O enredo à volta da misteriosa
contratação de uma
dívida superior a dois mil
milhões de dólares por
parte do Governo de Armando
Guebuza tem em comum o facto
de estarem envolvidas personagens
ligadas ao Serviço de Informação e
Segurança do Estado (SISE), destaca
na sua mais recente edição o
Indian Ocean Newsletter (ION),
uma publicação francesa sobre temas
africanos.
Segundo a publicação, o papel dos
“espiões” do SISE terá sido determinante
para persuadir Armando
Guebuza a anuir no endividamento
clandestino do país, levando ao actual
estado periclitante das contas
públicas.
Não está claro se a influência dos
“SISEs” terá sido apenas meramente
persuasiva ou decisiva sobre
Guebuza, na resolução que levou ao
recurso a avultadas dívidas, ao arrepio
das normas e à calada de tudo
e todos.
“De acordo com informações obtidas
pelo Indian Ocean Newsletter
em Maputo, foi iniciativa de
um pequeno círculo de quadros de
topo dos serviços de segurança que
esteve por detrás da contratação de
empréstimos de cerca de 1,4 biliões
de dólares e que provocou a ira dos
doadores internacionais”, diz a notícia.
São os mesmos “securocratas”,
adianta a publicação, que impuseram
uma linha mais agressiva em
relação à Renamo, levando à deterioração
da actual situação política.
Porém, esta versão é contrariada
por outras fontes locais contactadas
pelo SAVANA que interpretam
este “apontar de dedos” aos servi-
ços de inteligência do Estado como
uma forma de criar uma “cortina de
fumo” em torno de Guebuza e seus
aliados, agora sob uma formidável
pressão da comunidade doadora
para que sejam expostos publicamente
e, eventualmente, encaminhados
à barra dos tribunais. Nesta
versão, os operativos da segurança
foram habilmente utilizados por
um círculo restrito de funcionários
superiores do Executivo, directamente
ligados ao antigo Chefe de
Estado, garantindo-lhe lealdade e
secretismo.
Para demonstrar a sua asserção sobre
o envolvimento dos espiões do
SISE, o Indian Ocean Newsletter
diz que a e Ematum e a Mozambique
Asset Management (MAM),
criadas entre 2012 e 2014, têm
ambas o mesmo accionista, que é
a Gestão de Investimentos, Participações
e Serviços (GIPS). Esta
entidade é, por sua vez, detida pela
SERSSE, formalmente os serviços
sociais do SISE.
O PCA da Ematum, da Proindicus
(e da Mozambique Assets Management-MAM),
outra empresa que
beneficiou dos empréstimos (USD
622 milhões), é António Carlos do
Rosário, um antigo professor no
ISRI(Instituto Superior de Rela-
ções Internacionais), instituição
que dá emprego a muitos quadros
do SISE e também é conhecida
como fonte de recrutamento para a
segurança moçambicana. Segundo
a ION, Rosário criou em 2010, em
Maputo, uma empresa de consultoria
e investimento, a Jociro Internacional,
tendo como sócios Ângela
Diniz Buque Leão, mulher de José
Gregório Leão de Barros, director-
-geral do SISE, desde 2005, quando
foi indicado para o lugar por
Armando Guebuza, em substitui-
ção de José Castiano Zumbire, que
morreu em circunstância até hoje
não muito bem esclarecidas.
Do Rosário tem plenos poderes
na Proindicus e na MAM, mas na
Ematum, o CEO é agora Felisberto
Manuel, um antigo gestor da
Emopesca que substituiu em Janeiro
a directora executiva Cristina
Matavele.
Em Moçambique, é comum encontrarem-se
funcionários com
ligações à segurança de Estado
trabalhando nos mais diversos sectores,
desde as administrações de
distrito e de província, até ao governo
central e à diplomacia. Uma
parte destes quadros foi formada
em Cuba e na extinta RDA (Repú-
blica Democrática Alemã).
Segundo a ION, outro sócio da
Jociro Internacional é Cipriano Sisino
Mutota, que detém também
uma participação na TPCO Mulepe,
empresa mineira, em sociedade
com o empresário italiano Emiliano
Finocchi, um residente em Mo-
çambique há várias décadas.
Ao que o SAVANA apurou, a Jociro
Internacional é uma sociedade
por quotas, registada a 14 de Dezembro
de 2010 e publicitada através
do BR nº 2, III Série de 12 de
Janeiro de 2011. Com um capital
social de 10 mil meticais, a Jociro
Internacional dedica-se à prestação
de serviços nas áreas de auditoria,
contabilidade, revisão e certificação
de contas; estudos económicos e financeiros;
análise de investimentos;
serviços de consultoria compreendendo
a assessoria fiscal, jurídica,
informática, projectos de viabiliza-
ção, gestão de empresa e áreas afins;
propriedade intelectual; compra e
venda de equipamentos e serviços;
e importação e exportação de equipamento
diverso relativo a área de
actividades da empresa. O SAVANA
não conseguiu apurar a eventual
ligação da Jociro com a Ematum,
Proindicus e MAM, mas é claro o
vínculo destas últimas três empresas
com o GIPS e, implicitamente
os serviços de segurança.
As fontes do SAVANA garantem
que é falacioso falar em sector privado
ou investidores privados nas
três empresas onde está claro o vínculo
de união com os serviços de
inteligência. “Mesmo que existam
indivíduos mencionados nas escrituras
das empresas, isto era apenas
para cumprir preceitos legais relacionados
com o número de sócios
nas sociedades comerciais”, dizem
as mesmas fontes. “Os privados de que se fala não são sócios, mas
eventuais comissionistas nas avultadas
transacções que foram feitas”,
explicam as fontes. Juntando-se
ao coro da sociedade civil, figuras
gradas ligadas à Frelimo, têm aparecido
a pedir “as cabeças dos responsáveis”
da criação secretiva das
empresas, mas, ao mesmo tempo,
têm evitado mencionar os nomes
que andam de boca em boca na
praça pública: o presidente Guebuza
e o antigo ministro das Finanças
Manuel Chang.
Coincidência ou não, de acordo
com as fontes da ION, Gregório
Leão acompanhou, em Abril, Filipe
Nyusi nas visitas a Berlim e Bruxelas
para assegurar aos investidores
e doadores que os empréstimos
serão saldados.
Na teia de empresas na órbita
da segurança de Estado, a GIPS,
MAM e Proindicus juntaram-se
este ano para constituir a Vipas,
uma empresa de segurança especializada
na proteção de embaixadas e
diplomatas.
A Vipas (Vip and Assets Security,
S.A.), criada a 20 de Janeiro
de 2016, dedica-se igualmente ao
acompanhamento de veículos de
transporte de valores; transporte
expresso de valores; instalação, assistência
e monitoria de sistemas
eléctricos de segurança. Possui um
capital social de 30 milhões de meticais.
A existência de “um pequeno império
empresarial” nas mãos dos
serviços de inteligência mostra o
ressurgimento e os poderes que o
sector adquiriu durante a governa-
ção Guebuza e o renascimento do
modelo das “empresas da seguran-
ça”, como aconteceu logo a seguir à
independência, no mandato de Jacinto
Veloso e cujo maior baluarte
foi a Socimo.
(Redacção)
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