A semana que findou foi de
recados. De muitos recados
e alguns posicionamentos
firmes num país em crise.
E é nas crises que os homens com H
grande se demarcam. No render da
guarda de mais uma direcção na Ordem
dos Advogados, Rui Baltazar,
um advogado que vem dos tempos
da longa noite colonial, com a sua
intervenção, levantou a sala que o
aplaudiu em apoteose. O SAVANA
deixa aqui a versão editada daquele
momento muito especial.
Ao olhar para esta sala, onde se encontram
tantos juristas, não posso
deixar de evocar os tempos de transição
e da independência, em que
contavam-se pelos dedos das mãos os
licenciados em Direito moçambicanos
de que me podia socorrer para me
ajudarem a conceber um novo sistema
de justiça em Moçambique. Aqui
está a prova irrefutável de que valeu
bem a pena lutar contra o colonialismo,
como valeu a pena participar no
nascimento de um novo País, como
continua a valer a pena pôr as nossas
capacidades e energias ao serviço do
povo moçambicano.
Não posso entrar no tema da responsabilidade
social dos advogados
sem previamente abordar, ainda que
muito esquematicamente, dois aspectos
que permitem enquadrar melhor
tal responsabilidade. Primeiro, irei
caracterizar alguns dos marcos principais
e vicissitudes que ocorreram
no exercício da advocacia desde a
independência, para chegarmos onde
estamos hoje. O outro aspecto tem a
ver com a profunda crise que enfrenta
neste momento a sociedade moçambicana,
que a todos afecta e, portanto,
também afecta a comunidade de advogados,
fazendo-o numa abordagem
eminentemente jurídica.
Olhar para o passado
Recordar os principais marcos e vicissitudes
por que passou o exercício da
advocacia em Moçambique apetrecha-nos
para sermos capazes de tirar
lições e ensinamentos dos sucessos
alcançados e dos erros cometidos e,
assim, traçarmos perspectivas seguras
para os caminhos do futuro.
Logo após a independência, o exercí-
cio da profissão de advogado, a título
liberal, foi interdito. É agora fácil dizer
que essa foi uma decisão errada. Mas
o erro não foi tanto porque essa interdição
causasse qualquer significativa
perturbação social (a esmagadora
maioria dos moçambicanos nem sequer
sabia então o que era advocacia),
mas porque se enviou para a sociedade
um sinal negativo de que os novos
poderes instituídos não queriam ser
incomodados ou perturbados na sua
actuação por qualificados controlos
de legalidade. Todo o exercício do poder
dificilmente aceita e reage sempre
mal à crítica. No entanto, a existência
livre dessa capacidade de análise crí-
tica é imprescindível a qualquer boa
governação. Os efeitos negativos do
sinal então dado prolongam-se até ao
presente, quando assistimos à extrema
relutância e a dificuldade que persiste
em se assumirem erros e definirem
responsabilidades.
Felizmente ainda antes da independência,
em meados de Janeiro
de 1975, havia sido desencadeado o
processo de criação da Faculdade de
Direito, que iria dotar o país dos juristas
de que tanto carecia. Processo este
também atribulado com o episódio
lamentável do encerramento temporário
dessa Faculdade. A sua reabertura
em finais dos anos 80 procurou
corrigir esse novo erro, sobre o qual
já tive ocasião de me pronunciar publicamente
em outras oportunidades,
pelo que agora me abstenho de novos
comentários.
A relegalização do exercício da advocacia
foi formalizada pela Lei no.
3/86,de 16 de Abril, que simultaneamente
criou o Instituto Nacional de
Assistência Jurídica. Nesse diploma se
reconheceu que os advogados, passo a
citar, “são membros da justiça e agentes
do desenvolvimento do Direito
velando pela boa aplicação da lei e
pela rápida aplicação da justiça”, fim
de citação.
Mas é na sequência da aprovação
da Constituição de 90, e com a Lei
no.7/94, de 14 de Setembro, que cria
a Ordem dos Advogados, que o papel
do advogado é reconhecido em toda a
sua dimensão profissional e social. No
preâmbulo dessa lei se diz que a advocacia
é um dos três pilares da administração
da justiça, sendo os outros
dois os Tribunais (aqui se podendo
incluir o Conselho Constitucional) e
o Ministério Público.
O ponto mais alto dessa afirmação da
importância da função dos advogados
veio a ser alcançado com a consagra-
ção constitucional do seu papel de
elemento essencial à administração da
justiça, no no.1 do artigo 63 da Constituição
em vigor.
