domingo, 29 de dezembro de 2024

As raízes do fascismo segundo Trotsky

 

As raízes do fascismo segundo Trotsky

Nascidos das frustrações, da decadência social da pequena-burguesia e das camadas médias após uma guerra devastadora, o nazi-fascismo de Hitler e Mussolini levou a Alemanha e a Itália a uma guerra ainda pior, a que mais matou até hoje em toda a história da humanidade

O nazi-fascismo foi derrotado na pior guerra já conhecida pela humanidade. Na Alemanha e Itália estas palavras foram proibidas como denominação política.

No século XXI, no entanto, os movimentos europeus neonazifascistas se reciclaram. Deixaram de serem grupos saudosistas e se vincularam com o fenômeno de uma nova extrema-direita que mantém muitas das características fascistas, mas não todas.

O fascismo não pode ser generalizado para qualquer direita, mesmo que extremada. Os regimes ditatoriais, por exemplo, não são necessariamente fascistas, pois carecem do elemento de mobilização popular que foi típico do fascismo.

Na extrema-direita de hoje em dia, à exceção de extremistas como o norueguês Anders Behring Breivik, que explodiu um carro bomba em Oslo e matou dezenas de jovens a tiros no encontro da Liga de Juventude dos Trabalhadores (sessão estudantil do Partido Trabalhista norueguês) em 2011, o programa de extermínio das organizações de esquerda, dos sindicatos e dos movimentos sociais também é atenuado. O racismo deixa de lado o antijudaísmo e se reconcilia com Israel e o sionismo, mas encontra outros semitas, dessa vez os árabes, e outros povos asiáticos e africanos para discriminar como indesejáveis. O estatismo é substituído por uma aceitação pragmática da lógica dos mercados financeiros. Assim age, por exemplo, Marine Le Pen, do Front Nacional na França. Poucos são os que, como o partido Aurora Dourada, na Grécia, mantém o ideário neonazi quase sem camuflagem.

O caso brasileiro é peculiar, pois a extrema-direita aqui foi, inicialmente, um tipo local de fascismo, o integralismo de Plínio Salgado, e que já adotava, em lugar do nacional desenvolvimentismo, uma doutrina neoliberal. Nos diversos governos do regime militar houve certamente fascistas, mas não se pode caracterizar o regime político em si como fascista, mas sim bonapartista. Além da ausência do culto pessoal ao líder, os governos militares brasileiros mantiveram mesmo que estritamente controladas as instituições parlamentares, que o fascismo clássico sempre suprimiu.

Agora, no ano de 2018, a candidatura de Jair Bolsonaro, um capitão deputado abertamente neofascista, coloca em debate que tipo de regime político poderia se constituir em seu governo. Haveria um auto-golpe, a supressão do parlamento, dos partidos, dos sindicatos e dos movimentos sociais?

Diferentemente do fascismo clássico, inexiste uma organização orgânica em torno ao culto da liderança do capitão que se notabiliza pelo estilo truculento, pela ignorância, pela ameaça de fuzilamento dos adversários, pela misoginia, homofobia e racismo explícitos. O aspecto doutrinário também é muito escasso, mas a adesão do fundamentalismo religioso pode oferecer um novo estofo místico.

Antes de caracterizar as formas dos neofascismos contemporâneos e suas conexões com os fenômenos chamados de alt-right, “direita alternativa”, que influenciaram muito a eleição de Trump, nos Estados Unidos, é indispensável um olhar histórico para o que foi o fascismo clássico e como ele foi ou deixou de ser combatido.

Para isso, a publicação desse conjunto de textos de Leon Trotsky, escritos enquanto o fascismo crescia na Europa, é muito oportuna.

Fascismo clássico

O emblema do partido nacional fascista na Itália era o fascio littorioFascio, palavra italiana, se refere a um feixe de varetas em torno de uma estaca que sustenta uma machadinha, um símbolo do poder que desde o império Romano fez parte das armas do soldado de escolta das autoridades, chamado de lictor. O número de lictores dependia do posto em questão.

