domingo, 12 de fevereiro de 2017

Maputo, ha mais de 100 anos



Água e Carros Eléctricos.
A cidade cresce e moderniza-se
Em 1903 o fornecimento de água à cidade era feito por numerosos poços, de onde era extraída por bombas manuais, abertos na encosta e na parte baixa da cidade. A água era abundante e permitia que se fizessem hortas e jardins. A regularidade das chuvas permitia a recuperação dos poços, mas nos anos de seca chegava-se a passar privações que obrigavam a restrições severas. Nesse mesmo ano já se trabalhava no projecto do rio Umbelúzi.

Fez-se a concessão para a exploração de carros eléctricos a uma entidade portuguesa que a transformou numa sociedade anónima e por fim, em 1907, os carros eléctricos circulavam na cidade explorados pela Delagoa Bay Development Corporation. Esta Companhia fazia também o abastecimento de água captada no rio Umbelúzi de onde era trazida em tubos de aço numa extensão de dezoito milhas. Dizia um importante jornal da época — The Lourenço Marques Guardian — que a estação de captação e tratamento das águas no Umbelúzi, tubos, sistemas de filtros, distribuição e instalações era tudo da melhor qualidade e a obra realizara-se dentro dos mais modernos princípios da técnica. A estação fora preparada para um fornecimento diário de 2 500 000 galões de água.

Por esta época já a cidade mostrava um progresso notável.

Com o aterro do enorme pântano que, limitando a cidade pelo ocidente, se estendia desde as margens do estuário do Espírito Santo até à encosta do Maé, recuperou-se a maior parte da área para a expansão da cidade baixa. Foi sem dúvida a obra de urbanização mais importante realizada até essa altura.







Nele se ergue o Mercado Municipal, então o edifício mais imponente de que os habitantes se orgulhavam ; à sua direita fizera-se um campo de football e um outro para corridas de cavalos.

Seguiam-se as hortas exploradas por chineses em frente das quais se ergueram os armazéns do cais e as estâncias de madeiras que se pro­longavam por cerca de um quilómetro junto à linha férrea. As casas de habitação tendo já tomado a encosta estendem-se para o Alto-Maé, para a Ponta Vermelha e Polana.



No ano seguinte (1908) iniciava-se a construção da nova estação do caminho de ferro que veio a ser inaugurada oficialmente em 19 de Março de 1910. Os canais da baía já estavam assinalados por bóias ; o Departamento Hidrográfico tinha feito publicar as cartas do porto e já se haviam começado os trabalhos da drenagem no canal da Polana.



Podia dizer-se que a população se sentia satisfeita com o fornecimento da água, da luz, com os transportes eléctricos e telefones. A publicação das contas do exercício económico encerrado em Junho de 1907 revelava uma grande melhoria na situação das finanças pública ; o débito que em 1906 era de £ 237 762 estava agora reduzido a £ 85 298 tendo os cofres da tesouraria uma existência de £ 85 690. O redactor do mais importante jornal dessa época, The L.ourenço Mar­ques Guardian, analisando a situação financeira da Província punha em relevo a sua estabilidade considerando-a invejável em relação às colónias vizinhas.

Tramways - Em 1904, Lourenço Marques passou a contar com um novo e moderno serviço de transporte urbano : os elétricos. Como mais um espaço social, também aqui se reproduziram as relações sociais e raciais excludentes : logo após o início do serviço, a Câmara, elaborou um Regulamento de Exploração dos Eléctricos, que estatuía, em seu artigo 5o que « os indígenas e asiáticos » só poderiam « transitar nas imperiais e em lugar especial determinado pela Companhia », ou seja, não poderiam entrar no recinto do carro propriamente dito e não poderiam sentar-se em suas poltronas, tendo que viajar de pé na pequena área a eles destinados ou pendurados nos estribos.

A comunidade nativa parece não ter reagido de imediato, mas a Associação Comercial e setores da imprensa reagiram e a Câmara acabou por sugerir ao Conselho Administrativo de Lourenço Marques que o artigo passasse a ter a seguinte redação : « Os indígenas e asiáticos ou quaisquer outras pessoas não podem transitar dentro dos carros eléctricos sem que se apresentem decentemente vestidos à européia », deixando ao arbítrio dos funcionários da Companhia decidir quem estava decentemente trajado à européia. Ou seja, se queriam poder usufruir deste novo meio de transporte, os asiáticos e africanos teriam que se submeterem aos ditames da lei e abdicar de seus valores estéticos e culturais adotando os padrões europeus.

Com o passar dos anos os asiáticos conquistaram o direito de viajarem dentro dos tramways mas os passageiros negros continuaram a ser discriminados, não podendo viajar senão na plataforma externa traseira. O Africano, em 1911, contestava o fato de que as « mulheres decentemente vestidas com "capulanas", asseadíssimas » eram obrigadas a viajar de pé, na traseira dos carros, e que, apesar disto, elas, assim como os demais indígenas eram obrigados a pagar a mesma importância pelas passagens.

