terça-feira, 1 de maio de 2018

Melindrado com as críticas de que foi alvo, algumas das quais feitas por pessoas que até há pouco tempo eram suas indefectíveis, José Eduardo dos Santos decidiu bater com a porta

José Eduardo dos Santos ''abandona'' MPLA

POLÍTICA

 21 de Abril de 2018
Melindrado com as críticas de que foi alvo, algumas das quais feitas por pessoas que até há pouco tempo eram suas indefectíveis, José Eduardo dos Santos decidiu bater com a porta, remoer-se de ressentimentos na sua luxuosa mansão do Miramar e esperar que seja convocado o congresso que ditará o seu afastamento definitivo da vida política activa
José Eduardo dos Santos decidiu afastar-se da gestão corrente do MPLA, partido que ele lidera desde que a 21 de Setembro de 1979 substituiu o falecido presidente Agostinho Neto. A decisão foi tomada após a última reunião do Comité Central realizada recentemente e na qual foi severamente “vergastado” não só pelos seus adversários dentro do aparelho partidário, mas também por bajuladores profissionais que durante anos a fio o glorificaram como uma divindade.
“Tratem de tudo, façam a gestão do partido, marquem o congresso que eu lá estarei para deixar a liderança do partido e fazer a vossa vontade”, disse, mais palavra menos palavra, visivelmente agastado depois de ouvir críticas de “companheiros de armas” como Francisco Magalhães Paiva “Nvunda”, Santana André Pitra “Petroff” ou de “jovens turcos” como José Maria dos Santos e Anabela dos Santos. Não há muito tempo, a esses dois jovens interessava que o seu sobrenome fosse conotado como sendo familiares do “Chefe”. No coro de críticas juntou-se Adriano Botelho de Vasconcelos.
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O tom das críticas foi de violência tal que, vendo a imagem do “número 1” do partido esfrangalhar-se perante uma audiência que esteve perto de vaiá-lo, Ângela Bragança saiu em sua defesa, embora ela tivesse sido alguém bastante prejudicada por José Eduardo dos Santos enquanto exerceu o cargo de Presidente da República. Quase ninguém esperava que a defesa de JES partisse exactamente da antiga coordenadora-adjunta da “Jota”.
Depois de “defensores oficiosos” como Bento Kangamba e outros poucos – cada vez mais as linhas de apoio de JES definham – terem sido escarnecidos por uma plateia quase possessa, eis que a actual ministra da Hotelaria e Turismo lembrou que Dos Santos muito fizera de bom para todos que ali estavam e que, de um modo ou de outro deviam-lhe alguma coisa. Recordou também aos “engraxadores de plantão” que qualquer um deles tem no seu “ser” um pouco de José Eduardo dos Santos, pelo que não era justo ser tratado como estava a ser. Só assim a descontrolada plateia baixou a guarda.
Entre outras críticas, José Eduardo ouviu dos seus camaradas de partido acusações de haver enriquecido ilicitamente os filhos e de levar o país à miséria com a sua gestão autocrática e essencialmente virada para o benefício da família, amigos e fieis servidores, algo que muito poucos – contam-se pelos dedos de uma mão e mesmo assim nem todos – ousariam há um ano ou menos.
Embora na reunião do Comité Central José Eduardo dos Santos estivesse melhor preparado para as “afrontas” do que esteve numa anterior reunião do Bureau Político, em que deu um “murro na mesa” e disse aos seus correligionários que se quisessem demitia-se imediatamente do cargo de presidente do partido, o homem não deixou de ficar magoado. Em boa verdade, sentiu-se “traído” por pessoas como José Maria dos Santos e Anabela dos Santos, a quem tratou como filhos. Por isso e percebendo que o seu espaço de manobra para continuar a liderar o MPLA diminuiu substancialmente, decidiu ficar em casa e desde então nunca mais pôs os pés na sede do partido.
Decepcionado e magoado com muitos que lhe lambiam as botas – um político astuto como ele devia saber que quando mudam os tempos as vontades também cambiam – espera irritadíssimo pela convocatória do congresso que vai ditar o seu ocaso político, que, diga-se, está a ser de certo modo humilhante por culpa própria. Afinal, há pouco tempo prometeu que se retiraria da vida política activa em 2018, mas chegada a hora de preparar o adeus preferiu medir o pulso aos militantes para saber se poderia continuar. Só que a reação foi quase violenta.
A determinação de JES em prosseguir com a “retirada” é tal que as últimas reuniões do Secretariado do Bureau Político do MPLA já não foram dirigidas por ele mas por João Lourenço, o homem que mais tarde ou mais cedo vai substituí-lo.
De qualquer modo, é pouco provável que futuramente haja qualquer processo judicial contra José Eduardo dos Santos, apesar de ter deixado o país na bancarrota e na cauda de rankings mundiais como Desenvolvimento Humano, Mortalidade Infantil, Corrupção e Ambiente de Negócio. Aliás, ao graduar ao grau de General de Exército o antigo Chefe de Estado, João Lourenço pode ter dado um sinal inequívoco de que ninguém vai “bater no velho”. Também é pouco crível que as “pendengas” judiciais em que os seus filhos estão envolvidos resultem em alguma coisa. De resto, basta ver a forma excessivamente cautelosa – como não acontece com os casos dos jornalistas Rafael Marques e Mariano Brás, por exemplo – como as autoridades judiciais manuseiam as pinças com que “mexem” nos processos.





geral@correioangolense.com

Este homem não é confiável

EDITORIAL
 
 17 de Março de 2018
Nós, os filhos de gente, habituamo-nos a respeitar os nossos pais por diferentes razões: seja pelo seu compromisso com a família (o que inclui, por exemplo, o sustento, a saúde, a educação, a segurança, o abrigo e também a garantia de uma boa sova quando os pisamos o risco imaginário), seja pelos seus valores morais.
 
