sexta-feira, 14 de março de 2025

O TEMOR DA GUERRA

Damiao Cumbane

2 d ·


O TEMOR DA GUERRA
Há 2 anos decidi fazer mais alguma coisa coisa, na minha terra de origem, sobre a qual alguns diriam " na terra natal dos meus pais", de modo que, quando lá tivesse de ir, não passasse muitos constrangimentos, como acontece com os outros que, tendo-se transformado em maputecos da periferia, ignoram ou esqueceram por completo as suas zonas de origem.
Afinal, todos gostam de ser de Maputo e se identificar com Maputo. Poucos se identificam com as suas terras ou províncias de origem, mesmo aqueles que vieram de machimbombo ou de chapa, quando já eram adultos, todos sentem-se bem quando de repente, nas suas cabeças entendem encaixar que são de Maputo e, se tiverem nascido efectivamente em Maputo, aí, a coisa piora. Livram-se de vez do cheiro provinciano e, como se diz, cada caso, é um caso. Não há soluções similares para problemas diferentes.
Também diria que nasci na longínqua Cidade de Lourenço Marques, no Hospital Central Miguel Bombada mas, por influência do meu malogrado pai, que sempre assumiu que era provinciano de Inhambane, onde fui passar algum tempinho com os meus avós maternos, antes de ingressar na escola, uma vez adulto, senti que sou mais de lá, do que de cá.
Ainda guardo memórias da única viagem em família que fizemos, para irmos passar as férias escolares em casa da vovó Cuambe. Não mais houve oportunidade igual, até os meus avós e meus pais viajarem para sempre, para lá de onde nunca ninguém regressou para nos contar o que se passa e como se vive.
Se passo mais tempo cá, na Towen de Maputo é por ser cá que tudo fiz para que acontecesse mas, isso não é bastante para que eu renuncie ou esqueça que, querendo, poderia ser mais de lá e não de cá.
Ora, uma coisa me apoquenta o juízo, de todas as vezes que vou para Inhambane:
Reparo com medo e receio, tudo o estou a fazer e projecto fazer nas terras dos meus ancestrais. Faço-o pensando ou com hesitações de que, a qualquer altura, neste país poça eclodir mais um conflito militar ou seja, mais uma fratricida guerra, com ou sem intensidade da guerra conduzida pela Renamo que ceifou mais de um milhão de moçambicanos, segundo estimativas e deitou à baixo tudo o que foi encontrado em pé.
É que sempre fico com a sensação de que os que nos governam, bem ou mal, já criaram e estão a aprimorar todas as condições que, à qualquer altura podem fazer com que acordemos à moda como Mocimboa da Praia e o Cruzamento de Awasse acordaram no dia 5 de Outubro de 2017 e, tudo o que fiz, o que estou a fazer e o que penso fazer, seja transformado em cinza ou em escombros.
Enquanto esse dia não chega, por motivos alheios aos nossos governantes, vou fazendo "algum algo" para que, de todas as vezes que eu lá decidir ir "dar uma volta", não passe necessidades ou vergonhas, à moda daqueles que, quando entendem ou algo lhes obriga a irem visitar às suas terras de origem, acabam viajando com tendas, "para irem acampar" num local onde eles próprios deveriam ter construido alguma coisa.
Noutros casos, o "provinciano" que de repente virou maputeco, quando sonha ir visitar a sua terra ou a terra de origem dos seus pais por falta de condições básicas, de hospedagem, de dia fica na aldeia e, à noite, tem de recolher à vila ou à sede do povoado, onde haja, um guest house ou pensão, para ir dormir ou passar a noite e, de manhã, regressar à aldeia para junto dos seus, passar o dia solar, até chegar a hora de regressar à terra dos miúdos, Maputo, onde além do quintal que lhes rodeia ou do apartamento no qual vivem num prédio aos pedaços, não têm mais nada, tendo centenas de hectares nas terras que, por ancestralidade, são suas.
Se estando em Maputo onde as pessoas fazem 45 quilómetros para irem para uma Não-Praia da Macaneta, eu, estando em Cumbana, para chegar às paradisíacas praias do litoral de Jangamo onde são, no máximo 25 quilómetros, porque é que vou precisar de ir hospedar numa guest houve, pensão ou algo acima?
Foi esse raciocínio que me levou a montar um pequeno domicílio por lá, para não sofrer, sempre que lá vou e, sempre que lá chego, chamo os meus para um ou mais dias de papo e, por essa altura, guardo longe as chaves do carro para andar de casa em casa, a pé, a ver o verde e a sentir o ar puro da paisagem campestre.
Entretanto, fico com pena ou medo do que estou a fazer e do que penso fazer pois, num ápice, tudo pode voar, caso a situação de conflitualidade desemboque num conflito armado.
É que, numa guerra, nós, as populações, é que sofremos das acções dos de cá e dos de lá.
Se não são os de cá a te roubar ou a vandalizar, os de lá o farão da vez deles pois, quererão saber, porque é que os deste lado não te roubam, não te sabotam, não destroem as tuas coisas?
Quando se chega a esse extremo, tu viras vítima de qualquer dos lados.
Na guerra é assim como as coisas funcionam, a população vira vítima de qualquer dos lados do conflito armado: se a tua casa não foi queimada ou destruída por estes de cá, é porque tu és colaborador deles e, é dessa forma, também pensam os de lá e vice-versa.
Como eu dizia, uns meses antes, os condimentos para a eclosão de um conflito armado, não os vejo distantes; estão prontos, por baixo do nosso nariz. Talvez falte fósforo e um pouco de gasolina mas, parece que se está a trabalhar arduamente para se ultimar os preparativos.
O país caminha rapidamente para a loucura.
Se os ânimos e as provocações não forem amainados, de repente, poderemos dar conta de que já é tarde demais.
Oxalá não apareça um louco com um pouco de gasolina e fósforo na mão. Quero continuar a viajar para a minha terra, sempre que puder e querer.