A Lei no.28/2009, de 29 de Setembro,
que aprovou os novos Estatutos
da Ordem dos Advogados, não fez
mais que preencher algumas lacunas
e proceder a actualizações dos Estatutos
anteriores.
Um percurso longo
Constatamos, assim, que foi necessário
um longo período de tempo
(cerca de três décadas) para que no
nosso país se afinassem os instrumentos
necessários ao bom exercício da
actividade de advogado, e para lan-
çar as bases que permitissem superar
preconceitos e radicalismos com que
no pós-independência foi encarada,
pelo poder político, a profissão de advogado.
Partindo desta breve resenha de algumas
etapas do acidentado percurso
que teve o exercício da advocacia em
Moçambique, podemos, talvez, tirar
algumas lições:
- no período colonial a advocacia não
influiu significativamente na vida da
generalidade dos moçambicanos, com
excepção de intervenções pontuais em
defesa de alguns direitos ofendidos ou
do desconforto político que os advogados
causavam ao colonial-fascismo,
através das denúncias de arbitrariedades
e ilegalidades e da oposição política
que faziam ao regime;
- o pensamento jurídico moçambicano,
incluindo a elaboração legislativa
(até à nossa Constituição tem demasiados
artigos, senão capítulos, decalcados
da Constituição portuguesa),
continua colonizado e receptor da
doutrina e legislação portuguesas,
situação que deve ser ultrapassada.
Como diz o nosso filósofo Severino
Goenha na sua obra Terceira Questão,
“Não se trata de ignorar ou desdenhar
o direito do colonizador, por
exemplo, mas nunca devemos esquecer
que ele e a história são respostas
jurídico-políticas que os portugueses
se deram num momento do seu passado.
Essas soluções, por mais extraordinárias
que sejam ou tenham sido,
não se adequam necessariamente ao
nosso contexto”, fim de citação;
- o poder político, de uma maneira
geral, não convive bem com a actividade
dos advogados, e isto é tanto
mais evidente quanto mais autoritá-
rio, menos democrático, e mais medí-
ocre for esse poder;
- as resistências ou obstáculos às actividades
dos advogados agudizam-
-se quando eles melhor estiverem a
cumprir o seu papel de controlo da
legalidade, de combate aos abusos de
poder, a violência sobre os cidadãos e
as violações dos direitos e liberdades
fundamentais;
- daqui decorre que uma das principais
virtudes que se exige a um advogado
é a coragem e determinação
no exercício da profissão, o que torna
esta uma profissão de risco (tal como
são as profissões dos magistrados e
agentes do Ministério Público cuja
menção aproveito para aqui e agora
saudar o heroísmo de que alguns já
têm dado provas);
- devem, pois, os advogados e a Ordem
estarem prevenidos e preparados
para as dificuldades que lhes possam
surgir e lutar pelo seu prestígio e pelo
reforço permanente da sua coesão em
torno da Organização que os representa.
Valorizemos esse nosso passado da
advocacia de olhos postos no futuro,
mas com os pés bem assentes nas realidades
do presente.
A actual crise
O nosso presente é de profunda crise
política, económica e social.
