A oportunidade BCE
25.01.2015
JOSÉ MENDES
Esta foi uma semana promissora para o futuro da economia nacional, sobretudo das empresas. O Banco Central Europeu (BCE) avançou, por fim, para um megaprograma de compra de dívida e o Governo português anunciou a intenção de reforçar a transferência de conhecimento e a inovação nas empresas. Liquidez e conhecimento são, indubitavelmente, dois ingredientes centrais para a competitividade da economia. Não fazem tudo, mas ajudam.
A decisão de Mario Draghi chega tarde, mas vem ainda, acredito, a tempo. Foi preciso chegar a ameaça da deflação para o governador do BCE conseguir dobrar alguns dos mais ortodoxos apologistas da austeridade, que por sinal se sentam à mesa do euro, e adotar finalmente a receita que já havia sido testada com êxito pela Fed norte-americana e pelo banco central britânico. A questão do momento passou então a ser "como se faz chegar o novo dinheiro à economia real?".
Trocado por miúdos, o programa de "quantitative easing" consiste na compra pelo BCE e pelos bancos centrais nacionais de dívida pública dos governos e dívida privada dos bancos comerciais. Tudo isto com a particularidade de o fazer com dinheiro novo, o que significa que as rotativas do BCE vão ter muito que fazer neste e no próximo ano para imprimir 60 mil milhões de euros por mês. Este é o dinheiro fresco que, injetado na Banca, pode ser emprestado às empresas. Mal seria se se voltasse ao fandango do imobiliário, realimentando uma bolha que, por cá e noutros países do Sul, rebentou estrondosamente, atirando empresas e trabalhadores para as ruas da amargura. A ideia é mesmo conceder crédito às pequenas e médias empresas, justamente aquelas que mais sofreram com a escassez de crédito, mas que podem protagonizar de forma mais eficaz a conversão desta oportunidade em riqueza, emprego e consumo. Assim, espera o BCE, a inflação pode aproximar-se do valor de referência de 2%, a economia pode voltar a crescer e teremos supostamente um final feliz.
E é justamente neste ponto que releva a intenção do Governo, que basicamente procura melhorar os mecanismos de transposição dos resultados da investigação, vulgo conhecimento, para as empresas. Sabe-se que a posição interessante que Portugal vai ocupando nos rankings da inovação resulta mais da sua performance a montante (condições para o desenvolvimento da inovação) do que dos resultados a jusante (valor efetivamente criado em condições de mercado). Ou seja, o caminho do futuro não passará por continuar a atirar dinheiro para os centros de investigação ou para as empresas de forma desconectada.
Miguel Poiares Maduro anunciou esta semana, em mensagem a propósito do encerramento da conferência "Inovar", organizada pelo jornal "Dinheiro Vivo" e pela TSF, todo um programa dirigido à interface universidade-empresa, que inclui: colocar mil doutorados nas empresas; criar novos instrumentos como os vales para a investigação, a inovação e o empreendedorismo; apoiar a proteção da propriedade intelectual; e apoiar o arranque de centros tecnológicos. Medidas positivas, aliás consistentes com as opções feitas no quadro do Portugal 2020, que afeta cerca de 40% dos fundos comunitários à competitividade das empresas.
O que importa agora é que os agentes no terreno, nomeadamente as instituições de Ensino Superior e as empresas, façam também o seu trabalho. Às primeiras exige-se que procurem mais intensamente ajustar os seus programas às necessidades do país. Por exemplo, quando se fala em colocar doutorados, é importante que se produzam esses recursos com o perfil que interessa às empresas. Já do lado destas, importa que se constituam como verdadeiros e eficazes tomadores de tecnologia. Devem olhar para as suas cadeias de valor e desenhar projetos de investimento que lhes permitam conquistar elos de maior valor acrescentado. É um exercício que exige método, conhecimento e capital. Ora parecem estar a reunir-se as condições para este caminho, com os fundos comunitários orientados para a incorporação do conhecimento na economia e com a verdadeira oportunidade que este novo programa do BCE abre na disponibilização de crédito às empresas. Assim os atores sejam capazes de fazer o seu trabalho de casa.
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