Qualquer filho de gente que se preze orgulha-se do carácter do pai. Esse é, aliás, o trunfo e o cartão de visita das boas famílias.
 
O carácter incorpora a honra, a dignidade, o compromisso e outros valores nobres.
 
Nos tempos em que se cultivavam os bons valores, faltar à palavra dada era mais do que suficiente para que o faltoso fosse excomungado do seio das pessoas decentes.
 
Honrar a palavra está entre os mais sublimes valores morais que conduzem a humanidade.
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Na altura em que se cultivavam os bons valores, o respeito à palavra dada era invariavelmente associado à idade. Ou seja, quanto mais entrado na idade, mais se exigia do cidadão a obrigação de respeitar a palavra empenhada.
 
Durante anos a fio, a propaganda do MPLA impingiu aos angolanos a ideia de que José Eduardo dos Santos era o “pai” que todos os angolanos gostariam e deveriam ter. E até são conhecidos casos de muitos angolanos que renegaram os seus pais biológicos adoptando como seu o ex-Presidente da República.
 
Não é, por acaso, que até recentemente, muitos governantes deste País se julgavam incapazes de fazer fosse o que – e, se calhar, inclusive o acto sexual – sem a prévia e competente anuência de José Eduardo dos Santos.
"Quem não respeita o que diz e promete não pode esperar respeito de outrem. É motivo de zombaria e chacota. E José Eduardo dos Santos está a colocar-se a jeito para desmerecer o respeito dos angolanos"
Dir-se-ia, em suma, que José Eduardo dos Santos tornou-se no “pai” que muitos angolanos não tiveram ou no irmão mais velho que não os souberam conduzir. Ou seja, JES foi transformado no farol que faltou a muitos milhões de angolanos.

A dimensão sobrenatural atribuída a José Eduardo dos Santos decorreu do facto de o MPLA ter descoberto nele, uma única pessoa, todas as virtudes possíveis e imaginárias. Como pai de família era irrepreensível; como chefe de Estado visionário e estratega como nunca houve nenhum outro na História mundial; como político era um animal de uma clarividência sem igual; como general derrotou todos os exércitos inimigos e conseguiu o feito incomum de ser o único arquitecto da paz num conflito que envolveu milhões de angolanos. E conseguiu isso sem nunca ter disparado um único tiro ou visitado uma frente de combate.
Idolatrado até à irracionalidade, o comum dos mortais que vive em José Eduardo dos Santos começa, porém, a vir à tona. Ou seja, José Eduardo dos Santos cansou-se do mito construído em torno da sua figura. E o que agora emerge é um José Eduardo dos Santos igualzinho ao mais comum dos mortais, com as suas virtudes e defeitos.

E, lamentavelmente para ele e seus incondicionais seguidores, o defeito que sobressai em José Eduardo dos Santos é aquele que mais repugna as pessoas de boa índole: o desrespeito à palavra dada. As pessoas de boa índole abominam completamente quem não é escravo da sua palavra.
No dia 23 de Agosto de 2001, o então Presidente da República disse, de modo espontâneo, que o candidato do MPLA às eleições que se seguiriam não se chamaria José Eduardo dos Santos. Ele fez essa declaração num contexto em que não era pressionado para deixar o poder: a guerra contra a UNITA já estava praticamente ganha e tinha pela frente um futuro risonho. Dada a palavra, José Eduardo dos Santos deixou correr o tempo sem voltar ao assunto e em 2008, com a maior desfaçatez deste mundo, concorreu à sua reeleição, sem se dignar explicar aos angolanos o motivo do volte face.
Em Março de 2016, e desta vez já pressionado pela precária saúde e por uma situação económica e social insustentável, José Eduardo dos Santos prometeu, também de modo espontâneo, afastar-se da vida política activa em 2018.

Mas é o mês de Março de 2018 que escancara o homem sem palavra que habita em José Eduardo dos Santos. Os dois cenários que estabeleceu para a discussão da sua sucessão – congressos do MPLA em Dezembro deste ano ou em Abril do próximo – mostram que o “artista” não está a fim de deixar o palco político tão cedo.
Isso explica tudo.

Lá no interior do país onde muitos de nós nascemos, o maior estigma advém do desrespeito à palavra empenhada.

Quem não respeita o que diz e promete não pode esperar respeito de outrem. É motivo de zombaria e chacota. E José Eduardo dos Santos está a colocar-se a jeito para desmerecer o respeito dos angolanos.

Órfãos, agora, ficam os milhões de angolanos que durante anos a fio foram industriados para encontrarem em JES a síntese de todas as virtudes.

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