O Autarca – Jornal Independente, Terça-feira – 17/05/16, Edição nº 3073 – Página 4/5
O poeta José Craveirinha (1922-2003) dizianos,
e repetia, que «a Poesia não é para burros». Referia-se
à interpretação poética. Ora, tal é o caso dos que
comentam sobre a arte da pintura e, mais grave, sobre
poesia. Ter alguma sensibilidade para a escrita em
prosa ou poesia, não chegará para se ser comentador.
Para se apreciar, é possível. Qualquer pessoa pode.
Basta se ter sensibilidade e curiosidade. Porém, para
se aprofundar um assunto, como em tudo na vida, há
pré-requisitos abonatórios para determinado exercício:
a experiência e estudo. Torna-se portanto necessário
que se sinta a verve inspiratória das artes, seja da escrita
ou das artes plásticas, exercitando-as na prática
com humildade, não se deixando influenciar pelos discursos
de outros, sejam estes providos de encómios ou
de desencorajamento.
Escrever sobre Ribeiro-Canotilho implica uma
viagem à memória do seu percurso existencial na consolidação
do seu pensamento, da sua vida e da sua
multifacetada arte. O saudoso crítico de arte português,
arquitecto Mário de Oliveira, (1914-2013) confidenciava-nos
em 1983, que havia duas formas de fazer
crítica de arte à obra de algum pintor:
- Primeira forma: um cometário laudatório de
amizade sobre a arte pictórica de um amigo ou amiga.
(Nesse caso, porventura, sem interesse real que contribua
como avaliação para a evolução do próprio artista).
- Segunda forma: um comentário de crítica equilibrada,
construtiva, medindo os prós e contras na
avaliação da obra em causa. Ora bem, optamos pela
segunda forma. Precisamente em nome da amizade
desinteressada. Opção, no entanto difícil pela proximidade
dessa amizade construída desde 1962, nos nossos
tempos escolares de adolescentes.
Tempos em que nós, e o ainda Ribeiro-Couto
de passagem pelas terras vizinhas do Rand do apartheid
bóer, frequentámos o recém-criado curso de PinNOTA
PRÉVIA | Antecipadamente agradecemos
ao autor Ribeiro-Canotilho, a oferta da sua obra
aqui comentada – «Poalha de MussaM’Biki», datada
de 10 Novembro 2015. Não assinalámos atempadamente,
porque exactamente nessa data (10 Novembro
2015, 15:00-17:30) defendíamos na Universidade de
Lisboa a nossa tese de Doutoramento para obtenção
do respectivo grau de Doutor - Ph.D. [Philosophiae
Doctor (Doctor of Philosophy)]
Foi de bom augúrio essa data de envio, pelo
autor Ribeiro-Canotilho, pois, fomos aprovados com
«Distinção». Os primeiros meses seguintes, em 2016,
foram de «ressaca do conhecimento» do esforço despendido
na fase de pós-graduação de 2010 a 2015, após
a conclusão da licenciatura de 2006 a 2010.
Foram 9 anos de estudo intensivo e uma viagem
de pesquisa de 7 meses pelo Brasil (8 mil km percorridos),
a partir da UnB – Universidade de Brasília,
como bolseiro do ‘Programa de Bolsas Luso-Brasileiras
Santander Universidades’ em 2009 – acordo de cooperação
luso-brasileiro de 20 de Janeiro de 2007
“que permite a mobilidade de alunos de nível acadé-
mico superior, ou seja, entre Universidades.”
«RIBEIRO-CANOTILHO: Poalha de MussaM’Biki»
| A propósito da prosa-poetizada de Ribeiro-Canotilho
– ex-Ribeiro Couto, mestre-pintor de talento,
e escriba inconformado, tecemos o seguinte: -
Escrever sobre a arte de alguém não é para quem quer,
mas para quem pode. Isto é, comentar sobre qualquer
tema pode-se fazer, mas seria atrevimento. Pois para
tal exercício discursivo é necessário que se possua minimamente
as ferramentas do conhecimento dessa matéria.
Comentar sobre economia ou medicina, ou outra
área – é preciso ter conhecimento da matéria. Caso
contrário fica-se pelas generalidades e nunca pela especificidade
científica, escondendo a ignorância dessa
matéria. No entanto, muitos parecem ser doutos na avaliação
quer poética quer pictórica.