Enumeremos, também sinteticamente,
numa perspectiva sobretudo
legalista, alguns sintomas dessa crise
naquilo que mais pode preocupar os
juristas:
- o nosso país vive, há já demasiado
longo tempo, situações de instabilidade
e insegurança, proliferam violações
graves de direitos e liberdades fundamentais,
cometem-se, com inteira
impunidade, atentados à vida e integridade
física e moral dos cidadãos, o
que gera o sentimento da existência
de poderes paralelos e ocultos, tornando
mais vulnerável a existência
desses mesmos cidadãos;
- vivemos em tempos recentes um
prolongado período de exercício do
poder político com cariz autoritário,
grande opacidade e aparato formal
oco e ostentatório, com os inconvenientes
de, pelo perverso efeito de demonstração,
se repercutir nos demais
níveis do exercício do poder político e
administrativo, fragilizando o Estado
de Direito que a Constituição proclama
e que cada vez menos corresponde
à realidade nacional;
- diluiu-se a separação dos poderes
do Estado com excessivo e desproporcionado
predomínio do executivo;
em alguns casos preteriu-se o papel
de Instituições fundamentais que se
tornaram meras caixas de ressonância
de decisões tomadas em outros fórum,
e inoperacionalizou-se o sistema de
pesos e contra-pesos que é uma regra
fundamental ao bom funcionamento
dum Estado democrático;
- alastrou e aprofundou-se a corrup-
ção, o uso indevido do património
do Estado, o nepotismo, o assalto aos
bens públicos que deviam ser explorados
em benefício do povo, cometem-
-se graves crimes contra o meio ambiente
e a natureza, a criminalidade
sofisticou-se e ganhou novas formas
sem que se criassem os antídotos adequados
ao seu combate, a política parece
reconduzir-se apenas à conquista
ou preservação do poder como meio
para ter acesso indevido aos recursos,
promoveu-se uma prematura e perigosa
euforia, propícia a esbanjamentos
e megalomanias fundadas em eldorados
energéticos anunciados, com
todas as nefastas consequências a que
agora teremos de fazer face;
- assiste-se a uma grave indisciplina
cívica e social, não só tolerada como
por vezes até estimulada pelos maus
exemplos que a inspiram, e que contem
uma enorme carga de instabilidade;
- inoperacionalidade ou inexistência
de mecanismos eficazes de diálogo,
de inclusão, de superação das clivagens
ideológicas, económicas, sociais
ou políticas, com a perda do sentido
do interesse nacional e da busca de
consensos (tentativas de os alcançar,
como foi o caso da Agenda 2025,
acabaram em estantes ou gavetas sem
serem devidamente valorizadas).
Profeta de infortúnios
Tudo isto, e muito mais que se podia
dizer, basta para que me possam
acusar de profeta de infortúnios consumados.
Mas a minha longa vida e
experiências ensinaram-me a ser por
natureza optimista, tantas e tão importantes
foram as mudanças positivas
e transformações a que já assisti.
A enumeração feita tem por único
objectivo alertar-vos, aos advogados
e à Ordem, para os difíceis desafios
e perigos que terão pela frente e para
vos encorajar a enfrentá-los com coragem
e determinação.
E aqui chegámos, finalmente, à responsabilidade
social dos advogados.
O exercício da actividade de advogado
reveste-se de uma dimensão
eminentemente social. O advogado
insere-se na sociedade em que vive,
faz parte integrante dela e participa
do seu dinamismo, podendo e devendo
ser seu elemento de transformação
e aperfeiçoamento.
Como diz o Professor brasileiro Eduardo
Bittar no seu curso de ética jurídica,
passo a citar, “o jurista tem de
estar consciente de que o instrumental
que manipula e capaz de cercear a
liberdade, de alterar factores econó-
micos e prejudicar populações inteiras,
de causar a desunião de uma sociedade,
a corrosão de um grande foco
de empregos e serviços, de desestruturar
uma família e a saúde psíquica
dos filhos dela oriundos, de interferir
sobre a felicidade e o bem-estar das
pessoas...”, fim de citação.
Embora advogar também seja um
ofício, pelo seu impacto social ele não
pode ser perspectivado em termos
idênticos aos das profissões mais comuns,
pela carga de valores éticos e
deontológicos que carrega consigo.
Entre esses valores devem figurar em
primeiro lugar a conformação e obediência
a normas éticas universais e as
assumidas individualmente e que são
decorrentes do processo de formação
e aprendizagem inerente a própria
vida; bem como os adquiridos no seio
da família, da comunidade, da escola,
de outras inserções sociais, ou seja, em
geral, no viver social.
Para além destes valores, e podendo
também coincidir em grande parte
com eles, há regras de conteúdo ético
formalmente definidas e adoptadas
em termos normativos e que são as
constantes de códigos de conduta ou
regulamentos de carácter obrigatório
e implicando sanções.
A singularidade da advocacia
Embora considere prevalecentes as
normas de carácter ético que são de
cumprimento espontâneo e voluntá-
rio, automaticamente assumidas por
cada indivíduo, e nas que estão codificadas
que me passarei a concentrar,
pois felizmente os advogados mo-
çambicanos dispõem de um quadro
suficientemente amplo dentro do qual
se devem movimentar, como bússolas
orientadoras da sua actividade e da
sua responsabilidade social.
A responsabilidade dos advogados
está inserida em diversos diplomas
legais, desde a Constituição e a legislação
processual ou outra legislação
avulsa, até aos Estatutos da Ordem
que constituem a pedra angular na
definição da responsabilidade social.
