Como se implantou o jihadismo em Moçambique?
Por Ana Teles
O processo de implantação do movimento extremista violento, até ao primeiro ataque armado, revela uma estratégia que ainda hoje é possível verificar no alargamento da influência do Al-Shabaab às províncias de Nampula e Niassa, com a implantação de células religiosas e só posteriormente de células militarizadas.
Com ataques desde outubro de 2017, o Ocidente desperta agora (com a morte de estrangeiros e a retirada da Total) para o problema que tem assolado o Norte de Moçambique, com células militarizadas desde o final de 2015. Atualmente com mais de 759 ataques atribuídos ao Al-Shabaab (movimento que jurou lealdade ao Daesh), com mais de 2500 mortos, dos quais mais de 1340 civis, o extremismo violento está longe de ser uma novidade para a população moçambicana. Com já mais de 700 mil deslocados internos, persiste a pergunta: como se implantou o jihadismo em Moçambique?
Os nomes dos intervenientes serão substituídos pelas iniciais de forma a retirar qualquer tipo de notoriedade ou glorificação destes indivíduos.
Este é um problema que foi importado (nomeadamente da Tanzânia), que beneficiou da exploração das fragilidades daquela região. Com efeito, a prática ilegal normalizada, nomeadamente o tráfico de ouro e bens para venda no designado comércio informal (elucidativo do discurso normalizado desta prática), porosidade das fronteiras, identidade de grupo percebida como ameaçada, pobreza extrema, falta de coesão territorial, fraco efetivo de elementos das forças e serviços de segurança e defesa, uma identidade regional superior à nacional, sendo que a própria língua mais falada na região – kiswahili – aproxima mais a população da zona transfronteiriça (com a Tanzânia e Quénia) do que do poder central e pela admiração que os Imãs provenientes da Tanzânia tradicionalmente recebem por parte do povo que habita o Norte de Moçambique, pela sua capacidade de retórica. Contudo, não é possível afirmar que a sua liderança é exclusivamente estrangeira, com diversos interlocutores oriundos do Norte de Moçambique.
Numa análise retrospetiva, é possível identificar a manifestação do Al-Shabaab no distrito de Balama ainda em 2007, apenas na sua vertente religiosa, pelas mãos do sheik S.R. quando regressou dos seus estudos na Tanzânia. Pediu autorização para formar o seu local de oração em maio de 2007.
A.I., localmente tratado como Amir ou líder, é natural de Cogolo, filho de um sheik local, homem de negócios respeitado na comunidade e comerciante de peças motorizadas que trazia da Tanzânia. Terá aderido ao movimento por influência dos sheiks A.S. e A.M., líderes espirituais tanzanianos com quem se terá cruzado nas suas viagens de negócios. A.I. liderava espiritualmente cerca de 15 jovens no final de 2015, sendo que em novembro de 2015, segundo diversas reportagens publicadas pelos jornais locais, terá havido uma insurgência por parte de extremistas que leva à destruição das bebidas alcoólicas na localidade de Pangane, distrito de Macomia. A rejeição e apupos do líder local era uma constante, pois era Makonde e cristão, revelando o total desrespeito e desprezo pelas estruturas governamentais locais e centrais.
Em junho de 2016 há relatos da invasão de uma mesquita em Intutupué, por jovens vindos de Chiúre. Dois meses depois, o Posto Administrativo de Quilterajo reporta elevadas taxas de desistência da Escola Primária Completa de Pequeué, para ingressarem nas madraças. Em outubro desse ano, a população de Cogolo revolta-se contra o Al-Shabaab, destruindo a mesquita de A.I. e, em dezembro, o distrito de Macomia reconhece a presença deste movimento extremista violento, solicitando a intervenção governamental, que desvaloriza o que atribui a uma rivalidade entre ramos islâmicos.