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beiro-Couto, na consciencialização do seu ser e estar,
num contexto colonial, português, da crucial década
de 1960 aos eventos após 25 de Abril 1974. Seriam
por ele presenciados os dias conturbados e trágicos
que se seguiram ao 7 de Setembro – data do assalto
por portugueses coloniais, ultras, à RCM (Rádio Clube
de Moçambique) e 21 de Outubro, em 1974.
Por outro lado, viveu-se mais tarde, o reverso
moçambicano com a Operação Produção, e campos tenebrosos
de reeducação em Nachingwea (Tanzania) e,
em particular, no norte de Moçambique (onde pená-
mos como dissidente desiludido), em 1975-1976. Nessa
fase encontrámos o ainda Ribeiro-Couto empenhado
contra as injustiças desses momentos, depois de ultrapassar
a fase de estupefacção e de indignação dos anos
anteriores. A dramática saída de Moçambique, em
1976, para Portugal, terra dos pais, endureceria definitivamente
Ribeiro-Couto.
O dilúvio discursivo e magoado em «Poalha de
MussaM’Biki» é testemunho do seu autor, resgatado
Ribeiro-Canotilho, na primeira pessoa. É nessa progressiva
contextualização que se poderá compreender
o discorrer da prosa-poetizada de repúdio à deteriora-
ção desse devir mais justo, que defendera para um
Moçambique independente. Essa opção ideológica, da
qual o próprio autor sofreria as suas consequências,
encontra-se reflectida num agora já Ribeiro-Canotilho,
na assumpção amadurecida de seu protagonismo existencial.
‘Caminhar se faz caminhando’ – parafraseando
o cântico poético do poeta sevilhano Antonio Machado
(1875-1939), Ribeiro-Canotilho (1946) tem feito
seu caminho, caminhando. «Poalha de MussaM’Biki»
é um desses caminhares de um fôlego, sem respirar,
do percurso existencial intenso do seu autor – de
1962 a 2015, que pode asfixiar o leitor menos avisado.■
(Mphumo João Craveirinha)
tura Decorativa na Escola Industrial, da então cidade
colonial de Lourenço Marques (hoje Maputo). Cidadecapital
de Moçambique, implantada em terras tradicionais
do clã ronga dos Mphumo, com sua sede real oitocentista,
exactamente no local da actual Igreja Anglicana
ao lado do centro comercial MK, na Avenida
24 de Julho.
Retomando o fio à meada, a obra «Poalha de
MussaM’Biki» que folheamos com interesse crítico, é
reveladora da ligação telúrica que o autor transpira pelas
palavras emprestadas do recôndito da sua ‘memorabilia’
– em turbilhão. Essa paixão não será de admirar
para quem acompanhou o percurso do autor Ribeiro-Canotilho,
como nós (o autor deste apontamento)
que o apresentámos à família paterna do bairro da Coop,
e à família do tio, conhecido poeta e activista polí-
tico, na entrada da Mafalala.
Esse convívio com as duas famílias Craveirinha
a da Coop (a nossa), e a da Mafalala, inspirará o
autor de «Poalha de MussaM’Biki» na epígrafe do seu
poema…
«ANTÍPODAS - Ao grande poeta José Craveirinha
e a seu sobrinho-direito João Craveirinha
(meu condiscípulo), antropólogo, escritor e pintor.»
(Ribeiro-Canotilho 2015, 49)
A criação por nós (iniciativa do autor desta
crónica) do ‘Grupo 7,’ formado por jovens colegas do
curso de pintura, seria decisiva para a evolução de Ribeiro-Couto
(hoje Canotilho), no desenvolvimento da
sua concepção ideológica e sociológica, na compreensão
da cultura moçambicana, a partir da Associação
Africana de Moçambique, ao Alto-do-Mahe – Malanga,
em 1964, onde participou em eventos de dança de
«folclore evoluído», como lhe chamou o folclorista
José Craveirinha (além de poeta, jornalista e desportista).
Esse convívio, por nosso intermédio, seria decisivo,
e não se pode dissociar da caminhada do ainda RiPropriedade:
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