terça-feira, 1 de maio de 2018

O nosso ''Deng Xiaoping'' e a luta contra a corrupção

EDITORIAL
 
 30 de Abril de 2018


Graça Campos


Na terceira semana de Agosto do ano passado, João Lourenço ainda não tinha sido declarado vencedor das eleições presidenciais, mas já eram robustas as evidências de que ele seria o sucessor de José Eduardo dos Santos na chefia do Estado angolano.
Com essas evidências às costas, João Lourenço efectuou uma visita privada ao Reino de Espanha. Numa entrevista que concedeu em Madrid, à pergunta de um jornalista se seria o “Gorbatchev” angolano, o futuro líder angolano respondeu assim: “Reformador? Vamos trabalhar para isso, mas certamente não Gorbatchev, Deng Xiaoping, sim!
Secretário-geral do Partido Comunista Chinês entre 1978 e 1992, Deng Xiaoping conduziu as reformas política e económica que arrancaram a China do atraso e transformaram-na na grande potência mundial que é hoje.
“Felizmente, enfrento esta nova fase de paz com espírito, vamos concentrar-nos principalmente no desenvolvimento económico e social do país” disse João Lourenço na mesma entrevista, acrescentando que, como várias vezes assumiu em campanha eleitoral, basearia a recuperação económica na captação de investimento estrangeiro e na “luta contra a corrupção" e nepotismo em Angola.
“Uma vez ganhas estas batalhas, vai ser mais fácil captar investimento para o país”, assegurou.
O compromisso de João Lourenço de fazer reformas profundas em Angola foi reafirmado no discurso da sua investidura como Presidente da República, no dia 26 de Setembro, quando colocou o combate à corrupção e à impunidade no eixo do seu programa.
“A corrupção e a impunidade têm um impacto negativo directo na capacidade do Estado e dos seus agentes executarem qualquer programa de governação. Exorto, por isso, todo o nosso povo a trabalhar em conjunto para extirpar esse mal que ameaça seriamente os alicerces da nossa sociedade”.
Mas se quer entrar na história como o Deng Xiaoping angolano, João Lourenço tem de começar já a oferecer à sociedade sinais concretos da sua determinação de introduzir reformas sérias que visem tirar o país do pântano em que se encontra.
Por exemplo, não fica bem ao Presidente da República olhar para o lado quando um seu subordinado, Marcelino Tyipinge, governador da Huíla, confessa publicamente que naquela região dinheiro público é drenado para cofres privados sem qualquer contrapartida para o Estado.
Há pouco mais de uma semana, e na sequência de forte polêmica sobre o destino que teria sido dado a dinheiro destinado a pagamento de professores e outros servidores da Educação, Marcelino Tyipinge chamou a imprensa e assumiu, sem rebuço, como alguns governantes continuam a brincar com a rés pública.
Depois de confirmar a recepção do dinheiro, uns bons biliões de Kwanzas, o homem disse, com a maior naturalidade, que ele foi transferido para contas de empresas privadas de “confiança do Governo Provincial da Huíla”.
Marcelino Tyipinge assumiu que a decisão de transferir o dinheiro para contas privadas foi tomada por ele próprio para que, segundo alegou, o dinheiro não regressasse aos cofres do Estado. Estamos claramente em presença de um golpe que visa canalizar dinheiro público para os próprios bolsos do mandante da operação.
A decisão de Marcelino Tyipinge de transferir para a esfera privada dinheiro público não decorre do desconhecimento das regras de gestão da rés-pública. Decorre, sim, do hábito instalado de lidar com a rés-pública como se fosse a extensão do património pessoal. É uma cultura que nunca foi reprimida, muito pelo contrário, foi encorajada pela impunidade institucionalizada.
“Num país sério” – como diria Mário Pinto de Andrade, segundo secretário do MPLA de Luanda - dinheiro público é guardado em bancos; “num país sério”, dinheiro público não é guardado em contas de empresas privadas da “confiança” de um governo provincial; “num país sério”, depois daquela confissão de como se brinca com o dinheiro público, Marcelino Tyipinge teria sido imediatamente chamado a explicar-se perante alguma instância, nomeadamente, a Procuradoria Geral da República ou Tribunal de Contas. 
Se Deng Xiaoping, em quem João Lourenço se quer inspirar, tivesse fechado os olhos à corrupção, à impunidade e ao roubo – que é claramente o que configura o caso da Huíla – a China não teria dado o salto de canguru que fez dela hoje a segunda maior economia do mundo.
Na China, Deng Xiaoping deixou uma cultura: pôr as manápulas em dinheiro público é crime que se pode pagar com a própria vida. Se essa experiência funciona tão bem lá...
Em suma, o que as “amplas massas” clamam é que o Presidente da República troque já as intenções pelas acções práticas, liderando uma verdadeira cruzada contra a impunidade e a sua filha, a corrupção.
A propósito: os casos da Sonangol e do Banco Nacional de Angola são para esquecer ou as autoridades competentes estão a ganhar fôlego? É que já há quem comece a suspeitar que a “bola” já murchou. Ora, se as autoridades desperdiçarem essa oportunidade de mostrar que “os cidadãos precisam de acreditar que ninguém é rico ou poderoso demais para se furtar a ser punido, nem ninguém é pobre de mais ao ponto de não poder ser protegido”, de nada terá valido esse discurso anticorrupção. Não sendo esses dois casos levados até às últimas consequências, de onde sairá autoridade moral para caçar outros peixes graúdos?
Se calhar é por saber que a cruzada contra a corrupção não sairá do papel que o governador da Huíla fez a sua parte, ou seja, abocanhou a sua parte à luz do dia...
Com o anunciado fim da bicefalia, o Presidente João Lourenço já não terá com quem dividir o palco. Ser-lhe-á creditado em exclusivo o sucesso ou insucesso na luta contra a impunidade, a corrupção, o roubo e a malversação da rés-pública. Da mesma forma que arcará, sozinho, as consequências de manter a seu lado ministros e governadores que mais embaraçam do que o ajudam por causa da sua propensão para a ladroagem.
“Neste novo ciclo político que hoje se inicia, legitimado nas urnas, a Constituição será a nossa bússola de orientação e as leis o nosso critério de decisão”, Presidente João Lourenço no discurso da sua investidura, noa dia 26 de Setembro de 2017.
É isso mesmo o que “as amplas massas” esperam do Presidente João Lourenço. Como estabelece a Constituição, “os povo” esperam que o PR trate todos os cidadãos como iguais e, por isso, imploram que ele encoraje os tribunais a mandarem para as cadeias os larápios que esvaziam ou esvaziaram os cofres públicos; pedem, também, que o mais alto mandatário do país se desembarace de ministros, governadores provinciais e outros servidores do “primeiro andar” que envergonham o governo, quer por incompetência, quer por gatunagem. Os estabelecimentos prisionais não podem continuar a ser exclusivamente “habitados” por pés descalços.a

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