maputo (MOZTIMES) – Ainda é tempo de se fazer uma análise crítica do primeiro informe anual sobre o estado da nação proferido pelo Presidente da República, Daniel Chapo, na quinta-feira passada. Até porque este é, em regra, o último evento político relevante do ano. 

O primeiro informe de Chapo no Parlamento revelou um Chefe do Estado com um enorme défice na construção da paz e da estabilidade em Moçambique. Como o próprio reconheceu no início do seu discurso, Chapo herdou um país “assolado pelo terrorismo, profundamente fragilizado por manifestações violentas, ilegais e criminosas, e com uma economia em recessão”.

No entanto, se o Presidente apresentou uma resposta ambiciosa para lidar com os problemas económicos – a chamada diplomacia económica – mostrou fragilidade e ausência de soluções claras no que diz respeito à construção e manutenção da paz e da estabilidade.

Primeiro, Chapo deixou transparecer uma forte obsessão com as manifestações pós-eleitorais, que são consequência directa de um processo eleitoral altamente manipulado, do qual ele próprio é o principal beneficiário.

Não foi Daniel Chapo quem manipulou as eleições gerais de 2024, mas é ele o principal beneficiário dessa manipulação e, talvez por isso mesmo, não consiga libertar-se desse fardo para assumir plenamente o papel de garante da paz e da estabilidade que se exige de um Chefe do Estado.

Chapo iniciou o seu discurso com uma afirmação claramente equivocada ao dizer que, em 2025, governou apenas durante oito dos 11 meses, contando o período de 15 de Janeiro a 18 de Dezembro. Excluiu, assim, os primeiros três meses do ano, marcados pelas manifestações pós-eleitorais, que classificou como “violentas, ilegais e criminosas”, expressão repetida por nove vezes ao longo do discurso.

Com esta afirmação, Chapo parece reduzir a governação à actividade económica, o que constitui um grave equívoco. É que, nos primeiros três meses do ano, período em que afirma não ter governado, ocorreu talvez o acontecimento político mais relevante de 2025: o encontro entre o Presidente da República e o principal opositor político, Venâncio Mondlane, que permitiu travar a violência pós-eleitoral.

Foi precisamente o fim da violência pós-eleitoral que permitiu à economia começar a respirar nos meses subsequentes e abriu espaço para que Chapo iniciasse o seu périplo internacional com vista à implementação da diplomacia económica. Assim, se Daniel Chapo tivesse uma leitura política mais consciente do processo, dificilmente afirmaria que não governou entre Janeiro e Março de 2025.

A estabilidade política e social é, aliás, a primeira prioridade entre os 12 compromissos de governação assumidos por Daniel Chapo. Não faria sentido afirmar que não governou exactamente no período em que se trabalharam as bases da estabilidade política e social que, ainda que de forma frágil, prevalece até hoje.

Esta interpretação equivocada pode revelar uma obsessão excessiva com as manifestações pós-eleitorais, acompanhada de uma clara intenção de esconder as suas causas, salientando apenas o seu carácter “violento, ilegal e criminoso”. Mas pode ser ainda mais grave: pode significar que a agenda do diálogo com Venâncio Mondlane, que levou ao fim da violência, não partiu de Chapo, mas de actores não estatais, razão pela qual o Presidente não a reconhece como resultado da sua governação.

A verdade, porém, é que a causa principal que levou milhares de jovens a manifestarem-se de forma violenta e a paralisarem grande parte do país foram as eleições grosseiramente manipuladas pelos órgãos de administração eleitoral, nomeadamente a Comissão Nacional de Eleições e o Conselho Constitucional, ambos órgãos controlados pela Frelimo. A repressão brutal exercida pela Polícia contra os primeiros focos de manifestações pacíficas foi como deitar achas à fogueira. O principal beneficiário deste processo foi o próprio Daniel Chapo e o seu partido, a Frelimo, que, por esta via, asseguraram a manutenção do poder.

Reconhecer que o processo eleitoral que o conduziu à Ponta Vermelha foi mal conduzido e que isso resultou em manifestações violentas, que ele próprio conseguiu travar, restaurando a estabilidade política e social após cinco meses de caos, teria projectado Daniel Chapo mais como um estadista do que como um dirigente partidário.

Outro grande tropeço do Presidente foi a forma como passou quase em silêncio sobre o conflito em Cabo Delgado. Chapo iniciou o seu discurso expressando “profundo pesar às famílias das vítimas de ciclones, das manifestações violentas, ilegais e criminosas e dos acidentes de viação”. Manifestou também “solidariedade às famílias que perderam entes queridos devido ao crime organizado”. No entanto, em relação às centenas de mortos e aos milhares de deslocados decorrentes dos ataques terroristas em Cabo Delgado, Niassa e Nampula, o Presidente foi praticamente omisso, limitando-se a afirmar que “o Estado não descansará enquanto não restabelecer a segurança, a dignidade e a paz nas suas vidas”.

Este quase silêncio não pode ser explicado pelo desconhecimento dos factos. Cerca de um mês antes de Chapo se deslocar ao Parlamento, mais de uma dezena de pessoas foram mortas em ataques terroristas nos distritos de Memba e Eráti, na província de Nampula, que também provocaram mais de 100 mil deslocados num período de cerca de duas semanas.

No seu conjunto, o Presidente abordou o conflito armado em Cabo Delgado de forma superficial, repetindo os mesmos erros do seu antecessor, Filipe Nyusi.

Reiterou a narrativa de que o terrorismo é um fenómeno global, ignorando as causas internas da violência; centrou a resposta do Governo quase exclusivamente na dimensão militar, destacando treinos militares, parcerias com forças ruandesas e turcas, a construção de um laboratório de inteligência artificial e ciber-segurança e a aquisição de embarcações para a Marinha de Guerra, com vista ao reforço da segurança marítima. No entanto, não explicou que abordagens alternativas o seu Governo está a adoptar para a resolução do conflito, se é que alguma existe.

O Presidente também não abordou as frágeis relações civis-militares, evidentes na persistente violência das Forças de Defesa e Segurança contra civis, com potencial para alimentar ainda mais a insurgência. Tampouco explicou como o seu Governo está a garantir assistência humanitária consistente às centenas de milhares de deslocados de guerra, num contexto em que o Orçamento do Estado continua sem uma rubrica específica para este fim, deixando a resposta quase exclusivamente nas mãos das organizações humanitárias internacionais.

Com esta abordagem presidencial, pouco se pode esperar de mudanças significativas na crise de Cabo Delgado. Quando a liderança máxima do país demonstra ignorância ou, no mínimo, omissão diante dos problemas estruturais do conflito, a mudança torna-se improvável.

O Presidente pode até convencer investidores a regressarem à exploração de gás, projectando uma imagem de estabilidade que, na prática, não existe. Contudo, o triunfo da diplomacia económica não será sustentável sem paz e estabilidade. Eventuais ganhos económicos podem ser facilmente destruídos por ciclos de instabilidade político-social, como os que assolam Cabo Delgado desde Outubro de 2017 e marcaram o país no período pós-eleitoral.

Daí o imperativo do Governo de Daniel Chapo encontrar um equilíbrio entre a diplomacia económica e a construção efectiva da paz e da estabilidade em Moçambique. (BN)

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