O candidato independente à presidência, que as sondagens dão como o favorito, tocou num tema que divide a sociedade e os políticos. Está a ser crucificado. Até que ponto isto o irá afectar?
Emmanuel Macron tropeçou no primeiro obstáculo do seu percurso como candidato à presidência francesa e não será fácil recuperar da queda. Foi ele próprio quem criou o problema ao qualificar, na Argélia, a colonização francesa como "um crime contra a humanidade".
Foi duramente criticado pelos adversários. François Fillon (centro-direita) disse que a posição de Macron sobre a presença francesa na Argélia é "indigna de um candidato à presidência da república". Pela France Nacional (extrema-direita), falou o director de campanha de Marine Le Pen, David Rachline: "Macron está a denegrir a França no estrangeiro. E aspira ele ser Presidente?".
Numa entrevista à televisão argelina Echorouk News em Argel, no início desta semana, Macron (centrista e independente) disse que as acções dos franceses no país que se tornou independente em 1962 foram "genuinamente bárbaras e constituem uma parte do passado que tem que ser confrontado com um pedido de desculpa".
"A colonização faz parte da História francesa. Faz parte desse passado que devemos olhar de frente oferecendo as nossas desculpas áqueles a quem fizémos certas coisas", disse Macron.
A colonização da Argélia e o comportamento das tropas francesas no período da guerra da independência (1954-62) é um tema muito polémico em França — houve torturas, execuções sumárias, massacres. Do lado argelino terá havido 1,5 milhões de mortos, segundo Argel. Do lado francês terão morrido 25.600 militares.
A visita de três dias de Macron à Argélia, que incluiu uma paragem ao Memorial dos Mártires em Argel, foi justificada pelo candidato como um passo para promover a "reconciliação da memória entre os dois países". A colonização permanece uma fonte de tensão nas relações entre os dois países, com muitos políticos argelinos a exigirem que a França reconheça os crimes cometidos e peça perdão. Acusam a França de viver em negação sobre esse período violento da sua História.
Macron não comentou a polémica. Mas o seu director de campanha, Jérôme Grand d’Esnon, esclareceu que se tratou de um "erro de terminologia". Macron, explicou, não quis dar um "sentido jurídico" às suas palavras.
Alguns analistas defendem que Macron estava apenas a demarcar a sua visão sobre a colonização da dos seus adversários Fillon e Le Pen — "que não querem ouvir falar em arrependimento" (Europe 1). Macron segue a visão do actual Presidente, François Hollande, que em 2012, no Parlamento de Argel, reconheceu que "durante 132 anos, a Argélia foi submetida a um sistema profundamente injusto e brutal".
Mas a frase, tenha sido uma gafe ou intencional, terá consequências eleitorais, escreveram também os analistas franceses. Até onde irá a penalização dos eleitores, é o que não se sabe. Fillon explorou imediatamente o "caso Argélia", criticando o rival — de momento o mais bem posicionado para se qualificar na primeira volta das presidenciais, a 23 de Abril, e disputar o cargo com Marine Le Pen, que tem passagem garantida à segunda volta, a 7 de Maio — e apontando-lhe as incongruências de discurso.
"Ainda não há muito tempo — disse Fillon, num comício perante quatro mil pessoas —, Macron encontrava aspectos positivos na colonização. Significa isso que Emmanuel Macron não tem coluna vertebral? Que se limita a falar para agradar a quem o está a ouvir?".
Fillon — que perdeu a confiança do eleitorado ao saber-se que terá dado um emprego fictício à mulher, o caso está a ser investigado — falava num artigo assinado em Outubro por Macron no jornal Le Point. Nele, o antigo ministro da Economia considerava que durante a colonização da Argélia "houve tortura, mas também a emergência de um Estado, da riqueza, da classe média". "Houve elementos de civilização e elementos de barbárie", escreveu Macron.
Fillon, que tem tido dificuldade em conseguir apoios dentro do seu próprio partido, devido ao escândalo, viu um peso pesado dos Republicanos partir para o ataque a Macron. "Opor-se aos franceses, usar a História para dividir... vejo bem o eleitoralismo que está por detrás disto. Não é digno de um chefe de Estado agitar cicatrizes que são muito dolorosas", disse Jean-Pierre Raffarin.
Raffarin não defendeu Fillon, mas atacou o candidato que, até aqui, parecia inatacável. O caso deverá retirar votos a Emmanuel Macron, resta saber se os transfere para o caído em desgraça Fillon. Seja como for, o episódio argelino vai perseguir Macon até ao dia das eleições.
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