Em maio de 2017 são detidos alguns indivíduos em Quissanga por desinformação, desrespeito ao Estado e pregação do Islão radical e em junho é reportada a detenção de três indivíduos da seita Al-Shabaab, no distrito de Macomia, com um apelo por parte do chefe da localidade de Pangane aos bairros circundantes para não se deixarem influenciar. No entanto, um mês depois a polícia de Macomia vem negar a existência do Al-Shabaab. Neste tempo todo, as constantes ameaças de fechar a Escola Primária Completa de Intutupué. A 5 de outubro de 2017 ocorre o primeiro ataque de grandes dimensões protagonizado por este movimento.
Não admira, portanto, o grande conhecimento que estes elementos têm do terreno, nem a existência de uma base em 2019 nas matas de Cogolo, entre o rio Messalo e o Posto Administrativo de Chai, entretanto desmantelada pelas FDS (Forças de Defesa e Segurança) moçambicanas com apoio da comunidade local.
Há relatos de micro-créditos concedidos aos jovens, para iniciarem os seus negócios, com o apoio financeiro de A.A.M., S.M. e A.S.M., todos naturais de Mocímboa da Praia. Mas há também o relato de casamento arranjados, por forma a permitir uma maior infiltração e aceitação por parte da comunidade local, pois assim passariam a fazer parte de famílias respeitadas e conceituadas da região.
Esta análise do processo de implantação do movimento extremista violento, até ao primeiro ataque armado, revela uma estratégia que ainda hoje é possível verificar no alargamento da influência do Al-Shabaab às províncias de Nampula e Niassa, com a implantação de células religiosas e só posteriormente de células militarizadas. Esta dinâmica de recrutamento e alargamento de influência, bem como a escalada de violência, merece também reflexão, que se pretende em breve.
In https://www.publico.pt/2021/04/02/opiniao/noticia/implantou-jihadismo-mocambique-1956917
Posted on 02/04/2021 at 22:58 in Cabo Delgado - Ataques e incidências, Opinião | Permalink
Caro Frank,
Agradeço-lhe pela sua postagem dos "links' relacionados com a matéria em tela!
Várias opiniões, que convergem para um mesmo problema, desnudando a incapacidade da Frelimo de lidar com os factos em ocorrência na região norte de Moçambique.
Como entender, que um país que destinou milhões de dólares para a compra de embarcações, essas que nunca mostraram sua utilidade ao país? E o "roubo" decorrente dessa tramóia, que até hoje está gritando pelos autores? Moçambique não é nem nunca foi um país sério!
Suas terras são promissoras para a redenção da sua economia e seu povo: tem níquel, ouro, carvão, diamantes, madeira (com reserva), fauna, e... TERRA AGRICULTÁVEL, COMPARÁVEL COM A TERRA DO BRASIL: "em se plantando, tudo dá" ! Mas o país é POBRE em patriotismo e lhe rareia o "homem" na acepção da palavra! Faltam "homens" em Moçambique, e sobram crápulas, ladrões, lagalhés e vís palhaços!
Voltando ao assunto, digo que afastem esse sonho de uma "intervenção armada" da ONU nos conflitos que espoucam no Norte! A ONU não é para isso, tem suas regras, sua competência firmada. APESAR DE ESTAR "MAL AFAMADA", NÃO É UM SIMPLES JOGUETE PARA A DIVERSÃO DE TÍTERES! O caso de Moçambique é puramente de "economia interna", ou seja, não é um conflito bilateral ou multilateral, de desrespeito de fronteiras nem de invasão externa. Poder-se-ia errôneamente comparar com Haiti, mas as realaidades foram diferentes: O Haiti foi o cáos civil, a ingovernabilidade e a anarquia geral. A ONU anaçlisou e resolveu interferir para por órdem e não para "trocar tiros" com grupos identificados: Os capacetes azuis estavam lá, com aplauso do povo, apenas para por órdem e não para escaramuças ou guerra!
No caso de Moçambique, também não é guerra, mas sim uma rebelião ainda que armada! E o Estado moçambicano não está em cáos, suas leis são vigentes e tem um exército ativo ainda que despreparado e desequipado. NÃO É CASO PARA A ONU! Moçambique luta entre os seus, com os seus, contra os seus! Tal como na "casa da mãe Joana"!
