Monday, February 22, 2021

A GUERRA DE ZANZIBAR E A RECONQUISTA DA BAÍA DE PALMA por CARLOS PEREIRA CALLIXTO

 


Guerrazamzibar_capaQuase no fim da Província de Moçambique, lá muito ao Norte, fica situada a povoação de Palma, administrativamente classificada como Sede de Circunscrição, incluindo nos seus limites, Olumbe, Mutamba e Quionga, como povoados mais importantes.

Situada na zona de influência muçulmana, Palma, cujo nome comemora um dos heróis que ajudaram a construir e consolidar a influência portuguesa na Costa Oriental, não foi conhecida nos mapas e nos documentos oficiais por esta designação, senão algum tempo depois dos acontecimentos que vão narrar e a sua Circunscrição apenas pela Portaria Número 6:202, de 17 de Novembro de 1945 adoptou a nova designação.  -----

(…) Desde os primeiros tempos da nossa colonização, que este ponto do litoral moçambicano se denominava Baía de Tungue e a povoação, um miserável povoado arabizado, era conhecido também pelo mesmo nome. A influência dos portugueses nestes pequenos portos de mar foi sempre mais teórica do que prática, sendo frequentados pelos nossos navios, mas geralmente os marinheiros e comerciantes ficavam em terra o tempo suficiente para a carga das embarcações ou para a reparação de qualquer avaria mais grave que os impedia de arribar a Moçambique.

Quando o poderio português se estendia pela costa de África acima até quase à entrada do Mar Roxo, isto é, quando a Capitânia de Mombaça se encontrava em todo o seu esplendor e ao Capitão do Forte Jesus obedeciam todos os senhores mouros das ilhas e da terra firme, a Baía de Tungue não tinha grande importância estratégica por ficar na fronteira de dois domínios igualmente obedecendo ao Rei de Portugal, mas com a decadência do Século XVIII tudo mudou

A queda de Mombaça, em 1729, e o abandono da Ilha de Pate por António de Albuquerque Coelho, marcou o início de uma longa série de conflitos, tentativas de conciliação diplomática e vexames que Portugal teve de sofrer e que mais dolorosos foram para a honra nacional, por nos terem sido dirigidos por povos a nós nitidamente inferiores e por soldados que não passavam de bandos de maltrapilhos fanatizados.

Com a perda da Capitânia do Norte, os territórios sob a autoridade do Rei de Portugal ficaram circunscritos ao que hoje são, tendo-se logo marcado como limite extremo a foz do Rovuma, ou mais simplificadamente o Cabo Delgado, negligência essa que nos ia custando a posse de Quionga, como a seu tempo já se fez referência nestas crónicas históricas. No entanto, estes limites fronteiriços levaram o Governo Português a ter que entrar em guerra com o Sultão de Zanzibar, após quase um século de negociações, o que revelou da nossa parte uma paciência quase oriental, mas que uma vez desembainhadas as espadas a questão resolveu-se de vez, ACABANDO-SE COMO POR ENCANTO AS PRETENSÕES ISLAMITAS SOBRE ESTA BAIA (TUNGUE/PALMA).

Poucos anos após o desmoronamento do nosso poderio além Rovuma, as AMEAÇAS DOS SULTÕES DO NORTE fizeram-se sentir aos Governadores de Moçambique, levando Pedro do Rego Barreto da Gama e Castro, em 1745, a dirigir uma carta alarmante ao Cardeal da Mota, Ministro de D. João V, onde o monarca era informado de que os portugueses não possuíam meios para se oporem a um AVANÇO DOS MOUROS PARA O SUL.

Os grandes herdeiros dos portugueses na Costa Oriental de África foram os chefes árabes de OMAN e em seguida de MASCATE. O Imamo de Mascate estendia os seus domínios até aos limites da Província de Moçambique, incluindo no seu território o sultanato de Zanzibar, conquistado em 1840 e Mombaça, já em seu poder desde 1828.

