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O TEMOR DA GUERRA
Há 2 anos decidi fazer mais alguma coisa coisa, na minha terra de origem, sobre a qual alguns diriam " na terra natal dos meus pais", de modo que, quando lá tivesse de ir, não passasse muitos constrangimentos, como acontece com os outros que, tendo-se transformado em maputecos da periferia, ignoram ou esqueceram por completo as suas zonas de origem.
Afinal, todos gostam de ser de Maputo e se identificar com Maputo. Poucos se identificam com as suas terras ou províncias de origem, mesmo aqueles que vieram de machimbombo ou de chapa, quando já eram adultos, todos sentem-se bem quando de repente, nas suas cabeças entendem encaixar que são de Maputo e, se tiverem nascido efectivamente em Maputo, aí, a coisa piora. Livram-se de vez do cheiro provinciano e, como se diz, cada caso, é um caso. Não há soluções similares para problemas diferentes.
Também diria que nasci na longínqua Cidade de Lourenço Marques, no Hospital Central Miguel Bombada mas, por influência do meu malogrado pai, que sempre assumiu que era provinciano de Inhambane, onde fui passar algum tempinho com os meus avós maternos, antes de ingressar na escola, uma vez adulto, senti que sou mais de lá, do que de cá.
Ainda guardo memórias da única viagem em família que fizemos, para irmos passar as férias escolares em casa da vovó Cuambe. Não mais houve oportunidade igual, até os meus avós e meus pais viajarem para sempre, para lá de onde nunca ninguém regressou para nos contar o que se passa e como se vive.
Se passo mais tempo cá, na Towen de Maputo é por ser cá que tudo fiz para que acontecesse mas, isso não é bastante para que eu renuncie ou esqueça que, querendo, poderia ser mais de lá e não de cá.
Ora, uma coisa me apoquenta o juízo, de todas as vezes que vou para Inhambane:
Reparo com medo e receio, tudo o estou a fazer e projecto fazer nas terras dos meus ancestrais. Faço-o pensando ou com hesitações de que, a qualquer altura, neste país poça eclodir mais um conflito militar ou seja, mais uma fratricida guerra, com ou sem intensidade da guerra conduzida pela Renamo que ceifou mais de um milhão de moçambicanos, segundo estimativas e deitou à baixo tudo o que foi encontrado em pé.
É que sempre fico com a sensação de que os que nos governam, bem ou mal, já criaram e estão a aprimorar todas as condições que, à qualquer altura podem fazer com que acordemos à moda como Mocimboa da Praia e o Cruzamento de Awasse acordaram no dia 5 de Outubro de 2017 e, tudo o que fiz, o que estou a fazer e o que penso fazer, seja transformado em cinza ou em escombros.
Enquanto esse dia não chega, por motivos alheios aos nossos governantes, vou fazendo "algum algo" para que, de todas as vezes que eu lá decidir ir "dar uma volta", não passe necessidades ou vergonhas, à moda daqueles que, quando entendem ou algo lhes obriga a irem visitar às suas terras de origem, acabam viajando com tendas, "para irem acampar" num local onde eles próprios deveriam ter construido alguma coisa.
Noutros casos, o "provinciano" que de repente virou maputeco, quando sonha ir visitar a sua terra ou a terra de origem dos seus pais por falta de condições básicas, de hospedagem, de dia fica na aldeia e, à noite, tem de recolher à vila ou à sede do povoado, onde haja, um guest house ou pensão, para ir dormir ou passar a noite e, de manhã, regressar à aldeia para junto dos seus, passar o dia solar, até chegar a hora de regressar à terra dos miúdos, Maputo, onde além do quintal que lhes rodeia ou do apartamento no qual vivem num prédio aos pedaços, não têm mais nada, tendo centenas de hectares nas terras que, por ancestralidade, são suas.
Se estando em Maputo onde as pessoas fazem 45 quilómetros para irem para uma Não-Praia da Macaneta, eu, estando em Cumbana, para chegar às paradisíacas praias do litoral de Jangamo onde são, no máximo 25 quilómetros, porque é que vou precisar de ir hospedar numa guest houve, pensão ou algo acima?
Foi esse raciocínio que me levou a montar um pequeno domicílio por lá, para não sofrer, sempre que lá vou e, sempre que lá chego, chamo os meus para um ou mais dias de papo e, por essa altura, guardo longe as chaves do carro para andar de casa em casa, a pé, a ver o verde e a sentir o ar puro da paisagem campestre.
Entretanto, fico com pena ou medo do que estou a fazer e do que penso fazer pois, num ápice, tudo pode voar, caso a situação de conflitualidade desemboque num conflito armado.
É que, numa guerra, nós, as populações, é que sofremos das acções dos de cá e dos de lá.
Se não são os de cá a te roubar ou a vandalizar, os de lá o farão da vez deles pois, quererão saber, porque é que os deste lado não te roubam, não te sabotam, não destroem as tuas coisas?
Quando se chega a esse extremo, tu viras vítima de qualquer dos lados.
Na guerra é assim como as coisas funcionam, a população vira vítima de qualquer dos lados do conflito armado: se a tua casa não foi queimada ou destruída por estes de cá, é porque tu és colaborador deles e, é dessa forma, também pensam os de lá e vice-versa.
Como eu dizia, uns meses antes, os condimentos para a eclosão de um conflito armado, não os vejo distantes; estão prontos, por baixo do nosso nariz. Talvez falte fósforo e um pouco de gasolina mas, parece que se está a trabalhar arduamente para se ultimar os preparativos.
O país caminha rapidamente para a loucura.
Se os ânimos e as provocações não forem amainados, de repente, poderemos dar conta de que já é tarde demais.
Oxalá não apareça um louco com um pouco de gasolina e fósforo na mão. Quero continuar a viajar para a minha terra, sempre que puder e querer.
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