Por Francisco Nota Moisés em:
https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2021/03/a-revolta-do-norte-%C3%A9-um-grito-contra-um-regime-caduco-que-n%C3%A3o-representa-o-povo.html
"Os rebeldes moçambicanos no Norte de Moçambique desferiram um rude golpe ao regime terrorista da Frelimo e aos seus aliados da Total que não deviam ter insistido em continuar neste negócio do gás em Afungi...Esses países não estão interessados nos naturais de Moçambique, mas somente nos seus recursos naturais"
Esta é uma grande verdade que é ocultada pelos mídia internacionais. Obrigado, Francisco Moisés.
Salvador Forquilha refere em entrevista à DW África:
https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2021/04/cabo-delgado-pesquisador-jo%C3%A3o-feij%C3%B3-diz-que-o-projecto-de-g%C3%A1s-poder%C3%A1-avan%C3%A7ar-mas-sem-muitas-vantagens-para-o-pa%C3%ADs.html
"Uma intervenção militar estrangeira estaria a ser equacionada, mas não resolveria os problemas em Cabo Delgado...De facto, o conflito agora entrou numa fase nova. Parece que se trata de uma fase em que nós temos uma ameaça muito direta, tendo em conta os últimos acontecimentos na zona, nomeadamente os últimos ataques a Palma, em que a pressão para a entrada de novos atores no conflito está a tornar-se cada vez mais evidente".
João Feijó diz em entrevista à VOA:
https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2021/04/cabo-delgado-pesquisador-jo%C3%A3o-feij%C3%B3-diz-que-o-projecto-de-g%C3%A1s-poder%C3%A1-avan%C3%A7ar-mas-sem-muitas-vantagens-para-o-pa%C3%ADs.html
"Para João Feijó, a possibilidade que pode surgir é o projecto avançar, mas com outras contrapartidas. "Há várias possibilidades em jogo, mas todas elas não serão vantajosas para nós".
Jaime Nogueira Pinto argumenta em
https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2021/04/cabo-delgado-que-fazer.html : "A prevenção desta e de outras situações chegou a ser articulada num projeto de cooperação luso-moçambicano, cujos elementos tinham a vantagem de ter conhecimento e experiência e o respeito da população civil das áreas em disputa. Mas embora houvesse, a nível do Estado português e do Estado moçambicano, quem entendesse a importância da iniciativa, a falta de visão e sensibilidade estratégica de alguns decisores acabou por paralisar o projeto"
Tokyo Sexwale, alto quadro do ANC refere em
https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2021/04/alto-quadro-do-anc-na-%C3%A1frica-do-sul-adverte-para-escalada-regional-de-terrorismo.html :
"não se pode esperar que venham atacar o nosso país", é preciso enviar os militares e as forças de segurança para lá por forma a evitar o combate em casa"
John Kirby diz em:
https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2021/03/ataques-em-mo%C3%A7ambique-pent%C3%A1gono-determinado-a-apoiar-luta-contra-o-daesh.html
"Os Estados Unidos estão determinados" a apoiar o Governo moçambicano a combater os insurgentes em Cabo Delgado, que consideram ligados ao Daesh"
O Jornal Observador informa: "Chegou a Maputo o brigadeiro-general Francisco Duarte, que irá comandar a missão de formação de tropas especiais, prevendo-se o envio de duas equipas avançadas de formadores portugueses em Abril."
https://observador.pt/2021/04/01/ataques-em-mocambique-acordo-para-treino-de-tropas-especiais-assinado-no-fim-de-abril/
De acordo com as declarações citadas acima, posso concluir que está em curso, ainda numa fase inicial, uma intervenção militar estrangeira em Cabo Delgado, protagonizada pelos países parceiros económicos da Frelimo, "sem tropas no chão", mas que poderá, no futuro, escalar para "tropas no chão".
