Mudem as políticas de saúde, já!
24.01.2015
FELISBELA LOPES
É inconcebível aquilo que se passa nos nossos hospitais e centros de saúde. As recentes notícias têm a vantagem de colocar o tema em debate público, mas a situação é antiga e inacreditável. Em Portugal, o setor da saúde vive há muito tempo em estado de doença terminal, aqui e ali avivado por pontuais melhorias que criam a ilusão de que tudo funciona mais ou menos bem. Não funciona. Por isso, precisamos urgentemente de políticas de saúde mais eficazes.
Comecemos pelas urgências hospitalares. Em tempo de gripe sazonal, o sistema que trabalhava em equilíbrio precário explodiu. As mortes à porta dos hospitais são inaceitáveis, devendo merecer uma musculada tomada de posição política e uma rápida resolução para inverter aquilo que todos reconhecem ser um caos. Em vez disso, discutem-se a transferência de algumas competências para os enfermeiros e a alteração dosistema de triagem, arremessando a concretização das soluções para um tempo sem futuro para muitos de nós. Como se isto não fosse já de si muito grave, acresce que as propostas que circulam não são exequíveis.
Ao permitir que os enfermeiros possam pedir exames complementares de diagnóstico na triagem das urgências, o Ministério da Saúde resolve um problema e cria dois: diminui os tempos de espera, mas cria um clima de incompatibilidades entre médicos e enfermeiros que dificilmente concordarão com o diagnóstico feito e, ao mesmo tempo, provoca uma grande confusão na gestão dos exames solicitados. Será que o autor desta medida sabe quanto tempo demora, numa qualquer urgência hospitalar, fazer um simples exame ao sangue e será que se lembrou que para certos exames o paciente é obrigado a deslocar-se a outras alas do edifício que o acolhe, fazendo frequentemente isso com acentuada dor física? É que o gargalo não está apenas na triagem, existe também à porta dos meios de diagnóstico, pelo que mudar a fila de lugar nada resolve.
Outra das putativas medidas avançadas foi a de repetir a triagem quando a espera for longa. Isto significa que há consciência de que o tempo é uma variável crítica para o agravamento do estado clínico do doente. Poder-se-ia aqui apontar os custos que essa evolução da doença implica para o Serviço Nacional de Saúde, mas tal exigiria pensar o problema numa perspetiva sistémica, algo que inexiste em Portugal. Tudo isto seria anedótico, se não se tratasse de vidas de pessoas, muitas delas sem qualquer poder para se indignarem ou procurarem alternativas junto do setor privado.
Ontem, o "Jornal de Notícias" titulava em manchete que um "hospital engana doentes com falsas cirurgias". No desenvolvimento desta denúncia, o presidente da Região Centro da Ordem dos Médicos reconhecia que o hospital em causa fazia o "reagendamento sucessivo de cirurgias", não constituindo esse um caso isolado. Esta prática significa manipular estatísticas e, mais grave, enganar doentes. Ninguém faz nada perante esta denúncia?
Por estes dias, o tema da saúde faz um permanente agendamento, obrigando os responsáveis do setor a sucessivas tomadas de posição. Convém, no entanto, perceber que estamos a falar de ajustamentos e não de mudanças estruturais, essenciais à sobrevivência do Serviço Nacional de Saúde. É claro que o calendário político é desfavorável a reformas. Mas elas são vitais a este nível.
Aproveitando o facto de o titular da pasta da Saúde ser um ministro com coragem para enfrentar lóbis e resolver situações difíceis, o Governo deveria, neste tempo, encarar a saúde como uma inequívoca prioridade, começando por apresentar uma verdadeira reforma para as urgências hospitalares. Perante a gravidade desta situação, não é aconselhável mandar um secretário de Estado anunciar medidas avulsas, como se fez nos últimos dias. É preciso assumir isto a um outro nível. Portugal não pode ser um país que deixa morrer pessoas à porta dos hospitais, nem o respetivo Governo pode ser autor ou cúmplice de medidas que trapaceiam estatísticas. Estamos a falar da vida de cada um de nós e no direito que todos temos a aceder a cuidados de saúde quando estamos doentes. O Estado não temgarantido isso, apesar da voracidade fiscal com que nos tem atacado. É o momento de dizer "basta!".
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