Estes lictores, oriundos da plebe e que serviam de guarda do poder, resumem bem o que é o fascismo: uma força recrutada nas camadas plebeias a serviço de um poder extremado dos ricos que impõe a ordem em uma sociedade desigual.

As formações paramilitares que se formaram após a primeira guerra mundial na Itália e que levaram Mussolini ao poder se chamaram fascio di combatimento, ou “feixes de combate”.

Em 1922, 40 mil “camisas negras”, que era como se uniformizavam essas milícias, cercaram Roma e tomaram o poder num golpe que impôs a nomeação de Mussolini como chefe do governo, do qual só sairia preso, 23 anos depois. O estatuto nacional do partido fascista, de 1932, se define no artigo primeiro como “uma milícia civil voluntária as ordens do Líder (Duce) ao serviço do Estado fascista” e a obrigação maior dos seus membros se resume ao lema “crer, obedecer, combater”.

Após a derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial (a Itália entrou tardiamente no conflito, contra a Alemanha e Áustria-Hungria, rompendo a Tríplice Entente que mantinha com elas), além da destruição geral, houve pesadas retaliações econômicas no Tratado de Versalhes que levaram à pior crise inflacionária e de desemprego já conhecida.

O Partido Nazista, cinco anos após a sua fundação, teve apenas 1,1% dos votos com o general Ludendorff, na primeira eleição presidencial da história da Alemanha, em 1925, vencida pelo marechal Hindenburg, da direita tradicional. Em 1930, após a crise da bolsa de 1929, teve 16% nas legislativas. Na presidencial, em 1932, Hitler saltou para 30% no primeiro turno e 36% no segundo turno. Quem ganhou, entretanto, foi novamente Hindenburg. Mas, em janeiro de 1933, o presidente Hindenburg chamou Hitler para chefiar o governo como chanceler. Um mês depois, ocorria o incêndio do Reichstag, e Hitler declarava uma lei de plenos poderes e abolia todos os demais partidos. Ao final do ano, faz eleições de fachada e o partido nazista obtém 92% dos votos. Seis meses mais tarde, em 30 de junho de 1934, massacrou os rivais internos ao partido, da milícia SA, na Noite das Longas Facas, assim como passou a prender e assassinar membros da oposição liberal, socialista e comunista, judeus, homossexuais, maçons, ciganos e toda a oposição. Em agosto, Hindenburg morre, tornando o Führer o único governante.

O fascismo italiano esteve no poder por 23 anos. O nazismo alemão por 12. O primeiro chegou ao poder por um golpe, o segundo, por eleições e, em seguida, por meio de um autogolpe em que adquiriu poderes ditatoriais.

Nascidos das frustrações, da decadência social da pequena-burguesia e das camadas médias após uma guerra devastadora, o nazi-fascismo de Hitler e Mussolini levou a Alemanha e a Itália a uma guerra ainda pior, a que mais matou até hoje em toda a história da humanidade.

 

A frente única antifacsista

Os textos que compõem o livro Como esmagar o fascismo foram escritos por um dos líderes da revolução russa, Leon Trotsky, banido de seu país e exilado na Turquia, na ilha de Prinkipo, enquanto ocorria o processo de crescimento do nazi-fascismo.

Ele critica a política desenvolvida pelo Partido Comunista alemão, o KPD, seguidor da linha de Moscou, que levava, na opinião dele, a uma derrota. A sua tese mais retomada ao longo dos textos de diferentes momentos é a de que foi a recusa da frente única com o Partido Social Democrata por parte dos comunistas que levou o nazismo a crescer. A estratégia que ele insiste em defender é a da frente única.

O objetivo mais característico de todos os movimentos nazifascistas desse período era o de buscar a destruição de todas as formas de organização partidária, sindical e social independente. Como escreve Trotsky, citando o italiano Ercoli: “a essência e a função do fascismo consistem em abolir completamente as organizações operárias e em impedir o seu restabelecimento”.