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30 comentários

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Iniciativa Casamocambique
E desta vez "os ventos" parece quererem soprar do sul. Daquela vez, os ventos sopraram "do norte".
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Henrique Wiliamo
Boa reflexão ilustre. Um abraço
Julio Ceu OS
O Haiti é aqui ao lado e ao que me parece, tudo o que lá se faz, nós estamos quase-quase , a copiar .
Jcarlos Zacarias
Excelente reflexão, sabe!quando vamos lá na zona onde jazem os ancestrais, até temos coragem de endagar "aqui ainda não mudou nada!" Como que de sozinho as coisas possam mudar sem a mão humana.
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Valdemiro Inácio Abel Bié
O texto está muito bom Dr, contudo pequenas revisões linguísticas para regular o prazer de leitura!
Viegas Zunguene
Chega! Já cavamos tanto que, se formos mais fundo, vamos bater na cabeça de algum operário do outro lado do planeta. Estamos a um passo de descobrir petróleo, mas nem para nós vai servir, porque até isso vão acabar vendendo por migalhas.
O país parece um carro desgovernado, com os mesmos motoristas de sempre, cegos e surdos ao GPS da realidade. Só que agora já nem estão a conduzir—estão é a empurrar o carro ladeira abaixo e a gritar que está tudo bem.
Por favor, desçam do volante! Emprestem-no a quem ainda enxerga a estrada, porque já chega de curvas cegas, buracos e acidentes premeditados. Não é pedir muito, só queremos chegar a algum destino que não seja sempre o fundo do poço.
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Emilio Alberto
Devido a arrogânçia de sucessivos governos da frelimo,estaõ criadas as condições por eles mesmo p eclosão de um conflito militar.as pessoas estão cansadas de ser caçados como ratos e,serem abatidas mortalmente porque saõ apoiantes do sicrano.como dizes só falta um louco mesmo com fósforos e, gasolina pois a lenha já está empilhada.
Samuel Miquisseni
Viva Dr. Damiao Cumbane , um homem lúcido e quase que Profeta. Sei que não é sua vontade decano, porém alguns homens fingem não verem que os actos preparatórios tendem a caminhar para actos executorios.
Não só, a vingança que se vive no solo pátrio, o ódio implantado, os métodos de segregação de convivência, nos fazem caminhar para um beco sem saída.
Isso me faz lembrar o filme do actor chines, Jet Lee, quando pequeno após ver um mestre golpeiando de forma fatal o seu Pai, aquilo lhe marcou e já crescido vingou-se. Porém, ai veio desabor da vingança " viu sua família toda aniquilada" dai que surge o ditado " a vingança gera vingança e faz com quem haja mais sangue.
O facto mais curioso é, onde estão os Pastores para urgentemente e de forma espiritual aconselharem-nos, que a Vida pertence a Deus e somente ele quem pode a tirar de nós.
NENHUM tem o direito de tirar a vida de um outro homem.
Que haja sabedoria nos homens, que saibam que somos todos irmãos, queremos na verdade construir, nascer e ver os nossos a crescerem.
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Justino Mussivame
É realmente importante buscar soluções pacíficas e dialogar para resolver diferenças. A guerra civil pode trazer muitas perdas e sofrimento para todos os envolvidos.
Estrela Neves
Boa reflexão👍👏👏👏, a arrogância vai nos levar ao abismo.
Dilermando Quive
 
