quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

A casa no topo da colina

por ADRIANO MOREIRA

Os Estados Unidos, que parecem estar num processo de afastamento da Europa, ao mesmo tempo fazem reviver elementos de uma ideologia nacional que os faz considerarem-se a nação indispensável ao mundo, com o destino manifesto fixado primeiramente no Pacífico, modificando para global a definição, mas mantendo a convicção de que o big stick lhe permitirá manter a sua ordem no continente, e alguns pelos tempos da independência supondo que fora uma graça de Deus colocar o Atlântico entre a América e a Europa.

Acidentalmente poderá lembrar-se que o abade Correia da Serra, amigo de Jefferson, lhe vaticinou que aos EUA caberia a proeminência no Norte do continente, e ao Brasil (ainda havia Reino Unido) no Sul. Acontecimentos como as guerras de 1914-1918 e 1939-1945, a Guerra Fria, e já agora a definição da fronteira de interesses, que não coincide com a geográfica, o que a Rússia fez lembrar com clareza militar, talvez definitivamente possam esclarecer que o Atlântico não foi a suposta dádiva do passado, e que acontecimentos, como o da intervenção no Iraque a servir de exemplo, apagam a convicção de que os factos estão em desacordo com a passada crença da bondade do destino manifesto.

Nesta intervenção dos factos contra a ideologia, os Açores estavam no trajeto da estratégia americana na Segunda Guerra Mundial, e talvez não seja abusivo lembrar que as pretensões, satisfeitas, dos EUA em relação à utilização do arquipélago, não se distinguiam facilmente de um ultimatum, que a Aliança Inglesa permitiu cobrir com o manto da legalidade, e com a irrepetível neutralidade colaborante, cuja definição, ao afirmar a neutralidade dos restantes territórios portugueses, manteve em silêncio a cruel situação de Timor, destruído material e humanamente pela invasão japonesa.

As intervenções americanas em ambas as guerras, a presença na reconstrução e segurança da Europa libertada dos exércitos alemães e dividida pela dos russos não deve ser esquecida pelos europeus, cuja memória seria sempre avivada pelos cemitérios da Normandia. Também, particularizando Portugal, o acolhimento às emigrações portuguesas e dignidade com que contribuem para a unidade americana (somos todos americanos, disse Obama), estabelece um laço de afetos valiosos entre ambos os países.

Mas, justamente tendo em vista os afetos, a franqueza parece mais exigível quando é inevitável que a diplomacia seja chamada a assumir que há conflitos de interesses, e que a equidade tem de ser tomada em conta. No caso dos Açores, e não acrescentará à justa inquietação portuguesa lembrar que quando da guerra do Yom Kipur a situação de exigência americana quanto aos Açores lembrou a primeira experiência, há um aspeto que não pode ser ignorado, como não o deveria ser nas intervenções noutros lugares e latitudes: as responsabilidades pelos efeitos colaterais da política seguida e imposta a países terceiros, por muito cuidado que tenha havido com a imagem.

A intervenção americana mar- cou a vida das populações, em todas as áreas, da maneira de viver e ganhar a vida, e quem é responsável pelos efeitos colaterais diretamente derivados da sua intervenção não pode com justiça abster-se de assumir a situação. E finalmente, do topo da colina, talvez seja visível o Atlântico Sul, que não tem e exige a organização da segurança, e os Açores continuarão em linha de articulação com a segurança do Atlântico Norte. Conviria não vir a repetir, de urgência, as exigências da sua importância estratégica, e recomeçar, porque não é apenas a segurança do Sul do Atlântico que está a exigir atenção, é tratar-se de uma região que numa das margens tem a exigência que prognosticou o abade Correia da Serra, na outra memórias, culturas e etnias que não esquecem o passado, mas que estarão envolvidas pelas exigências do globalismo presente, e nem sempre tendo a paz como valor respeitado. Entre o Norte e o Sul estão os arquipélagos de várias soberanias.
Artigo Parcial



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