sexta-feira, 20 de julho de 2012

Ainda o 25 de Setembro de 1964 e o CHAI

Guilherme de Melo, jornalista, durante mais de duas décadas em Moçambique, publicou em 1985 “MOÇAMBIQUE – DEZ ANOS DEPOIS”, relato da viagem que ali fizera pouco tempo antes e de que só hoje obtive um exemplar.

Guilherme de Melo foi um dos jornalistas que esteve no Chai pouco tempo depois do ataque.
Estando mais que comprovado que a história contada e encomendada pela Frelimo não é a verdadeira, porque voltou Guilherme de Melo a escrever o que adiante ides ler e o que levou o cozinheiro do então administrador a inventar a “história” que conta e é ali reproduzida?
Sabemos que ele retornou a Moçambique, especialmente para assistir às comemorações dos 20 anos do ataque ao Chai, a convite de Mário Ferro e Alves Gomes do “Notícias” de Maputo. Terá sido por isso?
Aqui vai a transcrição:
EVOCAÇÃO DO CHAI
No troço da estrada que vai de Macomia a Mueda, em pleno coração do interior moçambicano — o planalto dos Macondes — há, ainda hoje, duas pontes em betão com os tabuleiros destruídos. Uma situa-se no troço entre Macomia e Chai; a outra para lá do Chai, sobre o rio Mapwede.
Foram ambas destruídas pelos guerrilheiros, durante a luta armada para a independência, com o propósito de cortar o avanço das tropas motorizadas portuguesas.
Cumpre referir que, no decorrer da guerra, a Frelimo evitou sempre a destruição de infra-estruturas de grande envergadura — como pontes, barragens, centrais — exac­tamente na mira do dia em que, mais tarde ou mais cedo, tudo lhe viesse parar às mãos.
Dez anos decorridos sobre a independência, as duas pontes continuam tal como ficaram depois de dinamita­das: o Governo moçambicano deixou-as propositadamente assim, à laia de um curioso museu de guerra um pouco disperso por todo o país. Ao lado dos dois tabuleiros semi-destruídos, existem agora duas outras pontes, por onde o trânsito se processa.
Vinte anos depois do primeiro ataque a uma autori­dade colonial — concretamente, o posto administrativo do Chai— é possível reconstituir-se todo o background da razão de ser dessa guerra de dez anos que, ainda hoje, muitos dos brancos que viviam na antiga colónia, e dela saíram após o 25 de Abril, se recusam a querer entender. Estou no Maputo quando se comemora aquela data e peso, palavra por palavra, os depoimentos dos que então viveram directamente os acontecimentos que muitos desses mesmos brancos —e eu próprio— de todo ignoravam, envoltos no remanso doirado que era o dia-a-dia na ex-Lourenço Marques.
O primeiro tiro
O lugar escolhido pela Frelimo para o ataque que marcou o desencadear da luta armada de libertação da ex-colónia foi, como se disse, o posto administrativo do Chai.
Tratava-se de uma pequena localidade do interior de Cabo Delgado, com pouco mais de meia dúzia de edifícios. Nomeadamente, uma secretaria, a casa do chefe do Posto, a casa do gerente da Companhia Algodoeira do Sagal, dois estabelecimentos comerciais, um pequeno hospital, a cadeia, as casernas dos soldados e as residências dos polícias brancos e dos cipaios negros.
No dia do ataque havia uma festa em casa do admi­nistrador do Posto, porque um dos seus três filhos fazia anos — recorda, vinte anos depois, Ahmad Sique Burahimo, ao tempo a servir, como cozinheiro, no Posto admi­nistrativo. E acrescenta: O administrador era muito mau para a população. Além de roubar cabritos, galinhas e outros bens que mandava que os cipaios recolhessem nas aldeias e trouxessem para o Posto, espancava brutalmente a população e tinha grande prazer em dar ele próprio palmatoadas.
A dado momento da festa, segundo o relato do então cozinheiro, chegou ao Posto o régulo da povoação de Malane — actualmente Litandakua — comunicando ao admi­nistrador que tinha avistado nesse dia pegadas estranhas» numa picada da sua zona.
