Luanda - O discurso recente de João Lourenço na 19.ª Cúpula do G20, no Rio de Janeiro, Brasil, trouxe à tona uma narrativa cuidadosamente elaborada sobre o combate à fome e à pobreza. Com uma postura aparentemente progressista, o Presidente angolano destacou a importância da agricultura sustentável, políticas estruturais e a erradicação da fome como uma prioridade global.
Fonte: Club-k.net
No entanto, estas declarações entram em profundo contraste com as suas palavras e acções, evidenciando uma contradição preocupante no que toca à seriedade com que aborda este flagelo em Angola.
Em Dezembro de 2021, pouco depois de ser reeleito como presidente do MPLA, João Lourenço proferiu uma frase que marca negativamente os seus dois mandatos: "A fome é relativa".
Esta afirmação, feita num momento em que milhões de angolanos enfrentam dificuldades extremas para garantir uma refeição diária, revela a insensibilidade do Titular do Poder Executivo e do seu governo que nega até um simples pão seco e uma "cabuenha" aos centenas de pessoas que perecem de fome em quase todos cantos de Angola.
Importa realçar que o Presidente ironizou a palavra "fome", tratando-a como uma ferramenta de retórica política utilizada pelos seus adversários políticos, o povo sofre. E hoje, os contentores de lixo virou supermercados ou mesmo o refeitório de milhares de angolanos famintos, sobretudo em Luanda.
A incapacidade de reconhecer a gravidade do problema – que vai além da "falta de poder de compra" mencionada por ele – coloca em causa a sua empatia e compromisso real com aqueles que mais necessitam.
Na sua intervenção no G20, João Lourenço destacou iniciativas como o programa Kwenda, comparando-o ao "Bolsa Família" do Brasil, como exemplo do que o governo angolano tem feito para mitigar a pobreza. Porém, a realidade mostra que tais iniciativas, embora bem-intencionadas, são insuficientes para atacar as raízes da fome no país.
O programa Kwenda é uma solução paliativa, que apenas distribui recursos mínimos - que nem chega para comprar todos os produtos que constituem a cesta básica - para populações em situação de vulnerabilidade extrema.
Em contraste, o próprio Presidente enaltece o investimento na agricultura como a chave para alcançar segurança alimentar. Mas, se o potencial agrícola de Angola é tão vasto, como afirma João Lourenço, porque razão o país continua a depender fortemente da importação de bens alimentares?
A disparidade entre o discurso e a acção torna-se evidente quando, ao invés de estruturar políticas que garantam a autonomia alimentar, as populações são deixadas à mercê de programas assistenciais politizadas pelo seu governo (e o seu partido MPLA) que pouco mudam a sua realidade.
Outro ponto de crítica reside no facto de João Lourenço utilizar cenários internacionais para enaltecer supostos esforços do governo angolano, que ninguém vê, enquanto internamente nega a gravidade da crise.
Ao afirmar que a fome não é exclusiva dos países em desenvolvimento, tenta diluir a responsabilidade do seu governo, evitando um olhar introspectivo sobre o que realmente tem sido feito – ou deixado por fazer – para combater o problema.
A retórica de João Lourenço, que procura alinhar-se com metas globais como a Agenda 2030 da ONU e a Agenda 2063 da União Africana, esbarra na falta de políticas concretas e resultados visíveis em Angola.
O discurso de sustentabilidade e investimentos estratégicos não se reflecte na vida quotidiana das populações que ainda enfrentam insegurança alimentar, desemprego em massa e pobreza extrema.
O combate à fome não pode ser tratado como um jogo político ou uma questão de retórica. Requer sensibilidade, como o próprio Presidente afirmou no G20, mas, acima de tudo, requer acção consistente e compromisso genuíno.
João Lourenço não pode continuar a descrever um quadro idealista de Angola em palcos internacionais enquanto, no terreno, as iniciativas são insuficientes, a agricultura carece de investimentos reais e milhões de angolanos sobrevivem sem o básico.
A fome, senhor Presidente, não é relativa. É real, palpável e urgente. Enquanto não houver coerência entre o discurso e a prática, as palavras sobre "potencial agrícola" e "futuro promissor" não passarão de promessas vazias.
Tenho dito!
*Jornalista, Jurista, Defensor dos Direitos do Consumidor e Activista dos Direitos Humanos
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