Anos depois, em 1928, Zacarias Bakar, um passageiro negro, cujo sobrenome denota sua filiação com o islã, escrevia com certa ironia : « Estimaria imenso que V. Exa. mandasse por um aviso para os pretos saberem onde se devem sentar. Tenho visto nos carros, brancos sujos sentados dentro, ao passo que alguns africanos decentes e bem vestidos e civilizados como eu, são obrigados a sentar Deus sabe onde ».

A exclusão racial também atingia os funcionários : dos trinta e dois condutores e guarda-freios empregados pela Companhia, em 1912, somente quatro eram pardos, nenhum asiático ou negro.

Foto do tramway nº 12 no catálogo do fabricante, Electric Railway & Tram Carriage Works, Preston, Reino Unido, maio de 1904. Uma anterior remessa de idênticos carros foi feita em junho de 1903 à G. F. Milnes, Reino Unido.



Repare-se que os carros têm dois andares, com uma escada em cada topo: a imperial (o andar de cima) era destinada a africanos e asiáticos, enquanto que o andar de baixo era destinado a europeus. Desconhece-se se foram utilizados assim e quando foram modificados para um só piso, uma vez que não há registos escritos ou fotos dos tramways em circulação que os mostrem com escadas e/ou imperiais.

O decreto de 23 de Maio de 1927 dando a Moçambique uma nova organização administrativa e instituições representativas, assinalava o progresso da nossa administração pública. Os nossos governantes estavam preparados para as pe­sadas responsabilidades que lhe foram atribuídas e confiavam na colaboração e no trabalho dos colonos.

Olhando-se para a planta topográfica da cidade, assinada pelo Major António José de Araújo, director das Obras Públicas, datada de Dezembro de 1887, nota-se que o seu limite oriental é representado pela Avenida Augusto Castilho.



Para a direita, estendem-se as terras áridas da Machaquene e da Polana com algumas povoações de nativos já bastante afastadas ; ao fundo das dunas da encosta da Machaquene, no prolongamento da cidade para além, portanto, do traçado da­quela avenida, estende-se um grande pântano até ao sopé da escarpa da Ponta Vermelha que vem quase até ao mar, coberta de densa vegetação que a protege contra as enxurradas violentas e desordenadas que arrastam as suas terras pouco firmes e os pedregulhos soltos nos pontos desnudados, e contra os frios vendavais do sul que por vezes fustigam o porto fazendo crescer o mar em grandes vagas que ameaçam os navios ancorados e mal seguros nas suas amarras.

Trabalhava-se em 1915 no aterro desse pântano que as marés altas inundavam em grande parte. Os trabalhos, orçamentados em £ 100 000, compreenderam ainda a conquista de toda a praia levantando para isso uma alta e grossa muralha até à doca dos pescadores. Em 1919 viam-se ainda passar os vagões carregados de terra arrancada à encosta do quilómetro um, puxados por uma velha máquina dos caminhos de ferro. O aterro ficou completado dois ou três anos depois. Não se tendo feito a drenagem do pântano plantaram-se casuarinas e eucaliptos, que ainda hoje se vêem na desordem e abandono em que cresceram, para enxugar as terras.

A partir de então a cidade cresceu para muito além dos limites daquela planta topográfica assenhoreando-se das áreas adjacentes às terras altas da Machaquene, Munhuana e Polana.

Há mais de vinte anos que se trabalha num ambicioso plano de urbanização que deverá corresponder à expansão da cidade durante os próximos trinta anos. As construções têm-se mantido num ritmo cres­cente, havendo uma marcada tendência para os prédios de rendimento superiores a quatro pavimentos.













A sua população, multirracial, segundo o censo provisório de 1960, é de 367 596 indivíduos. As construções continuam a fazer-se num ritmo lento mas constante. Os grandes blocos de apartamentos de seis, oito, doze e mais andares erguem a sua massa rectangular, maciça e uniforme por toda a parte acima do antigo casario da cidade transformando radicalmente a sua imagem de há qua­renta anos.

A área da cidade alargou-se desmesuradamente embora haja, dentro dos próprios limites da planta de 1892 ou 93, grandes espaços vazios. Apesar de isso, como se houvesse falta de espaço, faz-se a demolição de prédios construídos há vinte anos ou pouco mais para substituí-los por edifícios de rendimento.

A casa de um só fogo, isolada, com o seu jardim e quintal, e a característica varanda a protegê-la do sol e das intempéries, com ar independente, acolhedor e tranquilo, a denotar confiança, conforto e estabilidade tende a desaparecer com razões pura­mente económicas entre as quais se conta o elevado preço dos terrenos. Desta maneira já a cidade perdeu o ar rural e sossegado nos seus subúrbios mais antigos, com a aceleração do movimento das suas ruas e abertura de novos estabeleci­mentos comerciais e fabris. Contudo o problema habitacional não se considera resolvido.



Admite-se que a sua população tenha aumentado consideravelmente nestes últimos anos.

FONTE:
COSTANTINO CASTRO LOPO - Câmara de Comércio de Lourenço Marques - 1891 -1966
Valdemir ZAMPARONI - Colonialismo e racismo em Lourenço Marques
Arquivo Vivo de Moçambique
GEC Alsthom Preston

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