CANDIDATO DA FRELIMO VIRTUAL VENCEDOR DE MAIS UMA ELEIÇÃO FRAUDULENTA
– Observadores internacionais afirmam que a votação foi pacífica, mas testemunharam enchimento de urnas e de extrapolação do número de eleitores inscritos
– Venâncio Mondlane, o principal candidato da oposição, declarou-se vencedor da eleição presidencial e diz que a juventude não vai tolerar mais uma fraude
Por Noémia Mendes e Aurélio Muianga
Maputo (MOZ TIMES) – Com os resultados oficiais do apuramento distrital das eleições de 9 de Outubro publicados, o candidato do partido no poder, Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), Daniel Chapo, é o virtual vencedor da eleição presidencial e o seu partido FRELIMO deverá ganhar as eleições legislativas e provinciais, em todas as 10 províncias de Moçambique. Os resultados finais de apuramento nacional deverão ser publicados até ao dia 24 deste mês.
A vitória da FRELIMO e do seu candidato presidencial já era esperada, num contexto de grande manipulação das eleições e de um campo de disputa política inclinado a favor da FRELIMO. Nesta eleição, o principal opositor da FRELIMO, Venâncio Mondlane, e as principais missões de observação eleitoral, nacionais e internacionais, voltaram a denunciar casos de irregularidades graves e de fraude eleitoral, incluindo o enchimento de urnas e a inflacção do número de eleitores inscritos, o que beneficiou o partido no poder.
Os resultados publicados pelas comissões distritais de eleições mostram que o candidato presidencial Daniel Chapo irá assegurar uma vitória na primeira volta, com pelo menos mais de 60% de votos. O partido FRELIMO ganhará as eleições legislativas, estendendo assim o seu reinado, que dura desde a independência do país em 1975, para mais de 50 anos. As dúvidas que permanecem é se a FRELIMO voltará a conseguir uma maioria de mais de dois terços no Parlamento, como conseguiu nas últimas eleições gerais de 2019.
A vitória da FRELIMO e do seu candidato presidencial deverão garantir a continuidade das políticas públicas favoráveis aos investimentos internacionais, sobretudo para a exploração de recursos naturais como gás natural, em Cabo Delgado, grafite, areias pesadas, rubis, entre outros.
No entanto, a nível interno há um grande desgaste da governação da FRELIMO, marcada por escândalos de corrupção, como o das dívidas ocultas, deterioração da qualidade de serviços públicos, como educação, saúde, segurança pública, o que levou muitos eleitores, sobretudo jovens e populações urbanas, a apoiar o candidato da oposição, Venâncio Mondlane.
Ascenção de um novo líder da oposição
A grande surpresa desta eleição é Venâncio Mondlane, que está a concorrer pela primeira vez para as eleições presidenciais. Dados preliminares indicam que Mondlane poderá assegurar a segunda posição, relegando o candidato do histórico partido Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) para o terceiro lugar, o que acontecerá pela primeira vez desde a introdução das eleições multipartidárias em Moçambique, em 1994.
Mondlane era um proeminente deputado da RENAMO e abandonou o partido depois de ter sido impedido de concorrer como candidato presidencial. Lançou uma candidatura presidencial independente e parece ter levado consigo os eleitores da oposição.
Resultados oficiais mostram que Mondlane conseguiu a segunda posição em todas os distritos, enquanto o candidato da RENAMO, Ossufo Momade segue em terceira posição. Na última posição está o candidato do Movimento Democrático de Moçambique, Lutero Simango.
A posição de segundo candidato presidencial mais votado confere automaticamente um estatuto de membro do Conselho de Estado, um órgão de aconselhamento ao Chefe do Estado sobre assuntos de grande interesse nacional. No entanto, o candidato da oposição pode recusar-se a integrar o Conselho do Estado, como já o fez o falecido líder da RENAMO, Afonso Dhlakama.
PODEMOS, um pequeno partido criado por dissidentes da FRELIMO há cerca de uma década, declarou apoio a Venâncio Mondlane nas vésperas das eleições. Este partido está a conseguir resultados surpreendentes que o poderão colocar como o segundo partido mais votado e conferir-lhe um prestigiante estatuto de líder da oposição parlamentar. Mas esta posição será disputada seriamente com o partido RENAMO, que tem mais votos do que o seu candidato presidencial.
O partido que lidera a oposição parlamentar tem direito a criar uma bancada parlamentar. Com base na representação proporcional no parlamento, os partidos com assento no parlamento designam membros para importantes órgãos do Estado, incluindo a Comissão Nacional de Eleições, Conselho do Estado e Conselho Constitucional. Este último órgão exerce funções de Tribunal Constitucional e de Supremo Tribunal Eleitoral, cabendo aos seus juízes declarar a constitucionalidade das leis, aprovar resultados das eleições, entre outras funções essenciais.