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A dias estava numa conversa em que falavamos deste cenário em que parece que alguém ( sei lá quem ) está com pretensões de levar o país para o abismo ( directamente para uma guerra civil ).
É sabido que as guerras enriquecem algumas pessoas,
e acredito que talvez seja isso que se esteja a planear.
O país precisa de um "re-start". Q
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Moussa Sadique
Não há dúvidas. A prepotência, arrogância e imbecilidade da nata do dia não deixa equívocos. A face mais visível são os Alfaces da vida com seus discursos e apelos ao governo do dia em continuar com sua arrogância e irreverência.
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Mirex Dalaximiro Chivulele
Uma ótima reflexão pai, triste 💔😭🇲🇿 que vivemos nesse país 🇲🇿, intimidar alguma ala política não é bom, isto vai provocar guerra, os venancistas é que são persiguidos,nem aqueles qt roubaram ao país 🇲🇿 a disfilar por aí, porque pertence ao um glorioso partido?, Dói me alma
Harildo Tivass Tivass
Tenho medo do futuro...
Calton da Costa
Resumindo.
Arsenio Nhiuane Jose
Tudo dito.cabe á quem de direito,tiras as ilações e evitar o mal.
Mahangue Mutho Zozo
Viram que ja não tem como assegurar o poder através de eleições fraudulentas, a guerra é o único recurso para se manterem no poder.
Etilio Irchad
O país já tem todos ingredientes para a guerra e pelos vistos não falta muito tempo.
Jeremias Fondo
Dr.tihambele swilo swa Wena .
Edgar Manuel
Não entendi nada.
Noémia Xerinda
Queremos apreciar e desfrutar de cada canto desta nossa bela pátria em paz.
Kota Beirão
Tudo bem dito e detalhado com mestria. Oxalá que a minha geração não viva mais nenhuma guerra porque já as vivenciamos desde a colonial.
Rosario Samuel
O meu amigo e conterraneo Dr. Cumbane tem de procurar pensar positivo e tentar nao nos recordar sempre sobre a guerra. Ja que trouxe mais uma vez esse assunto, devo dizer e nao seria mentira que, qualquer guerra que eventualmente eclodir sera uma guerra importada por alguem de dentro a mando de um outdo alguem de fora, mas que este ultimo seria na verdade o verdadeiro dono dessa guerra. Foi assim no passado e Sera assim no presente assim ainda no futuro....portanto, nenhum mocambicano com lucidez e capaz de mobilizar qualquer tipo de guerra ou guerrilha a menos que por Procuracao e mandato alheio.
E de facto indicios muito fortes existiam, se bem que o Estado esteja ja empenhado em dissuadir e desmotivar isso. Nao se pode e nem se deve brincar nem testar o poder do Estado...!

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