As primeiras negociações directas datam de 1826, quando o Capitão-General de Moçambique, Xavier Botelho, teve a ideia de propor um tratado de limites ao Imamo de Mascate, julgando a sua assinatura coisa fácil.

O matreiro potentado oriental foi iludindo com promessas o Governador e nada se conseguiu concluir de positivo, não sendo aceites os nove artigos do tratado.

Em 1828, após a ocupação de Mombaça, o Capitão-General voltou a insistir e aproveitou o feliz sucesso para as armas de Mascate, para enviar um representante seu cumprimentar o Imamo e instar para a assinatura breve do acordo, pouco ou nada resultando desta decisão, a não ser uma perfeita inspecção – que assim nos deixou ver o que valiam as suas tropas, até então grande ameaça e cujo poder combativo era bastante exagerado nas informações que chegavam a Moçambique.

O general José Justino Teixeira Botelho, na sua “História Militar e Política dos Portugueses em Moçambique”, diz-nos que o enviado português foi recebido com muito afecto pelo Imamo de Mascate, mas que as negociações “não avançaram nem um passo, logrando verificar que os artilheiros de Zanzibar estavam tão atrasados que não podiam infundir receio; quanto aos outros soldados só lhes achou de tal condição o receberem soldo do soberano, pois não conheciam táctica alguma; o seu armamento compunha-se de boas espadas, punhais, rodelas e espingardas de murrão. As forças de mar consistiam em muitos pangaios, dos quais alguns contavam 2 a 4 peças, de que nenhum uso faziam”.

Não era pois de temer os guerreiros árabes, mas Portugal em vez de procurar logo uma decisão pelas armas, decidiu continuar a usar a diplomacia e tentar chegar a um acordo, mas a nossa complacência talvez tenha sido tomada pelos governantes de Mascate como fraqueza e teve como consequência o precipitar dos acontecimentos.

A nossa autoridade era exercida até então na Baía de Tungue (Palma) por um xeque (…)

(…) rece já nessa altura em Momad Bub Issufo, teve um acto de cobardia contra o Governador de Cabo Delgado, tentando impedir a expulsão de um negociante baneane que este funcionário castigara, mas em 1854, passou-se definitivamente para o inimigo, arvorando a bandeira do Imamo de Mascate no seu território, a 14 de Março desse ano.

De facto, devemos analisar bem a situação deste infeliz funcionário de Portugal, maometano por religião e, portanto, ideologicamente ligado àqueles que oficialmente devia combater, com o seu território colocado nos confins da Província de Moçambique e paredes meias com um sultão da sua raça e cujo poder via crescer dia a dia. No entanto, no seu gesto não se podia considerar outra coisa além da traição.

Os acontecimentos de Tungue/Palma coincidiram com a mudança do Governador-Geral da Província de Moçambique e tendo o novo Governador, major de infantaria Vasco Guedes de Carvalho e Meneses tomado posse a 24 de Abril, logo comunicou para Lisboa as tristes novidades, não lhe dando, no entanto, a importância que de facto tinham e encarregou o seu colega cessante, Dr. João Pinto de Magalhães, de na viagem para Lisboa se entrevistar com o Imamo de Mascate, sendo mais uma vez a diplomacia portuguesa vencida pela maleabilidade e astúcia oriental.

(…) Ainda tentando contemporizar, o Governo de Lisboa nomeou um vice-cônsul para a cidade de Zanzibar, que se não logrou convencer o chefe árabe, pelo menos serviu de fonte informativa dos preparativos do adversário, que desde 1856 já se tornara num sultunato independente.

Quando o Governo do Senhor D. Pedro V enviou para Moçambique o tenente-coronel João Tavares de Almeida, deu-lhe instruções para resolver a questão de Tungue/Palma, tendo este Governador partido para Zanzibar a 17 de Outubro de 1861, a bordo do navio de guerra “Maria Ana”, escoltado pelo “Barão de Lazarim” com o fim de tentar chegar a um acordo. Foi muito bem recebido pelo novo sultão, Said Majid Bin Said, mas teve que retirar para Moçambique a 4 de Janeiro do ano seguinte, tendo sido a sua missão um completo fracasso, por o POTENTADO ÁRABE SE RECUSAR A RECONHECER A NOSSA POSSE PARA ALÉM DO RIO MENINGANI, A SUL DE TUNGUE/PALMA.

