quinta-feira, 20 de julho de 2023

A reação da Eurásia

 

A reação da Eurásia: cooperação militar entre Rússia e China como contraponto à ameaça do Ocidente

Presidente russo, Vladimir Putin ( à direita), e o líder chinês, Xi Jinping, durante almoço no Kremlin, Rússia, 21 de março de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 20.07.2023
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Com o Ocidente a cercar a Eurásia, tanto no Pacífico como na Europa, Moscou e Pequim dão um sinal claro de que estão dispostas a defender seus interesses estratégicos vitais.
Assim, por exemplo, as forças navais de China e Rússia se preparam para a realização de exercícios conjuntos no mar do Japão (também conhecido como mar do Leste), em mais uma demonstração de cooperação militar entre os dois países.
Não é de agora, no entanto, que russos e chineses têm fortalecido sua cooperação política e militar. Em verdade, a realização de consultas militares entre China e Rússia datam do começo da década de 1990, quando o então ministro da Defesa chinês Qin Jiwei visitou Moscou com o intuito de estabelecer relações oficiais entre os militares dos dois países.
Já no começo dos anos 2000, com a assinatura do Tratado de Boa Vizinhança, Amizade e Cooperação, China e Rússia prometiam estabelecer consultas regulares em situações de ameaça à sua segurança e integridade territorial. Tais mecanismos consultivos entre os ministérios da Defesa visavam garantir um fluxo regular de informações entre os oficiais militares, auxiliando na formulação de "entendimentos comuns" a respeito de questões-chave da política regional e internacional, como era o caso com as alianças dos Estados Unidos na Ásia-Pacífico e a expansão da OTAN no continente europeu.
Ministério da Defesa da Rússia na terça-feira, 18 de abril de 2023, o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, à esquerda, e o ministro da Defesa da China, general Li Shangfu, participam de uma cerimônia antes das negociações entre os chefes dos ministérios militares da Rússia e da China , em Moscou - Sputnik Brasil, 1920, 27.06.2023
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Outro ponto importante a ser mencionado, no art. 2º do mesmo Tratado, China e Rússia também prometem abdicar do recurso – ou ameaça do recurso – à força em suas relações bilaterais, excluindo-se também o uso de sanções econômicas um contra o outro. Este é um verdadeiro marco nas relações políticas dentro da Eurásia, dado que exclui a possibilidade de surgimento de qualquer tipo de confrontação direta entre Moscou e Pequim.
Ainda de acordo com o documento, as relações sino-russas baseiam-se em cinco princípios fundamentais: mútuo respeito à soberania e integridade territorial dos Estados, não agressão, não interferência em assuntos internos, igualdade política e coexistência pacífica. Estes mesmos princípios, conhecidos como "Cinco Princípios da Coexistência Pacífica", também estão presentes no preâmbulo à Constituição da República Popular da China e servem como amparo fundamental para a cooperação entre chineses e russos desde então.
Nesse mesmo espírito foi que, em 2005, Rússia e China conduziram seu primeiro exercício militar conjunto, intitulado Missão de Paz e que envolveu cerca de 10 mil soldados. Propagado como um exercício voltado para ações de "contraterrorismo", o uso de bombardeiros de longo alcance e atividades de bloqueio aéreo e naval mostraram que os objetivos do exercício eram mais ambiciosos do que o inicialmente divulgado.
Em 2012 China e Rússia participaram de novos exercícios militares, dessa vez intitulados de Mar Conjunto (ou Joint Sea), visando alcançar uma melhor coordenação entre suas marinhas. Era o início de uma nova etapa no aprofundamento da cooperação bilateral no âmbito militar pelos chineses e russos.
