por ADRIANO MOREIRA
Os Estados Unidos, que parecem estar num processo de afastamento da Europa, ao mesmo tempo fazem reviver elementos de uma ideologia nacional que os faz considerarem-se a nação indispensável ao mundo, com o destino manifesto fixado primeiramente no Pacífico, modificando para global a definição, mas mantendo a convicção de que o big stick lhe permitirá manter a sua ordem no continente, e alguns pelos tempos da independência supondo que fora uma graça de Deus colocar o Atlântico entre a América e a Europa.
Acidentalmente poderá lembrar-se que o abade Correia da Serra, amigo de Jefferson, lhe vaticinou que aos EUA caberia a proeminência no Norte do continente, e ao Brasil (ainda havia Reino Unido) no Sul. Acontecimentos como as guerras de 1914-1918 e 1939-1945, a Guerra Fria, e já agora a definição da fronteira de interesses, que não coincide com a geográfica, o que a Rússia fez lembrar com clareza militar, talvez definitivamente possam esclarecer que o Atlântico não foi a suposta dádiva do passado, e que acontecimentos, como o da intervenção no Iraque a servir de exemplo, apagam a convicção de que os factos estão em desacordo com a passada crença da bondade do destino manifesto.
Nesta intervenção dos factos contra a ideologia, os Açores estavam no trajeto da estratégia americana na Segunda Guerra Mundial, e talvez não seja abusivo lembrar que as pretensões, satisfeitas, dos EUA em relação à utilização do arquipélago, não se distinguiam facilmente de um ultimatum, que a Aliança Inglesa permitiu cobrir com o manto da legalidade, e com a irrepetível neutralidade colaborante, cuja definição, ao afirmar a neutralidade dos restantes territórios portugueses, manteve em silêncio a cruel situação de Timor, destruído material e humanamente pela invasão japonesa.
As intervenções americanas em ambas as guerras, a presença na reconstrução e segurança da Europa libertada dos exércitos alemães e dividida pela dos russos não deve ser esquecida pelos europeus, cuja memória seria sempre avivada pelos cemitérios da Normandia. Também, particularizando Portugal, o acolhimento às emigrações portuguesas e dignidade com que contribuem para a unidade americana (somos todos americanos, disse Obama), estabelece um laço de afetos valiosos entre ambos os países.
Mas, justamente tendo em vista os afetos, a franqueza parece mais exigível quando é inevitável que a diplomacia seja chamada a assumir que há conflitos de interesses, e que a equidade tem de ser tomada em conta. No caso dos Açores, e não acrescentará à justa inquietação portuguesa lembrar que quando da guerra do Yom Kipur a situação de exigência americana quanto aos Açores lembrou a primeira experiência, há um aspeto que não pode ser ignorado, como não o deveria ser nas intervenções noutros lugares e latitudes: as responsabilidades pelos efeitos colaterais da política seguida e imposta a países terceiros, por muito cuidado que tenha havido com a imagem.
A intervenção americana mar- cou a vida das populações, em todas as áreas, da maneira de viver e ganhar a vida, e quem é responsável pelos efeitos colaterais diretamente derivados da sua intervenção não pode com justiça abster-se de assumir a situação. E finalmente, do topo da colina, talvez seja visível o Atlântico Sul, que não tem e exige a organização da segurança, e os Açores continuarão em linha de articulação com a segurança do Atlântico Norte. Conviria não vir a repetir, de urgência, as exigências da sua importância estratégica, e recomeçar, porque não é apenas a segurança do Sul do Atlântico que está a exigir atenção, é tratar-se de uma região que numa das margens tem a exigência que prognosticou o abade Correia da Serra, na outra memórias, culturas e etnias que não esquecem o passado, mas que estarão envolvidas pelas exigências do globalismo presente, e nem sempre tendo a paz como valor respeitado. Entre o Norte e o Sul estão os arquipélagos de várias soberanias.
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