Essa intervenção poderá estender-se ao Sul da Tanzânia, já que os países envolvidos argumentam, sem fundamentação, que o centro de operações dos rebeldes moçambicanos está localizado nesse país. Tal intervenção e posterior envio de tropas de combate fundamenta-se nos seguintes pontos:
a) Os projetos de gás em Cabo Delgado foram grandemente afectados pelas vitórias alcançadas pelos valentes rebeldes moçambicanos e a sua continuidade pode acarretar custos adicionais incomportáveis para os seus investidores.
b) Estão em jogo investimentos avultados já concretizados que não serão rentabilizados. Só a GALP portuguesa já desembolsou 2.000 milhões de dólares. Serão os Bancos os principais perdedores e isso assusta os governantes dos países parceiros da Frelimo nos projetos de gás porque pode levar ao colapso dos seus sistemas financeiros, já muito enfraquecidos pela pandemia do COVID-19.
c) A Frelimo sem os projetos de gás não poderá conter a rebelião interna que começa a ganhar ritmo em outras províncias.
Para justificar a intervenção estrangeira, os mídias dos países afectados pela paralisação dos projetos de gás criaram uma narrativa baseada em falsidades, nomeadamente:
1- O número de vítimas mortais de cidadãos estrangeiros em consequência da tomada de Palma foi deliberadamente empolado. Segundo o VOA: https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2021/03/estado-isl%C3%A2mico-reivindica-ataques-em-palma.html
"Entre os mortos pelo menos um cidadão sul-africano. O jornal britânico Times noticiou que um cidadão britânico havia morrido."
Foram oficialmente reportados 2 mortos e não dezenas com publicaram os mídia internacionais.
2- Associar o Estado Islâmico à tomada de Palma. Por exemplo, segundo o VOA: https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2021/03/estado-isl%C3%A2mico-reivindica-ataques-em-palma.html
"O Estado Islâmico afirmou nesta segunda-feira formalmente ter realizado ataque à cidade de Palma, no norte de Moçambique"
Já foi demonstrado que a fotografia de uma suposta publicação do Estado Islâmico a reclamar a tomada de Palma foi deliberadamente alterada pelos mídia e por isso é falsa. Por outo lado, já foi provado que todos meios de comunicação, de e para Palma, foram deliberadamente cortadas pelos rebeldes moçambicanos.
3- A guerra em Cabo Delgado é de carácter religioso em que é necessário combater para exterminar os hipotéticos jihadistas, extremistas e outros istas. Já vi esse filme em outros cenários desastrosos.
4- Os rebeldes são originários da Tanzânia e a sua logística está aí implantada.
Antes, os mídia portugueses diziam que eram originários do Uganda e RDC. Os movimentos migratórios em África, que ocorrem e sempre ocorreram entre populações fronteiriças, datam de há muitos séculos atrás.
Os países promotores da intervenção militar estrangeira em Cabo Delgado necessitam urgentemente do apoio da União Europeia e do Conselho de Segurança da ONU.
Uma boa notícia é que o ultimo Conselho Europeu, com a presença do Presidente dos EUA, terminou como começou. Sem qualquer solução à vista, contrariando assim, o desejo dos países promotores da intervenção estrangeira em Cabo Delgado.
https://www.publico.pt/2021/03/28/opiniao/noticia/triste-historia-conselho-europeu-deprimente-1956223
Também, é pouco provável que os membros do Conselho de Segurança de ONU estejam motivados para ouvir os promotores da guerra quando a população mundial debate-se com uma pandemia.
Por estes motivos a intervenção estrangeira pode envolver apenas Portugal, França e República da África do Sul. Portugal e França já cooperam na interminável guerra do Mali. Itália não deverá participar na intervenção militar porque ainda não se refez da polémica invasão da Etiópia em Outubro de 1935.
Pode-se perguntar porque razão Portugal enviou para Maputo um general. Não será para comandar os 6o militares portugueses que chegarão este mês a Moçambique. Para comandar esse número bastaria um capitão, embora 60 militares não formem uma companhia. Portugal revelou que os militares serão distribuídos pelo sul e centro de Moçambique. Porquê essa distribuição?