Imediatamente o administrador se meteu no jipe acom­panhado pelo régulo, dois polícias e um cão-polícia, seguin­do, mato adentro, para o local. Era já noite avançada quando regressaram e, em casa, a festa do aniversário terminava.
Acompanhado pêlos dois polícias e pelo cão, o admi­nistrador dirigiu-se directamente para a Secretaria da Administração — continua a contar. Mas, ainda com o mo­tor do carro a trabalhar, ouviu-se de repente uma des­carga de tiros. Ele saiu do carro a correr, em direcção à residência, onde tinham ficado a mulher e os filhos. Já à entrada da casa, o administrador foi atingido com dois tiros no peito e caiu, ensopado em sangue.
Ahmad Burahimo ainda se recorda de ter visto, quando o tiroteio cessou, dois polícias, a mulher do administrador e o gerente da Sagal a carregarem o ferido para o interior da residência. Esvaindo-se em sangue, ele permaneceu no Posto, agonizante, o resto da noite e só na manhã seguinte foi transportado para a então Porto Amélia — hoje cidade de Pemba— onde veio a falecer.
Entretanto, quando eu estava a sair da cozinha pelas escadas traseiras, para me esconder no quintal, mal come­cei a ouvir o tiroteio, um tiro apanhou-me na perna, perto do joelho, e caí, rebolando pelas escadas abaixo. Já no chão, rastejei uns vinte metros e escondi-me atrás da man­gueira do quintal. Foi daí que avistei um polícia a ser atin­gido por um tiro a meio da testa e cair morto. Um outro polícia, escondido entre o muro do quintal e uma casa, também recebeu um tiro e morreu logo, quando estava a erguer a cabeça para apontar a sua arma.
Quando o breve combate terminou, os guerrilheiros abandonaram o terreno, deixando dois polícias mortos, o cão-polícia também abatido, o administrador do Posto moribundo e vários feridos, entre os cipaios e o pessoal auxiliar da Administração.
Comandava o pequeno grupo que acabava de iniciar a luta armada que dez anos depois levaria à independência, um homem de trinta e poucos anos chamado Alberto Joaquim Chipande. Ë, hoje, o ministro da Defesa Nacional da República Popular de Moçambique e dirigente da pro­víncia de Cabo Delgado. General do Exército.
A repressão
Depois disto, vieram para o Posto de Chai um novo administrador e um seu adjunto — continua Ahmad Bura-himo a contar. E diz, concretamente, os nomes de um e de outro. E só por uma questão de pudor e de vergonha, como português e branco, me escuso, aqui, a referi-los.
Dos dois, o adjunto era o pior. Era extremamente cruel. Logo após a sua chegada começou a matar gente. Com o pretexto de que estava a «limpar terroristas», como dizia, enforcava pessoas e deixava-as penduradas nas mangueiras. As vezes cortava as cabeças e deixava-as espetadas em esta­cas, para todos verem. Num só dia, em plena Secretaria da Administração, matou com as suas mãos cinco pessoas. Ele fazia coisas horríveis. Um dia vi-o espetar um prego na cabeça de um homem. Martelava e enterrava o prego todo na cabeça, depois mandava a pessoa ir para casa. Ë claro que essa pessoa nem dava cinco passos. Caía e morria logo.
Ahmad Burahimo continuou a trabalhar ainda durante alguns anos no Posto. A verdade, porém, é que o ataque conduzido pela Frelimo lhe tinha já suscitado diversas dúvidas sobre a legitimidade do poder colonial — dúvidas essas que rapidamente se adensaram face às barbaridades cometidas pelo adjunto do novo Administrador que, de resto, o não poupava nas suas fúrias. Um dia começou a ameaçar-me que também a minha vez chegaria. «Corto-te o pescoço, olá se corto! E que lindos petiscos tu vais fazer com a tua própria cabeça!»
Com o pretexto de que pretendia visitar uns familiares distantes, pediu licença para se ausentar por algum tempo e acabou por se desligar dos quadros do pessoal da Admi­nistração, ingressando pouco depois nas fileiras da Frelimo. Passou então a ser um importante «contacto» da Organização naquela zona de Cabo Delgado, tornando-se responsável pela distribuição de cartões de membro a novos aderentes e desenvolvendo missões de recrutamento de jovens para a luta armada. Com o objectivo de camu­flar tudo isto aos olhos, sempre desconfiados, não só das autoridades do Posto como dos agentes da PIDE, Ahmad Burahimo adquiriu um pequeno barco com o qual passou a pescar no lago do Chai.