A Constituição, ao referir que o patrocínio
forense e essencial à administração
da justiça, e ao acolher e consagrar
certas garantias mínimas ao exercício
da profissão de advogado (nos.1
a 4 do artigo 63) associou, de forma
incindível, a actividade dos advogados
ao valor público e fim último que é a
realização da justiça e que incumbe
aos Tribunais (mas não só).
Mas é sobretudo no Estatuto da Ordem
dos Advogados, aprovado pela
Lei no. 28/2009, de 29 de Setembro
(por coincidência a data de aniversário
do nosso saudoso Presidente
Samora), e mais concretamente no
seu capítulo V relativo à Deontologia
Profissional, que se contêm as disposições
que melhor enquadram a responsabilidade
social dos advogados.
Não me irei debruçar sobre essas
disposições que são bem conhecidas
de todos vós, mas apenas chamar à
atenção para os essenciais valores e
princípios nelas contidos como a integridade,
a independência, a qualidade
de servidor da justiça e do direito,
os deveres para com a comunidade, os
deveres para com a Ordem, a transparência,
o sigilo profissional, os limites
quanto à publicidade, a urbanidade,
os deveres para com o constituinte, a
solidariedade e o dever de patrocínio
e assistência judiciária.
A simples enunciação destes princí-
pios, sem sequer aprofundar o conte-
údo de cada um deles, espelha bem a
amplitude e a dimensão da responsabilidade
social dos advogados e o alto
grau de exigência ética e profissional
que se espera desta actividade.
É nas condições de crise como as
que já foram referidas que os grandes
homens se revelam e as Instituições
melhor se afirmam. Devem, por isso,
os advogados, na conjuntura actual
do nosso país, serem muito mais rigorosos
na observância destes princí-
pios, como mais vigilante deve ser a
Ordem na prevenção, controlo e sancionamento
das violações pelos seus
membros, que infelizmente também
ocorrem, como deve ser muito mais
tutelar e protectora dos seus membros
nos ataques que forem desferidos
ao exercício pleno das suas funções.
Os advogados e a Ordem, para além
de deverem constituir elementos
de equilíbrio social, de permanente
afirmação dos princípios e normas
constitucionais e legais, dos direitos e
liberdades fundamentais dos cidadãos
e de contribuírem para a responsabilização
dos violadores desses princí-
pios, assumem outras vertentes de
responsabilidade social que vêm expressas
nas alíneas b) e c) do artigo 4
dos Estatutos.
Quanto a promover o acesso à justiça
não irei agora falar, pois daria matéria
para outra intervenção.
O papel da Ordem
Mas já quanto ao contribuir para o
desenvolvimento da cultura jurídica
e para o conhecimento e aperfeiçoamento
do Direito, está aqui enunciado
todo um imenso programa de
intervenções possíveis e que a Ordem
até já muitas vezes assumiu. Nestes
domínios, a Ordem pode e deve continuar
a desempenhar um papel cada
vez mais relevante.
Só para dar um exemplo. Todos estamos
recordados da recente e paté-
tica experiência de uma Comissão de
Revisão da Constituição que durante
anos esteve envolvida na suposta tarefa
de rever a Constituição, consumindo
grandes recursos, sem que tivesse
alcançado propor sequer a alteração
de uma vírgula que fosse da Constituição.
Pois bem, a Ordem congrega
recursos humanos em qualidade e
quantidade suficientes para elaborar
um estudo-proposta de alteração da
Constituição.
Pode até fazê-lo em colaboração com
outras organizações da sociedade civil
e com constitucionalistas da nossa
Academia, como forma de prestar um
contributo e facilitar consensos numa
matéria que é do mais alto interesse
e valor para a reconciliação dos mo-
çambicanos. Porque não fazê-lo? É
um desafio ousado e ambicioso mas
não impossível. Todos sabemos que
a Ordem não tem iniciativa de Lei
e muito menos de propor alterações
constitucionais.
Mas nada a impede de lançar documentos
de trabalho e sugestões facilitadoras
e susceptíveis de tirar as Instituições
competentes do imobilismo,
incapacidade criativa e de inovação
em que estão mergulhadas, incomodando-as
com boas e desafiadoras
propostas. Já tenho ouvido o mais
Alto Magistrado da Nação proclamar
que lhe devem levar soluções e não
problemas. Embora a identificação de
problemas e o seu atempado diagnóstico
sejam importantes para aplicar os
remédios adequados, o apelo para que
se apresentem soluções é uma janela
aberta de oportunidades para toda a
sociedade e, portanto, também para
a Ordem avançar com as suas ideias,
despidas de preconceitos partidários.