Para isso, outro traço comum é, já antes da chegada ao poder, desenvolverem milícias paramilitares como força de intimidação. Só quando chegam ao governo que passam a controlar diretamente as forças armadas. No caso alemão, a milícia da SA (Sturmabteilung “Destacamento Tempestade“), que ajudou na tomada do poder por Hitler, foi depois, em 1934, descabeçada com o massacre dos seus dirigentes.

O setor social que se constitui como base inicial da adesão a tais movimentos foi o da pequena-burguesia, especialmente desmoralizada após as crises econômicas que destruíram a Alemanha no primeiro pós-guerra, e setores desempregados e empobrecidos das classes média.

 

Neofascismo hoje

O surgimento desses movimentos políticos que destroem os movimentos sociais, sindicatos e as instituições da democracia liberal, como partidos, eleições e parlamento, impondo um sistema de partido único com elementos militarizados foi o resultado direto da pior crise e da mais sangrenta guerra vivida em muitos séculos na Europa e no mundo. A escolha de objetos de ódio como bodes expiatórios também é sempre um meio de criar uma tensão agressiva e discriminatória na sociedade.

Hoje em dia, vivemos em escala mundial os efeitos da última crise econômica e financeira de 2008, que aumentaram a desigualdade mundial e se agravaram pelas guerras do Iraque e da Síria, que causaram uma crise social de imigração. O fracasso dos partidos socialdemocratas na Europa, que executaram os mesmos planos de austeridade da direita e a fraqueza das propostas socialistas mais radicais de solidariedade internacionalista, ajudam a compreender o crescimento de uma onda neofascista europeia que reabilita parte do legado da época da segunda guerra. É reciclado o programa de racismo, xenofobia, militarismo e repressão aos movimentos sociais com novos partidos que obtém maior influência na Hungria, Polônia, Itália, Rússia, Ucrânia e até mesmo na Suécia. A eleição de Trump, nos Estados Unidos, também aumenta a conexão da chamada “direita alternativa” que ganha um enorme papel em seu governo.

No Brasil, os movimentos verde-amarelos que fizeram demonstrações de massa pelo impeachment de Dilma Roussef conviveram com pequenos grupos de militância neofascista, fundamentalista religiosa e até de velhos integralistas ou mesmo monarquistas. Nas eleições de 2018, pequenos partidos inexpressivos até então, como o PSL, elegeram grandes bancadas e ganharam governos de estado. O seu maior representante, Jair Bolsonaro, ganhou as eleições presidenciais.

Se é apenas o velho conservadorismo de uma burguesia escravista que retoma ascendência sobre o povo por meio de candidatos populistas militares que defendem o autoritarismo ou se há o surgimento de uma nova formação política de tipo fascista explícito ainda é uma questão em aberto.

O período entre-guerras do nascimento do nazi-fascismo clássico é muito diferente dos tempos atuais. O conflito inter-imperialista e o belicismo chauvinista que conduziram à guerra não se encontram agora. O ultraliberalismo austericida se tornou uma política global para aumentar a extração de rendas à custa de maior desigaldade, miséria e rebaixamento salarial. O parentesco ideológico do neofascismo global continua, entretanto, com suas afinidades supremacistas brancas, de machismo militarista, de pregação do extermínio de adversários e de grupos sociais estigmatizados e de defesa do privatismo contra qualquer tipo de reforma social distributivista ou compensatória.

Estudar a gênese do nazi-fascismo é indispensável para se compreender seu significado histórico, seu destino catastrófico na Europa e as suas reciclagens atuais, que é a única forma de se poder combatê-lo. As políticas adotadas pela esquerda, para Trotsky, foram errôneas na década de 1930 e tornaram mais difícil a luta contra a ascensão fascista.

O neofascismo contemporâneo dependerá para sua disputa pelo poder não apenas da credulidade das massas e da violência de suas ações, mas das respostas que os movimentos sociais darão ao seu crescimento, sobretudo quando ele chega a governar ganhando maiorias eleitorais.

