quarta-feira, 18 dezembro 2024 09:24
VENÃOCIO*
Sou uma jovem moçambicana. Junto com tantos outros jovens, marchei pelas avenidas de Maputo. De punho no ar, gritei pelo seu nome: Venâncio, Venâncio! Gritei o seu nome contra os que roubam votos, contra os que roubam a riqueza do nosso país. Eu e todos esses jovens queríamos ter esperança. Queríamos um país em que os dirigentes se ocupassem, em primeiro lugar, dos mais jovens, dos mais pobres. Foi por isso que marchei e cantei e ergui a minha voz mesmo no meio de todo aquele gás lacrimogénio.
Depois de todos estes dias, porém, venho aqui confessar uma coisa: já não grito mais pelo seu nome. Já não consigo ouvir as suas lives. Peço a alguém que me resuma as suas novas ordens. E peço isso com angústia a apertar-me o peito. Com medo do que vai ser anunciado. Confesso, estou cansada. Estou cansada de ter de saber se, amanhã, posso ir trabalhar. Cansada de saber se o meu pai pode abrir a loja. Cansada de saber se a minha mãe vai ter, uma vez mais, que ter de ir pé para o hospital onde trabalha.
Uma pergunta, Senhor Venâncio Mondlane: aí onde o senhor está, nessa cidade da Europa, o senhor é obrigado a passar pelos sacrifícios que nos manda fazer a nós? Anda a pé, à procura das ruas que não estão barricadas, vai para casa com medo de não poder voltar? Não acredito. E é assim: o senhor exige ao “seu” povo sacríficos que não pede a si próprio.
Não é este o líder que a juventude precisa. Não é este líder que manda fechar as estradas. Que manda fechar fronteiras. Que manda fechar os portos e as minas. Que pensa que pode mandar em coisas sagradas como o Natal e as festas do Ano Novo. E agora todos nós assistimos às fábricas, repartições e infraestruturas queimadas, às lojas pilhadas, às empresas que entram na falência e despedem trabalhadores. O senhor está a destruir o país que querer governar. E já não pode continuar a culpar a má governação do país como razão para tanta raiva, tanto ódio, tanta destruição. A má governação anterior pede que se trate o país que está doente. E isto não é tratar. É matar o doente.
Por tudo isto, já perdi a crença. Já não grito mais pelo seu nome. Não preciso de um líder que nos usa como um escudo para a sua própria segurança. Não somos ovelhas, ensinadas apenas a ouvir e a obedecer. Temos ódio aos corruptos, mas temos ainda mais amor pela nossa pátria. O nosso hino nacional, esse que tanto cantamos nestes dias, é bem claro: em Moçambique não queremos nem tiranos, nem escravos. Nós não queremos passar de escravos de uns para escravos de outros.
Já o ouvimos. Já ouvimos até demais. Agora é a altura do senhor Venâncio nos ouvir. E nós dizemos: chega! Basta! Chega de raiva. Chega de ódio. Todos estamos a sofrer. Todos excepto os marginais que roubam, vandalizam e cobram nas barricadas. A empresa onde trabalho não paga os salários e anunciou que vai ter de fechar as portas. O senhor vai-me dar um novo emprego? Ainda estamos a pagar o escândalo das dividas ocultas. O senhor ainda não chegou a governar e já obrigou todo o país a contrair uma dívida de milhões. Uma dívida que nós, os sacrificados de sempre, teremos de pagar. A vida estava difícil. Agora está um caos. E amanhã vai ficar mais difícil.
Depois de todos estes dias, cheguei a uma conclusão: o senhor não luta por nós. Luta por si mesmo. Pelo poder. E faz isso com muita pressa e com pouca coerência. Um dia declara que não lhe interessa ter cargos no governo. No dia seguinte diz que só vai parar com a destruição quando for declarado presidente no próximo dia 15 de Janeiro. Tem pressa em chegar a presidente? Não nos use como degraus da sua escada. E seja mais coerente. O senhor declarou, perante todas as televisões, que seria o primeiro a marchar, sem colete anti-balas, à frente dos manifestantes. Agora quem dá o peito? São os jovens que ainda acreditam em si. Mas eu já me cansei. Não quero continuar a ser a ovelha. E, já agora, dou-lhe um conselho: quando for sujeito a outro “atentado” não nos use como moeda da troca. Não faça pesar sobre nós os sacrifícios que lhe cabem a si. Uma outra coisa, senhor Venâncio: todos os dirigentes políticos falam em nome de uma estrutura colectiva. Não o vejo a falar senão de si mesmo. Nem sequer menciona o partido “Podemos”. Esses pacotes de “4x4”, essas fases “Turbo” o senhor discutiu-as com o partido? Nunca há um “nós” nos seus discursos. E só “eu”, “eu”, “eu” do princípio ao fim. Não vemos no seu discurso um programa que possamos ler, discutir e opinar. Tudo são ideias avulso que parecerem terem surgido de uma noite mal dormida.
Quer saber, senhor Venâncio? Da próxima vez que eu me manifestar será em Quelimane. Porque ali estão dezenas de milhares de pessoas que marcham pelos outros e não contra os outros. Ali se marcha de modo para a cidade continue a trabalhar. Porque trabalhar, o senhor Venâncio talvez se tenha esquecido, mas trabalhar é um direito de todos nós. Vou marchar em Quelimane porque lá não intimidam os que não alinham nas marchas, não partem as infraestruturas, não criam um clima de incertezas e de medo. As marchas de Quelimane são uma festa.
Por tudo isto que expliquei, venho dizer, com muita mágoa, que estou profundamente desiludida. Mais do que isso: estou magoada por ter sido usada. Para a próxima vez que me vier à porta vai ouvir um NÃO. Venâncio? Isso foi antes. Agora, para mim, a resposta será “não”. Não, obrigado, senhor VeNÃOcio.
Assino só assim: “uma jovem que ainda quer ter esperança”. E uso um pseudónimo porque tenho medo. Sim, tenho medo da polícia que mata pessoas. Tenho medo das pessoas que matam polícias, Tenho medo da intolerância e da caça às bruxas daqueles que o seguem às cegas e que, amanhã, me vão atirar pedras apenas porque disse o que penso.
*Leitor devidamente identificado
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