Fazendo-o, a Ordem estaria a assumir
as suas mais altas responsabilidades
sociais e a dar uma mais valia
inestimável à reconciliação dos mo-
çambicanos, sabendo como sabemos
todos nos que não são só as leis que
resolvem os problemas, mas que elas
podem contribuir para a pacificação
e a concórdia nacional. Como podem
contribuir para a divisão, mas não
é isso seguramente o que pretende
qualquer moçambicano.
Os longos sapatos do Dr.
Menete
Já vai longa, demasiado longa até para
o meu gosto, esta minha intervenção.
Sem vos querer assustar, reafirmo a
minha convicção de que não vão ser
nada fáceis os tempos que se aproximam,
e que a fibra e espírito de luta
de todos vós serão postos duramente
à prova exigindo muita coragem
e convicção. Não se deixem intimidar
por ameaças nem aliciar por falsas
promessas. A melhor defesa dos
profissionais de advocacia está na
competência e honestidade com que
exercerem as suas tarefas, na escrupulosa
obediência à lei e às regras que
norteiam o exercício da profissão, no
constante aperfeiçoamento e estudo,
na manutenção do espírito de solidariedade
social, na intransigência
na luta contra as arbitrariedades e os
abusos do poder, na fidelidade na e
coerência com os princípios éticos que
enunciamos. Se a minha experiência,
já no ocaso da vida, vos pode servir de
alguma inspiração, acreditem quando
vos digo que os momentos mais
exaltantes que vivi como advogado foi
quando, durante a noite colonial, sem
qualquer remuneração, defendi presos
políticos e consegui a sua absolvição
libertando-os da prisão, ou quando
consegui no Supremo Tribunal de
Justiça de Lisboa vencimento num
pedido de habeas corpus, devolvendo
a liberdade um modesto camponês de
Inhambane que fora preso pela PIDE
por ousar opor-se à tentativa de espoliação
dos seus coqueiros pelas autoridades
coloniais.
As minhas últimas palavras são para
si, Senhor Bastonário, e são de estí-
mulo e encorajamento. Não é fácil a
tarefa que está a receber, mas é altamente
honrosa. Sobretudo porque
nos mandatos dos seus antecessores
eles souberam prestigiar a Institui-
ção e apetrechá-la para voos cada
vez mais largos. Não se curvaram a
bajulações ou compromissos iníquos,
criaram condições de trabalho mais
adequadas, fizeram crescer a Ordem
e tornaram-na numa voz que passou
a ser escutada e valorizada por toda a
sociedade. Estou certo, estimado Dr.
Flávio Menete, que saberá dar continuidade
e aprofundar essas conquistas
e por isso aceite os meus votos dos
maiores sucessos e felicidades.
*intervenção editada do antigo Presidente
do Conselho Constitucional na
tomada de posse no novo bastonário da
OAM a 04.05.16. Título e entretítulos
da responsabilidade do SAVANA.
O Observatório do Meio Rural (OMR) tem acompanhado com atenção a recente evolução geral do país e, em particular, o desenrolar da economia com ênfase para a crise da dívida. Tem contribuído em debates públicos e co-assinado comunicados em parceria com outras organizações da sociedade civil. Este texto procura focalizar nos previsíveis efeitos da situação geral do país sobre a agricultura e o meio rural. tico, sobretudo no centro do país, onde se localizam algumas das principais zonas produtoras e de maior densidade populacional. Este factor, associado às condições meteorológicas e de migrações forçadas, principalmente pelo efeito da guerra e investimentos, terá consequências importantes sobre a produção, a circulação de bens e os custos de produção e de transportes, com efeitos sobre os preços, afectando sobretudo os cidadãos de renda baixa, isto é, a maioria da população moçambicana pobre. Importantes investimentos no meio rural e na agricultura estão sendo afec quanto ao risco da dívida e suas consequências, e pela debilitação das instituições. O abastecimento às cidades tenderá a reduzir, reforçando a necessidade de importa- ções, em contexto de grande escassez de divisas. Infelizmente, este efeito pode ser compensado com uma redução da procura nas zonas urbanas, em consequência do previsível, e já em curso, aumento do desemprego, redução das oportunidades e do volume dos negócios das empresas e das economias informais, diminuição do poder de compra da maioria dos cidadãos. Estes e outros aspectos implicarão aumento da pobreza e das desigualdades sociais, vocar maior instabilidade sociale aumento da criminalidade, sobretudo nos centros urbanos. O OMR, como organização de pesquisa e advocacia e também de educação para cidadania, analisa com preocupação as posições aparentemente pouco aprofundadas sobre as causas e origem do actual pico de crise e em particular da dívida pública, assim como da ausência de medidas tendentes a reformas nas políticas