A vila-museu
Vinte anos volvidos sobre tudo isto, o Governo moçam­bicano transformou o Chai no museu histórico da Revo­lução moçambicana.
Independentemente do monumento que vai ser erguido, defronte de um gigantesco mural alusivo ao arranque da luta armada, toda a povoação propriamente dita foi con­servada intacta, tal como era na altura do ataque de 25 de Setembro de 1964. Inclusive o mobiliário e demais recheio das casas da Administração mantêm-se, sem qual­quer alteração.
Uma das casas foi, entretanto, transformada em museu das primeiras armas — entre as quais a que Chipande uti­lizou naquele dia e por ele próprio ali entregue, aquando do 20.° aniversário do acontecimento que marcaria o início do fim de uma era.
Vinte anos depois, o tempo foi descendo o seu véu de esquecimento. No país novo, há dez anos independente, apagam-se os ressentimentos, diluem-se as recordações dolorosas de uma repressão temperada em sangue, de uma guerra pontuada de horrores. Não há mais, no planalto Maconde, o estremecer das explosões. E os xericos vol­taram a trilar por todo o vale do Miteda, onde a Nó Górdio chamejou. Moçambicanos e portugueses podem, enfim, olhar-se como irmãos.
Penso naquele grupo que, não há muitos anos ainda» se propunha levar a tribunal os responsáveis pela descolonização. E se um dia os moçambicanos reclamassem um outro Nuremberga, para julgar os crimes do colonialismo e levassem até ele, a depor, os muitos Burahirnos que ainda existem por todo o país?
Caro Guilherme de Melo:
- Se todos os Burahimos mentirem como este, que conheci pessoalmente e assim não contava a história, não sei o que restaria para o "seu" tribunal em Nuremberga?
……………………………………………………………………………………………Aproveito para copiar o que, em 23 de Setembro passado, escrevi no Moçambique na Web Jornal:
O Chefe do Posto à data do ataque chamava-se Felgueiras e estava com a família lá. Na hora do ataque não estava no posto pois tinha ido ao Messalo com 2 polícias e vários cipais. Só ficou no posto um polícia branco e vários cipais. Também lá moravam funcionários do posto, o Pinheiro e o Brandão, mais a família Alves. O enfermeiro chamava-se Tivane. O Cozinheiro era o Amade.
O Felgueiras pediu ao Governador para sair e foi temporariamente substituí-lo o Dias de Macomia. Talvez uma semana depois foi o Fonseca lá colocado que levou a mulher. Vindo de Portugal estava com eles o cunhado deste que foi quem, não uma semana, mas cerca de 3 semanas depois, foi morto quando passava junto ao Rio Messalo vindo do Monte Oliveiras. Vinham 3 pessoas no Jeep e ele ia no meio. As outras duas nada apanharam e ele levou um tiro entre os olhos, vindo a falecer já depois de evacuado.
Assim não foi o cunhado do Chefe do Posto da altura que foi morto, mas o cunhado do que o veio substituir.
Fernando Gil begin_of_the_skype_highlighting end_of_the_skype_highlighting
Aproveito para transcrever mais o seguinte:
… …
Ensina-nos a História da Frelimo que no desencadeamento da Luta Armada de Libertação Nacional, na noite do dia 25 de Setembro de 1964, foram mortas, pelo menos, duas pessoas, nomeadamente o Chefe do Posto Administrativo Colonial de Chai e o sentinela que guarnecia a residência do Chefe do Posto.
Alberto Joaquim Chipande, o autor do primeiro tiro dado no Chai naquela noite, tem vindo a afirmar e a reafirmar o que os livros da Frelimo ensinam sobre as consequências do primeiro tiro rumo à libertação.
Porém, hoje, quarenta anos depois, tudo indica que essa história do primeiro tiro não está lá muito bem contada, ou, pelo menos, não parece haver consenso sobre as consequências desse primeiro tiro, a julgar pela recente pesquisa levada a cabo pelo ARPAC (Arquivo de Património Cultural), instituição do Estado subordinada ao Ministério da Cultura.
