quarta-feira, 12 de abril de 2017

Abuso, desmandos e festa numa província chamada Tete


Fiscais admitem envolvimento de “gente influente” no contrabando de madeira em Tete
Na “operação tronco”, lançada a 1 de Março findo, Tete foi a segunda província com maior valor de multas aplicadas aos proprietários de estaleiros que continham madeira com irregularidades. Foram 50 644 390 Mt (cinquenta milhões, seiscentos e quarenta e quatro mil, trezentos e noventa meticais).
Bem antes do lançamento dessa operação, a nossa equipa de reportagem abriu uma frente de investigação (de 28 de Fevereiro a 5 de Março) em dois distritos de Tete: Macanga e Mágoè.
Começámos em Macanga, a 230 km da cidade de Tete. O lugar de difícil acesso esconde um negócio ilegal da madeira conhecida localmente por “nkula”. Há pouca informação sobre a sua ocorrência a nível nacional, porque ainda não foi feito um inventário florestal. Única coisa que se fez, ano passado, através do Diploma Ministerial 51/2016, de 10 de Agosto, foi a sua classificação como madeira preciosa, estando ao mesmo nível de pau-rosa, pau-preto e jambire. O governo ainda não começou a atribuir licenças para a sua exploração, mas, em Macanga, as comunidades e os chineses fizeram uma aliança que resulta num corte desenfreado.
“Quando vieram esses compradores chineses, então, aquilo ficou benefício para nós”, declarou José Banda, um dos cortadores de nkula naquele distrito. Banda precisou que o negócio começou em Dezembro do ano passado e já é a base de sustento de muitos compatriotas “macangueses”. “Cada tronco vai a 350 Mt; outros estão para 250, até para 200 Mt, dependendo da qualidade”.
Entretanto, apesar de tantas evidências, o administrador do distrito da Macanga, Agostinho Matias, insistiu, durante mais de meia hora de entrevista, que “eu conheço a madeira que nós capturamos. As pessoas que cortam para vender, não, não não...!”
A Lei de Florestas e Fauna Bravia diz que, para a madeira preciosa, o Estado cobra 3 450 Mt por metro cúbico. Em Macanga, porém, os chineses fazem a festa, comprando ao “preço de banana”. O mais gritante é que, inclusivamente, entram camiões com contentores para fazer o empacotamento, selagem e transporte para o porto da Beira, de onde sai para China. Esse processo ocorre sem a presença das Alfândegas e dos Serviços Provinciais de Florestas e Fauna Bravia, violando assim a lei em vigor.
Já no distrito de Mágoè, há indícios de trespasse ilegal de licenças simples de cidadãos nacionais (os únicos que legalmente podem deter esse tipo de documento) aos cidadãos chineses, que entram com todo o tipo de maquinaria para o corte, processamento e exportação de madeira, sob “protecção” de alguns moçambicanos.
Escalámos uma área que fica na zona tampão do Parque Nacional de Mágoè, onde, mesmo sem licença emitida para exploração, encontrámos cidadãos chineses a posicionarem maquinaria para iniciar o corte.
Os mesmos têm ligação com um cidadão nacional conhecido por Oca, da empresa madeireira EDN Lda. “Eles são um pouco complicados, mas nesse contexto estamos na parte de diálogo com aquele que comanda os ‘chinas’. Alguns foram à China. Aqui são quatro. São muitos que estão na cidade, noutra área”, respondeu Ah-Shú Daniel, representante da EDN Lda, quando questionado sobre a ligação com os chineses a que fizemos referência acima.
A própria atitude de mobilizar o equipamento para o terreno é estranha, uma vez que, em condições normais, não existem garantias de que o pedido de emissão de licenças será aceite pelos Serviços Provinciais de Florestas e Fauna Bravia. “A entidade patronal está neste momento em fase de preparação desses documentos todos, para poder trabalhar com o documento já nas mãos. O equipamento está a ser mobilizado e estamos na fase de construção do local onde vão estar a maquinaria e os trabalhadores”, anotou Ah-Shú Daniel, para depois esclarecer que a licença que está a ser tratada “é aquela de renovar anualmente”, entenda-se, licença simples.
Fiscais admitem envolvimento de “gente influente” no contrabando de madeira
Começou com uma simples conversa entre o autor desta reportagem, o chefe de fiscalização na direcção provincial de Florestas e Fauna Bravia em Tete, um agente das Alfândegas de Moçambique e a directora da Agência Nacional para o Controlo da Qualidade Ambiental (AQUA), Olívia Amosse. Foi em Tete, durante a “operação tronco”. Os dois responsáveis que têm a missão de controlar o cumprimento da lei e evitar o contrabando de madeira assumiram de viva voz que libertam camiões apreendidos com irregularidades quando recebem chamadas “de gente influente”. Em excertos dessa conversa, o fiscal diz, a dado passo: “sabe, acima de mim, tem outra pessoa que manda em mim e diz ‘você deixa isso’. Então, eu não vou fazer nada. Acontece!”. O Alfandegário reforça e acrescente: “é assim, quando alguém diz deixa, não há-de escrever. Você nunca vai dizer para ele ‘faz por escrito’”. “Então, diga lá, ‘eu me demito?’”, questionou Olívia Amosse e a resposta do alfandegário foi imediata: “os meus filhos vão perder pão!”

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