 

*Henrique Carneiro é historiador. Este texto é o prefácio do livro Como esmagar o fascismo, lançado dia 2 de novembro pela Autonomia Literária.

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sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Dino rejeita explicação da Câmara sobre emendas e pede novas informações até as 20h desta sexta (27)

 retorno insuficiente


O ministro disse que, 'lamentavelmente', a petição não apresenta as explicações requisitadas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
 
Flávio Dino suspendeu o pagamento R$ 4,2 bilhões referentes a 5.449 emendas parlamentares de comissão - Gustavo Moreno/STF

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), não aceitou as explicações dadas pela Câmara dos Deputados sobre a aprovação das emendas indicadas por comissões. A petição em que a Casa pede reconsideração do bloqueio dos pagamentos foi enviada à Corte na madrugada desta sexta-feira (27). A informações, no entanto, foram consideradas insuficientes pelo ministro. 

Em um novo prazo, Dino determinou que as perguntas feitas pelo STF devem ser respondidas “objetivamente” até as 20h desta sexta. Para facilitar, as informações solicitadas foram elencadas em forma de questionário. 

“Lamentavelmente, da petição hoje protocolada pela Câmara dos Deputados não emergem as informações essenciais, que serão novamente requisitadas, em forma de questionário para facilitar a resposta”, disse o ministro em despacho encaminhado à Câmara.  

O ministro separou o assunto em quatro perguntas, que, no geral, pedem informações sobre a data em que as emendas foram aprovadas pelas comissões; se houve indicações adicionadas após as reuniões temáticas, por quem foram indicadas e quem aprovou; como a resolução de 2006 do Congresso Nacional que disciplina a Comissão Mista de Orçamento (CMO) determina o rito dessas emendas; e, por fim, onde estão as regras utilizadas pelo Congresso Nacional se não estiverem na resolução citada acima. 

Na decisão, Dino também afirmou que o STF tenta, desde agosto deste ano, “viabilizar a plena execução orçamentária e financeira, com a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade”. 

Porém, salienta Dino, a Câmara dos Deputados segue sem fornecer “as informações imprescindíveis, insistindo em interpretações incompatíveis com os princípios constitucionais da TRANSPARÊNCIA e da RASTREABILIDADE, imperativos para a regular aplicação de recursos públicos”, escreveu o ministro na decisão desta sexta. 

“Assim, caso a Câmara dos Deputados deseje manter ou viabilizar os empenhos das ‘emendas de comissão’ relativas ao corrente ano, deverá responder OBJETIVAMENTE aos questionamentos acima indicados até as 20h de hoje (dia 27 de dezembro de 2024), bem como juntar as atas comprobatórias da aprovação das indicações (ou especificações) das referidas emendas, caso existam”, concluiu o ministro. 

Resposta da Câmara recusada por Dino 

Mais cedo, a Câmara enviou as informações sobre a aprovação das emendas indicadas por comissões, conforme havia requisitado Flávio Dino na última segunda-feira (23).  

No documento, a Casa pediu a revogação da decisão que suspendeu a liberação das emendas. A Câmara argumenta que as atas de aprovação estão publicamente disponíveis online e que o processo seguiu a legislação vigente e interpretações jurídicas oficiais do Poder Executivo, refutando alegações de irregularidades.   

A resposta inclui justificativas para a suspensão temporária das reuniões de comissões e destaca o risco de prejuízos à saúde pública caso as medidas judiciais sejam mantidas. Por fim, a Câmara solicita a reconsideração da decisão judicial. “Todas as emendas indicadas no Ofício Geral foram tempestivamente aprovadas por reuniões das respectivas comissões, na devida forma regimental, documentadas em atas publicadas na internet”, diz um trecho do documento.  

Na segunda-feira, Flávio Dino suspendeu o pagamento R$ 4,2 bilhões referentes a 5.449 emendas parlamentares de comissão, as chamadas "RP-8", por entender que não houve, no processo de aprovação, as deliberações coletivas. A etapa é responsável por definir como o dinheiro será utilizado, a partir de critérios de transparência e rastreabilidade. Na mesma decisão, Dino pediu explicações à Câmara e determinou à Polícia Federal (PF) a abertura de um inquérito para investigar o caso. A decisão de Dino foi uma resposta a um pedido realizado pelo Psol.