De acordo com essa pesquisa, baseada em 35 entrevistas a pessoas “idosas e nativas de Chai” durante o ataque dos guerrilheiros da Frente de Libertação de Moçambique “nenhuma pessoa foi morta”.
“Uma semana depois do ataque, houve sim, uma morte. Tratou-se do cunhado do Chefe do Posto que, quando regressava do rio Messalo à busca de água de viatura, caiu numa emboscada” , refere o documento do ARPAC citado pela última edição do jornal “Horizonte”publicado na cidade de Pemba.
Quando esse relatório do ARPAC foi apresentado num seminário em Pemba, no passado dia 31 de Agosto, a reacção de alguns antigos combatentes foi de previsível fúria: “É uma grave ofensa histórica afirmar que no ataque de Chai ninguém morreu no dia 25 de Setembro de 1964. Esse relatório é medíocre e superficial pintado com aparentes cores políticas contemporâneas tendentes a deturpar a verdadeira história do povo moçambicano”.
Dentre as 35 pessoas entrevistadas pelo ARPAC figura o então cozinheiro do Chefe do Posto de Chai, identificado pelo único nome de Amade, o qual afirmou, igualmente, que o seu patrão não morreu naquele ataque.
Independentemente das lacunas que possa ter, a pesquisa do ARPAC tem o mérito de indagar uma “verdade absoluta”, um tabú da nossa História. Ao trazer à ribalta novos dados que questionam a história oficial, o ARPAC está a iniciar uma longa e penosa jornada ao passado recente, acto esse capaz de levar os moçambicanos mais corajosos a fazer outras e mais profundas indagações sobre muitas inverdades históricas tidas como “verdades absolutas”.
…..
A propósito: Que tem feito a ARPAC? Ainda existe?
Sobre o início da luta armada transcrevo, de 26 de Setembro de 2008:
Marcando o inicio da luta armada Chipande reitera ter disparado o primeiro tiro
- Reagindo algumas informações que dão conta que a luta de libertação nacional teria começado em varias frentes tornando se difícil saber quem teria disparado o primeiro
O General do exercito e antigo ministro da Defesa Nacional no primeiro governo de Moçambique independente, Alberto Chipande, reiterou ontem, ter sido ele que disparou o primeiro tiro que indicava o inicio da luta armada de libertação nacional contra o colonialismo português.
Chipande reagia assim às informações que têm circulado nos últimos anos que dão conta que a luta de libertação nacional teria começado em várias frentes, tornando-se difícil saber concretamente - quem teria disparado o primeiro tiro.
Na mesma ocasião, aquele antigo Ministro da Defesa Nacional considerou que as pessoas que propalam estas informações querem deturpar a historia nacional, e lançou igualmente um desafio à essas pessoas para apresentarem provas concretas que contrariam aquilo que sucedeu naquela noite de 25 de setembro de 1964.
Informações oficiais apontam que Alberto Chipande foi quem disparou o primeiro tiro a 25 de Setembro de 1964, no posto administrativo de Chai, distrito de Macomia, Província nortenha de Cabo Delgado, marcando o inicio da luta armada pela independência do País.
Concluindo:
Há dois anos atrás voltou a Macomia e ao Chai um antigo madeireiro da zona que, procurando por ele, encontrou ainda vivo, embora bastante idoso, este famoso cozinheiro do Administrador do Chai, testemunha destes acontecimentos que lhe voltou a confirmar que ninguém havia morrido devido à acção do grupo chefiado por Alberto Chipande. O que aliás, ainda nos anos sessenta, me confirmou pessoalmente.
Pergunto: Porque escreveu Guilherme de Melo e colocou na boca deste homem honesto palavras que, estou disso convencido, nunca disse? Veja-se o relatório da ARPAC.
Será tão tenebrosa a História da FRELIMO, enquanto “movimento ou frente”, que todos mentem a torto e a direito? Pelas recentes declarações do Gen. Gruveta parece que sim. Mas porquê? Ainda não tiveram tempo de” combinar” uma só versão? E onde estão os historiadores?

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