e nas instituições, o aumento de tom dos discursos e das manifestações repressivas, o black out informativo e o reinício de atitudes de arrogância e autoritarismo. O OMR tem manifestado persistentemente a sua preocupação sobre a secundariza- ção da agricultura na política económica e nas políticas públicas, designadamente no que se refere à alocação de recursos orçamentais e do investimento público, do crédito, de subsídios desajustados, incoerentes, contraditórios entre si e desconti irias questionáveis, debilidade das instituições, não cumprimento nem capacidade de instituições públicas do aparelho de Estado da agricultura permanece fechada, isto ausência de uma política agrária explícita e estável, embora exista claramente uma política agrária implícita. Esta política agrária não explícita indica claramente a secundarização da agricultura familiar que produz mais de 95% dos bens alimentares e a maioria dos bens exportados (tabaco, algodão, gergelim, etc.), é responsável por mais de 75% da ocupação dos moçambicanos, gera mais de 70% do rendimento das famílias camponesas e contribui com mais de 25% do riqueza nacional. É uma política agrária que privilegia o grande investimento, o surgimento discricionário dos “agricultores emergentes”, e médios produtores e um desarmamento alfandegário inoportuno e castigador dos produtores nacionais. As principais consequências são a baixa da produtividade e do rendimento dos pro fraca redução da desnutrição, prevalência de doenças crónicas, má qualidade do ensino, reduzida capacidade de resistências às calamidades naturais e fraca capacidade de intervenção em contexto de emergência. Estas tendências negativas serão cujas consequências foram já mencionados nos comunicados de organizações da sociedade civil em que o OMR é solidário e co-assinante. É hoje consenso que a agricultura não tem desempenhado as suas funções no desenvolvimento económico e social. As crises, e por maior razão, os picos de crise grave como a que atravessa Moçambique, podem ser um momento de revisitar não só as políticas públicas, como a aplicação de medidas de implementação. A agricultura e o meio rural necessitam de uma política agrária e de desenvolvimento territorial diferente daquela que vem sendo praticada. A conjugação dos diferentes efeitos da conjuntura política e económica, terá consequências preocupantes sobre a agricultura. Considerando a importância da agricultura na sociedade e na economia, o enunciado constitucional de priorização do sector e a Declaração de Maputo em afectar 10% do orçamento à agricultura, espera- -se que os expectáveis cortes no orçamento público não afecte substancialmente o sector. No entanto, o OMR considera a necessidade de uma reestruturação nos gastos públicos privilegiando as áreas com maiores efeitos sobre a produção, nomeadamente a extensão, a investigação e os serviços agrários. A educação, a saúde,e as redes comercial e de estradas que articulem as principais zonas produtoras aos mercados não devem ser também afectados pela contracção das despesas e do investimento público. no aumento da produção e das exportações (o que está acontecendo na realidade), considerando os efeitos da conjuntura em sentido contrário, particularmente da capacidade de resposta (elasticidade da oferta) do sector produtivo maioritariamente localizado em zonas de instabilidade político-militar, a subida dos custos de produ- ção e dos transportes, a baixa dos preços internacionais e a retracção da procura com redução do poder de compra da maioria da população.Igualmente, é expectável a retracção do investimento e o aumento do desemprego no meio rural, seja do sector empresarial agrário como de outros sectores, agravando a crise económica e suas repercussões no meio rural. mos práticos a prioridade da agricultura e do desenvolvimento rural, nomeadamente no que respeita ao papel da produção alimentar e do sector familiar da agricultura e do aumento da renda das famílias pobres do campo. O OMR tem a convicção da importância da participação dos diferentes tipos de agentes económicos de vários sectores económicos e sociais no desenvolvimento rural. O OMR mantém o seu posicionamento na defesa dos direitos dos pequenos produtores, sobretudo quanto ao acesso e segurança no uso da terra de acordo com a lei vigente e à participação das comunidades no aproveitamento e gestão dos recursos Dom R territorial deve obedecer a um planeamento do uso do território de forma a garantir o desenvolvimento da pequena produção e dos modos de vida dos camponeses, numa perspectiva dinâmica de transformação estrutural no contexto da evolução da economia como um todo. O OMR