Edição: Geisa Marques

Câmara responde a Dino e diz que líderes cumpriram lei sobre emendas


Ministro do STF deu prazo para mais explicações após bloqueio

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De acordo com a Câmara, liberação das emendas seguiu a tramitação correta conforme pareceres dos ministérios da Fazenda, do Planejamento e Orçamento, da Gestão, da Casa Civil e da AGU - Lula Marques/Agência Brasil

A Câmara dos Deputados enviou há pouco ao Supremo Tribunal Federal (STF) as respostas solicitadas pelo ministro Flávio Dino sobre o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão. Mais cedo, Dino deu prazo até as 20h para a Casa esclarecer o pagamento de emendas parlamentares, que estão suspensas por decisão do ministro.

No entendimento do ministro, a Câmara dos Deputados ainda não cumpriu as decisões da Corte que determinaram regras de transparência e rastreabilidade no repasse das emendas.

No documento enviado ao Supremo nesta sexta-feira (27), a Câmara dos Deputados alega que não havia previsão legal para que as indicações de emendas de comissão tivessem que ser votadas pelas comissões antes da Lei Complementar nº 210, de 2024, editada para cumprir as regras de liberação dos recursos.

De acordo com a Câmara, a liberação das emendas seguiu a tramitação correta conforme pareceres dos ministérios da Fazenda, do Planejamento e Orçamento, da Gestão, da Casa Civil e da Advocacia-Geral da União (AGU).

"Reitera-se a plena legalidade do procedimento adotado pelos senhores líderes do Congresso Nacional, tanto da Câmara dos Deputados quanto do Senado Federal, sob orientação jurídica dos ministérios", afirmou a Câmara.

Após receber as informações, Dino vai decidir sobre a suspensão das emendas.

Atas

Sobre a falta das atas das sessões das comissões para aprovação das emendas, a Câmara argumentou que a obrigatoriedade só será aplicada a partir dos orçamentos para os anos seguintes. 

"Não havia, até 25 de novembro de 2024, data da promulgação da Lei Complementar n. 210, norma que dispusesse a votação das indicações realizadas pelo Parlamento", alegou a Casa. 

Entenda

Em dezembro de 2022, o STF entendeu que as emendas chamadas de RP8 e RP9 eram inconstitucionais. Após a decisão, o Congresso Nacional aprovou uma resolução que mudou as regras de distribuição de recursos por emendas de relator para cumprir a determinação da Corte.

No entanto, o Psol, partido que entrou com a ação contra as emendas, apontou que a decisão continuava em descumprimento. 

Após a aposentadoria da ministra Rosa Weber, relatora original do caso, Flávio Dino assumiu a condução do processo.

Em agosto deste ano, Dino determinou a suspensão das emendas e decidiu que os repasses devem seguir critérios de rastreabilidade. O ministro também determinou que a Controladoria-Geral da União (CGU) auditasse os repasses dos parlamentares por meio das emendas do orçamento secreto.

Edição: Carolina Pimentel


Trump anuncia embaixador do Panamá e presidente do país afirma que 'não tem nada que conversar' com os EUA

 


'O canal é panamenho e dos panamenhos, não existe possibilidade de abrir qualquer tipo de conversa', disse Raúl Mulino

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
 
Presidente do Panamá Jose Raul Mulino (esquerda) e o líder eleito dos EUA, Donald Trump - AFP

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump anunciou nesta quinta-feira (26) o nome do novo embaixador do país no Panamá e reiterou suas ameaças de tomar do país a operação comercial do Canal do Panamá. “Tenho o prazer de anunciar que Kevin Marino Cabrera será o embaixador dos Estados Unidos na República do Panamá, um país que está nos roubando o Canal do Panamá”, disse

No sábado, Trump ameaçou retomar o controle do canal caso o preço dos pedágios para os navios dos EUA não fosse reduzido, apesar de a tarifa paga pelos navios ser determinada pela sua capacidade e carga transportada, e não pelo país de origem.