Fraude eleitoral e ameaça de revolta da juventude
Um dia após a votação, Venâncio Mondlane declarou-se vencedor da eleição em live transmitida na sua conta oficial de Facebook. Disse que já havia criado uma comissão para a transição pacífica do poder e que no seu governo iria incluir membros da FRELIMO.
Numa conferencia de imprensa dois dias depois das eleições, Dinis Tivane, director técnico da equipa de contagem paralela montada por Venâncio Mondlane, afirmou que o seu candidato venceu a eleição em 8 das 11 províncias. Assumiu a derrota de Mondlane no Niassa (Norte), Gaza e Inhambane (Sul). Mas estes resultados não condizem com os resultados oficiais.
Mondlane prometeu uma revolta popular caso lhe seja roubada a vitória. “O futuro deste país não depende de mim, depende da juventude deste país”, disse Mondlane citando Jonas Savimbi, líder histórico da oposição UNITA e comandante da guerrilha em Angola. “Acredito na força e na bravura dos jovens para não permitirem a fraude”.
No ano passado, Mondlane concorreu a presidente do município da capital, Maputo, e perdeu para o candidato da FRELIMO. Mas, a contagem paralela de organizações independentes de observação eleitoral mostrou que Mondlane venceu a eleição por mais de 55% de votos. Mondlane promoveu marchas populares pacíficas por mais de 45 dias a reivindicar a vitória e só parou quando foram proclamados os resultados oficiais pelo Conselho Constitucional.
Lorena Mazive, especialista em assuntos eleitorais na Sala da Paz, uma organização moçambicana que observa eleições em Moçambique desde 2004, entende que ao anunciar a sua própria vitória eleitoral, Mondlane pretende pressionar a opinião pública para repudiar a fraude. “Houve fraude nestas eleições mas a questão central são as evidências. Sem evidências (de fraude) qualquer reivindicação perde força”, disse Mazive em entrevista.
A especialista entende que poderá haver marchas populares, como ocorreu no ano passado, mas que serão maioritariamente pacíficas. “As marchas de Mondlane ano passado foram pacíficas e só houve violência quando a Polícia tentou impedir”, disse Mazive. “Este ano penso que não será diferente”.
O porta-voz da Comissão Nacional de Eleições, Paulo Cuinica, desvalorizou a declaração de Vitória de Mondlane, afirmando que “cabe aos órgãos eleitorais declarar o vencedor das eleições e quem não concorda pode recorrer aos tribunais”.
Enquanto a campanha eleitoral e a votação foram maioritariamente pacíficas, os principais grupos de observação eleitoral, domesticas e internacionais, referem-se a casos de fraude eleitoral testemunhados durante a votação e o apuramento de resultados.
A Missão de Observação Eleitoral da União Europeia em Moçambique (MOE EU) observou o apuramento de resultados em 74 assembleias de voto e avaliou o processo como mau em 24 assembleias e muito mau em quatro, disse Laura Ballarín, chefe da MOE EU em Moçambique na sua primeira declaração preliminar da missão em Maputo, na sexta-feira passada. “Casos de enchimento de urnas foram detectados na Zambézia, Maputo, Nampula, Tete, Gaza e Sofala”, Laura Ballarín disse respondendo a perguntas de jornalistas.
Na sua declaração preliminar, a missão de observação internacional do Instituto Republicano Internacional (IRI), em Moçambique, disse que notou alguns incidentes de violações críticas em todo o país. “Nas províncias como Maputo, Niassa, Inhambane e Zambézia, agentes de partidos políticos e cidadãos observadores foram, por vezes, impedidos de entrar nas assembleias de voto. Isto ocorreu apesar de os cidadãos observadores possuírem as credenciais necessárias, causando interrupções nos esforços de observação”.
Organizações de Observadores locais da Sala da Paz e o consórcio Mais Integridade reportaram casos graves de fraude eleitoral. A Sala da Paz referiu, em seu relatório sobre o apuramento de resultados, que “grande parte das mesas já finalizaram o apuramento, mas estranhamente não publicaram os editais”. Os resultados do apuramento geral das eleições de 9 de Outubro deverão ser publicados até 15 dias após o fim da votação. Nesse momento seguir-se-ão reclamações nos órgãos de gestão eleitoral e recursos de contencioso eleitoral nos tribunais distritais, que deverão ser decidos antes da divulgação dos resultados de apuramento geral. (NM/AM/BN).
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