manter-se-á atento às práticas nos processos de reassentamentos e migrações forçadas. O OMR não é contrário ao investimento privado, nacional ou estrangeiro, desde que sejam assegurados os direitos dos camponeses, boas práticas do capital e a integra- ção inclusiva dos pequenos produtores com repartição equitativa dos benefícios para as comunidades, conforme o referido no parágrafo anterior. De entre os vários as já revelou possuir conhecimento e experiência que podem ser consideradas na reformulação dessas políticas e estratégias. O OMR está disponível para dar esse contributo junto das instituições públicas e em coordenação com outras organiza- ções, nomeadamente as representantes dos camponeses, do sector privado e de organizações da sociedade civil. Para o efeito, os ministérios relacionados com a agricultura e o desenvolvimento rural, devem mostrar maior abertura e disponibilidade para o diálogo e debate. O OMR junta-se à sociedade em geral na exigência da legalidade dos processos governamentais e do Aparelho de Estado, designadamente nas medidas tomadas e a tomar sobre a crise da dívida pública e da conjuntura económica geral da economia. Maputo, 09 de Maiode 2016. A Direcção do OMR DESTAQUE RURAL Nº 13 Maio de 2016 ACTUAL CONJUNTURA POLÍTICA E ECONÓMICA, AGRICULTURA E DENVOLVIMENTO RURAL
O Observatório do Meio Rural (OMR) tem acompanhado com atenção a recente evolução geral do país e, em particular, o desenrolar da economia com ênfase para a crise da dívida. Tem contribuído em debates públicos e co-assinado comunicados em parceria com outras organizações da sociedade civil. Este texto procura focalizar nos previsíveis efeitos da situação geral do país sobre a agricultura e o meio rural. tico, sobretudo no centro do país, onde se localizam algumas das principais zonas produtoras e de maior densidade populacional. Este factor, associado às condições meteorológicas e de migrações forçadas, principalmente pelo efeito da guerra e investimentos, terá consequências importantes sobre a produção, a circulação de bens e os custos de produção e de transportes, com efeitos sobre os preços, afectando sobretudo os cidadãos de renda baixa, isto é, a maioria da população moçambicana pobre. Importantes investimentos no meio rural e na agricultura estão sendo afec quanto ao risco da dívida e suas consequências, e pela debilitação das instituições. O abastecimento às cidades tenderá a reduzir, reforçando a necessidade de importa- ções, em contexto de grande escassez de divisas. Infelizmente, este efeito pode ser compensado com uma redução da procura nas zonas urbanas, em consequência do previsível, e já em curso, aumento do desemprego, redução das oportunidades e do volume dos negócios das empresas e das economias informais, diminuição do poder de compra da maioria dos cidadãos. Estes e outros aspectos implicarão aumento da pobreza e das desigualdades sociais, vocar maior instabilidade sociale aumento da criminalidade, sobretudo nos centros urbanos. O OMR, como organização de pesquisa e advocacia e também de educação para cidadania, analisa com preocupação as posições aparentemente pouco aprofundadas sobre as causas e origem do actual pico de crise e em particular da dívida pública, assim como da ausência de medidas tendentes a reformas nas políticas e nas instituições, o aumento de tom dos discursos e das manifestações repressivas, o black out informativo e o reinício de atitudes de arrogância e autoritarismo. O OMR tem manifestado persistentemente a sua preocupação sobre a secundariza- ção da agricultura na política económica e nas políticas públicas, designadamente no que se refere à alocação de recursos orçamentais e do investimento público, do crédito, de subsídios desajustados, incoerentes, contraditórios entre si e desconti irias questionáveis, debilidade das instituições, não cumprimento nem capacidade de instituições públicas do aparelho de Estado da agricultura permanece fechada, isto ausência de uma política agrária explícita e estável, embora exista claramente uma política agrária implícita. Esta política agrária não explícita indica claramente a secundarização da agricultura familiar que produz mais de 95% dos bens alimentares e a maioria dos bens exportados (tabaco, algodão, gergelim, etc.), é responsável por mais de 75% da ocupação dos moçambicanos, gera mais de 70% do rendimento das famílias camponesas e contribui com mais de 25% do riqueza nacional. É uma política agrária que privilegia o grande investimento, o surgimento discricionário dos “agricultores emergentes”, e médios produtores e um desarmamento alfandegário inoportuno e castigador dos produtores nacionais. As