Durante o exercício Mar Conjunto de 2014, por exemplo, as atividades foram ampliadas para incluir a defesa de navios de guerra em ancoragem e o transporte e resgate de navios capturados. Por fim, o Mar Conjunto de 2015 tornou-se o maior exercício já realizado pela Marinha chinesa junto de uma marinha estrangeira em toda a história do país, e incluiu o comando de navios de guerra no mar Mediterrâneo, considerado como uma zona de influência da OTAN.
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Acompanhada por essa maior interação no segmento militar, as relações entre Rússia e China nos últimos anos também testemunharam significativa ampliação no ramo econômico. Vale lembrar que, desde a chegada de Vladimir Putin ao poder no começo dos anos 2000, a construção de infraestruturas de transporte de petróleo e gás conectando os dois países tornou-se um dos principais fatores nesse processo de alinhamento sino-russo na Eurásia.
Segundo dados recentes da administração alfandegária chinesa, nos primeiros seis meses desse ano a Rússia liderou os suprimentos de petróleo à China, ultrapassando a posição da Arábia Saudita. Vemos então que a maior interação no âmbito militar veio acompanhada também por uma relação benéfica de complementaridade econômica entre os dois países.
Ademais, o recente redirecionamento das commodities russas do mercado europeu para os mercados asiáticos tem sido fundamental para Moscou, sobretudo após as sanções ocidentais aplicadas ao país em 2022. Dadas as promessas da União Europeia de diminuir sua dependência do gás e do petróleo russo, a parceria comercial Rússia-China (assim como a parceria Rússia-Índia) adquiriu ainda mais importância geopolítica para Moscou, ao mesmo tempo em que representa um novo tempo econômico para a Eurásia.
Bandeiras russa, esquerda e chinesa sobre uma mesa antes de uma cerimônia de assinatura no Grande Salão do Povo em Pequim, sexta-feira, 8 de junho de 2018. A cooperação entre a Rússia e a China está em alta, disse o presidente russo Vladimir Putin seu homólogo chinês, Xi Jinping, em uma reunião na sexta-feira antes de uma cúpula com seus dois países e seis estados asiáticos. - Sputnik Brasil, 1920, 15.06.2023
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Voltando ao âmbito militar, a Rússia trata-se de um importante exportador de equipamentos e tecnologias tanto para chineses como para indianos. Em 2018, por exemplo, a Rússia forneceu à China modernos sistemas de defesa antiaérea S-400. Trata-se do mesmo sistema implantado pela Rússia na Síria em 2015 e vendido para a Turquia em 2019. Já em 2020 e 2021, tais sistemas foram adquiridos justamente pela Índia.
É importante notar que: durante toda a década de 1990 e boa parte dos anos 2000 as vendas de armamento russo à China representaram aproximadamente 80% do total das importações realizadas por Pequim. Logo, novamente testemunhamos que essa maior cooperação comercial-militar serviu como um dos principais alicerces para o fortalecimento das relações políticas entre Rússia e China. Para os chineses a aquisição de armamentos da Rússia serviu como forma de equipar e modernizar suas Forças Armadas, que hoje têm causado preocupações em diversos círculos ocidentais e sobretudo na OTAN.
Afinal, é preciso lembrar também que: nos primeiros meses desse ano, o próprio secretário-geral da Aliança Atlântica, Jens Stoltenberg, ao visitar Japão e Coreia do Sul, deixou claro que a OTAN vê com preocupação a aproximação entre a Rússia e a China nos últimos tempos. Para Stoltenberg, a parceria sino-russa representa um desafio e uma ameaça aos valores, aos interesses e à segurança dos países da OTAN.
Ora, foi a própria expansão da OTAN na Europa e as alianças estadunidenses na Ásia-Pacífico que cercaram militarmente Moscou e Pequim desde a segunda metade do século passado. Esperar que Rússia e China fossem fechar os olhos eternamente para essa realidade é um sinal de muita ingenuidade ou então de simples má-fé. Toda ação tem uma reação. E a reação da Eurásia se dará exatamente pela maior cooperação política, econômica e militar de russos e chineses.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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