Em 1864, o Governador, capitão António do Castro e Castro, foi também a Zanzibar, mas voltou de mãos vazias, o mesmo sucedendo ao seu sucessor, António Augusto de Almeida Portugal Correira de Lacerda, no ano de 1867, o que bem demonstrava a teimosia do Sultão em não ser razoável.

Em 1870 sucedeu no trono de Zanzibar, Seyyid Bargash, o primeiro governante que usou de facto o título de Sultão, mas este acontecimento não veio alterar o marasmo a que haviam chegado as negociações com Portugal. Nada demovia o senhor de Zanzibar; nem visitas dos nossos governantes, nem ofertas de valor, como uma baixela de prata enviada de Lisboa em 1863, ou a Grã-Cruz da Torre-e-Espada que lhe foi entregue em.. (…).

O novo Governador, Francisco Maria da Cunha, que tomou posse em 1877, decidiu ir também a Zanzibar, em Outubro de 1879, mas não foi melhor sucedido, RECUSANDO-SE SEYYID BARGASH A RECONHECER OS DIREITOS PORTUGUESES À BAÍA DE TUNGUE e em 1881, o Visconde de Paço de Arcos, capitão-de-fragata Carlos Eugénio Correia da Silva, ao passar a caminho de Moçambique, nem sequer conseguiu ser recebido pelo soberano árabe.

A paciência nacional estava prestes a esgotar-se e o momento da grande decisão pouco tardava. No entanto, ainda tentando levar o caso a bem, o Governador, tenente-coronel Agostinho Coelho, no ano de 1884, empreendeu uma viagem ao Norte e dirigiu-se à Baía de Tungue/Palma, com a intenção de ver o que sucedia e qual seria a reacção do xeque local.

(…) e noutra localidade de menor importância, sendo muito boa a recepção do representante do Sultão, QUE EM TERRA PORTUGUESA RECEBIA COMO ESTRANGEIRO o Governador e representante do Rei D.Luis e ainda por cima o advertia de que lhe era permitido fazer aguada, comprar mantimentos ou negociar, mas a título particular, pois impediria o desembarque da autoridade portuguesa, ou do comandante do navio.

Conforme conta o general Teixeira Botelho, na obra já citada e cuja narração vamos seguindo, Agostinho Coelho, no dia seguinte tentou desembarcar, mas uma força do exército de Zanzibar apareceu na praia em pé de guerra.

Estava feita a prova e só as armas decidiriam esta longa questão. Entre estes acontecimentos e as hostilidades que se seguiram, apenas pouco tempo decorreu, mas no entanto, ainda o (…).

Em 1888, a 23 de Janeiro, instalou-se o Posto de Meningani, na parte direita do rio do mesmo nome que servia de a fronteira provisória do território contestado, com o fim de IMPEDIR A EXPANSÃO PARA SUL DAS AUTORIDADES DO SULTANATO, OU PELO MENOS PÔR UM DIQUE ÀS SUA AMBIÇÕES.

Sessenta anos de negociações sempre frustradas, com orientais manhosos e a ocupação desde 1854 de uma parcela do território nacional era demasiada afronta para a honra portuguesa. O Governo do senhor D. Luis decidiu passar a acção e em 1887 autorizou o Governador Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, a empreender operações militares e assim, a 11 de Fevereiro enviou-se um “Ultimatum” ao Sultão de Zanzibar, seguindo-se a GUERRA que teve o condão de ACABAR DE VEZ COM A QUESTÃO DE TUNGUE, VOLTANDO A BAIA E A POVOAÇÃO À POSSE DE PORTUGAL

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