Construído pelos Estados Unidos e inaugurado em 1914, essa via comercial foi transferida para as mãos panamenhas em 31 de dezembro de 1999, em virtude de tratados assinados em 1977 pelo então presidente americano Jimmy Carter e pelo líder nacionalista panamenho Omar Torrijos. Atualmente, o canal é um dos pontos comerciais mais importantes e uma fonte de receita considerável para o Panamá, que investiu muito em sua expansão.


Controle do canal foi retomado pelo Panamá em 1999 / AFP Photo / Autoridade do Canal do Panamá

Em uma mensagem de Natal publicada em sua conta no X, o presidente eleito dos EUA desejou "feliz Natal a todos, incluindo os maravilhosos soldados da China, que estão amorosamente, mas ilegalmente, operando o Canal do Panamá (onde perdemos 38 mil pessoas em sua construção há 110 anos), sempre garantindo que os EUA coloquem bilhões de dólares em dinheiro para ‘reparos’, mas não terão absolutamente nenhuma palavra a dizer sobre ‘nada’ (sic)”, disse Trump.

presidente do Panamá, José Raúl Mulino, rebateu o republicano nesta quinta-feira (26) e afirmou que não negociará nenhuma mudança com os Estados Unidos em relação ao canal interoceânico em seu país. Mulino também descartou reduzir o preço dos pedágios para os navios americanos no canal e negou que a China tenha qualquer influência nessa via de 80 km de extensão.

"Não existe nenhuma possibilidade, por parte deste presidente, de discutir algo que busque reavaliar a realidade jurídico-política do Canal do Panamá nas mãos dos panamenhos. Se essa for a intenção da conversa, não há nada o que conversar", declarou Mulino em sua coletiva de imprensa semanal.

"O canal é panamenho e dos panamenhos, não existe possibilidade de abrir qualquer tipo de conversa sobre essa realidade, que custou lágrimas, suor e sangue ao país", acrescentou.

Mulino também rejeitou qualquer alteração nos pedágios nesta quinta-feira."No canal, os pedágios não são definidos ao gosto do presidente nem do administrador [da via interoceânica]. Existe um processo estabelecido para fixar os pedágios do canal, que tem sido respeitado desde o primeiro dia até hoje, sendo um processo público e aberto", afirmou.

"Não há absolutamente nenhuma interferência ou participação chinesa em nada relacionado ao Canal do Panamá (...); não há soldados chineses no canal, pelo amor de Deus", disse Mulino. Podem ser temores geopolíticos que tenham alguma validade na perspectiva deles, mas no que diz respeito ao Panamá, isso não tem absolutamente nenhuma veracidade", concluiu.

*Com Telesur e AFP

Edição: Leandro Melito

Mais do mesmo no governo Lula 3: menos não é mais

 


Apesar de avanços econômicos, austeridade ameaça crescimento, inclusão social e aprovação do governo

Rio de Janeiro (RJ) |
 
Desafios econômicos e escolhas fiscais marcam o terceiro mandato do petista - Rafa Neddermeyer/ Agência Brasil

O presidente Lula chega à metade do seu terceiro mandato apresentando excelentes resultados econômicos que, no entanto, não se traduzem em números tão positivos a respeito de sua popularidade. Para além de uma – em certa medida correta – autocrítica à comunicação do governo, o caminho escolhido vai na direção de uma austeridade que não irá melhorar a popularidade do presidente, e ainda implicará desaceleração econômica, ameaçando a continuidade do seu projeto político. 

Os números positivos da economia são incontestáveis. A taxa de crescimento do PIB mais que dobrou em 2023 e 2024 em relação à média observada entre 2017 e 2022, em larga medida embalada pelo expansionismo fiscal. Este foi causado principalmente pela PEC da Transição, pelos gastos com precatórios e pela expansão dos dispêndios obrigatórios, dados os substanciais aumentos do salário mínimo. E com maiores taxas de crescimento o desemprego tem caído continuamente, atingindo níveis historicamente baixos, ainda que ao mesmo tempo se observe um intenso processo de precarização do trabalho. 