principais consequências são a baixa da produtividade e do rendimento dos pro fraca redução da desnutrição, prevalência de doenças crónicas, má qualidade do ensino, reduzida capacidade de resistências às calamidades naturais e fraca capacidade de intervenção em contexto de emergência. Estas tendências negativas serão cujas consequências foram já mencionados nos comunicados de organizações da sociedade civil em que o OMR é solidário e co-assinante. É hoje consenso que a agricultura não tem desempenhado as suas funções no desenvolvimento económico e social. As crises, e por maior razão, os picos de crise grave como a que atravessa Moçambique, podem ser um momento de revisitar não só as políticas públicas, como a aplicação de medidas de implementação. A agricultura e o meio rural necessitam de uma política agrária e de desenvolvimento territorial diferente daquela que vem sendo praticada. A conjugação dos diferentes efeitos da conjuntura política e económica, terá consequências preocupantes sobre a agricultura. Considerando a importância da agricultura na sociedade e na economia, o enunciado constitucional de priorização do sector e a Declaração de Maputo em afectar 10% do orçamento à agricultura, espera- -se que os expectáveis cortes no orçamento público não afecte substancialmente o sector. No entanto, o OMR considera a necessidade de uma reestruturação nos gastos públicos privilegiando as áreas com maiores efeitos sobre a produção, nomeadamente a extensão, a investigação e os serviços agrários. A educação, a saúde,e as redes comercial e de estradas que articulem as principais zonas produtoras aos mercados não devem ser também afectados pela contracção das despesas e do investimento público. no aumento da produção e das exportações (o que está acontecendo na realidade), considerando os efeitos da conjuntura em sentido contrário, particularmente da capacidade de resposta (elasticidade da oferta) do sector produtivo maioritariamente localizado em zonas de instabilidade político-militar, a subida dos custos de produ- ção e dos transportes, a baixa dos preços internacionais e a retracção da procura com redução do poder de compra da maioria da população.Igualmente, é expectável a retracção do investimento e o aumento do desemprego no meio rural, seja do sector empresarial agrário como de outros sectores, agravando a crise económica e suas repercussões no meio rural. mos práticos a prioridade da agricultura e do desenvolvimento rural, nomeadamente no que respeita ao papel da produção alimentar e do sector familiar da agricultura e do aumento da renda das famílias pobres do campo. O OMR tem a convicção da importância da participação dos diferentes tipos de agentes económicos de vários sectores económicos e sociais no desenvolvimento rural. O OMR mantém o seu posicionamento na defesa dos direitos dos pequenos produtores, sobretudo quanto ao acesso e segurança no uso da terra de acordo com a lei vigente e à participação das comunidades no aproveitamento e gestão dos recursos Dom R territorial deve obedecer a um planeamento do uso do território de forma a garantir o desenvolvimento da pequena produção e dos modos de vida dos camponeses, numa perspectiva dinâmica de transformação estrutural no contexto da evolução da economia como um todo. O OMR manter-se-á atento às práticas nos processos de reassentamentos e migrações forçadas. O OMR não é contrário ao investimento privado, nacional ou estrangeiro, desde que sejam assegurados os direitos dos camponeses, boas práticas do capital e a integra- ção inclusiva dos pequenos produtores com repartição equitativa dos benefícios para as comunidades, conforme o referido no parágrafo anterior. De entre os vários as já revelou possuir conhecimento e experiência que podem ser consideradas na reformulação dessas políticas e estratégias. O OMR está disponível para dar esse contributo junto das instituições públicas e em coordenação com outras organiza- ções, nomeadamente as representantes dos camponeses, do sector privado e de organizações da sociedade civil. Para o efeito, os ministérios relacionados com a agricultura e o desenvolvimento rural, devem mostrar maior abertura e disponibilidade para o diálogo e debate. O OMR junta-se à sociedade em geral na exigência da legalidade dos processos governamentais e do Aparelho de Estado, designadamente nas medidas tomadas e a tomar sobre a crise da dívida pública e da conjuntura económica geral da economia. Maputo, 09 de Maiode 2016. A Direcção do OMR DESTAQUE RURAL Nº 13 Maio de 2016 ACTUAL CONJUNTURA POLÍTICA E ECONÓMICA, AGRICULTURA E DENVOLVIMENTO RURAL
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