A inflação, por sua vez, encontra-se controlada, tendo ficado dentro do intervalo da meta em 2023 e provavelmente ficando ligeiramente acima do teto em 2024, impactada pela disparada do dólar e por choques de oferta no setor agropecuário. Tais choques, se não podem ser evitados, podem ao menos ser mitigados com recurso aos estoques reguladores, retomados em 2023 após seis anos de abandono. A evolução do dólar, por outro lado, é fortemente influenciada pela atuação do Banco Central (BC). Ocorre que, do início de 2023 até meados de 2024, o BC reduziu drasticamente sua intervenção no mercado de câmbio (por meio da venda de dólares ou de contratos de swap cambial), permitindo uma forte desvalorização do Real. 

Com a disparada do dólar, há pressão sobre a inflação, e o BC se vê induzido a elevar os juros. Esta elevação atrai dólares e tende a segurar a cotação da moeda. Apesar de o discurso oficial do BC ser o de combate à inflação pelo desaquecimento da demanda, é pelo canal do câmbio que ele atua principalmente, dada a importância deste na evolução dos preços. Não à toa, os anos em que a inflação excedeu a casa dos 10% neste século (2002, 2015 e 2021) foram marcados por fortes desvalorizações cambiais.  

Para que haja uma tendência de inflação de demanda, é preciso que a economia esteja em seu limite, sem capacidade de aumentar a produção. Ou seja, que todo capital (meios de produção, como máquinas e equipamentos) esteja no seu grau máximo de utilização e que toda a mão de obra já esteja sendo empregada. Ocorre que a capacidade instalada não está sendo plenamente utilizada, e que é possível expandi-la: o capital pode ser produzido pela economia e/ou importado. Também não é razoável falar em escassez de mão de obra – a não ser pontualmente em determinados setores – em um país onde a taxa de participação (percentual da população em idade ativa que está na força de trabalho) situa-se na casa dos 62% e no qual cerca de 40% da mão de obra empregada está na informalidade. Tem-se, assim, um enorme reservatório de mão de obra que poderia passar a participar do mercado de trabalho ou ser absorvido pelos setores formais.  

Seja qual for a causa da inflação, como uma quebra de safra ou um choque no preço do petróleo, o BC eleva os juros, como se esta medida dura (que implica desaquecimento da economia, concentração de renda e deterioração das contas públicas) servisse para todos os tipos de inflação. Não bastasse essa forma míope de atuação da autoridade monetária, o Brasil ainda conta com uma das taxas de juros reais mais altas do mundo. Se o BC independente atua claramente na direção de desacelerar a economia, resta a ferramenta da política fiscal para ser usada pelo governo para estimular o crescimento. Foi o que ocorreu em 2023 e 2024. 

É neste contexto que se chega à guinada na política fiscal, conforme o famigerado arcabouço fiscal vai limitando a política econômica. À exemplo de 2015, o governo cede às pressões do mercado financeiro e contraria as promessas de campanha, não só contendo a expansão dos gastos, como focando a contenção nas remunerações/transferências das parcelas mais vulneráveis da população: trabalhadores de mais baixos salários, aposentados e pessoas com deficiência. 

Assim como foi feito com os militares, o governo evita o enfrentamento com o mercado financeiro, desacelerando de forma voluntária seus gastos, o que impactará diretamente o crescimento econômico e as populações mais necessitadas. Isto obviamente vai se refletir em piora na popularidade do governo. Além disso, como o terrorismo da grande mídia nas últimas semanas tem demonstrado, as medidas anunciadas são sempre vistas como insuficientes, o que gera mais pressão por mais austeridade. Nós já vimos esse filme antes e o final não é bom. 

*Luciano Alencar é doutor pelo Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

Edição: Thalita Pires