domingo, 29 de novembro de 2015

Nabos para Cavaco no Camões, vaias para Costa no Carmo

REPORTAGEM


Separadas por 350 metros, na zona do Chiado, em Lisboa, duas concentrações com objectivos opostos mobilizaram várias centenas de pessoas. Umas defendendo a política de esquerda no poder, outras clamando contra o assalto de Costa ao poder. Prometem ser assim os próximos meses na política portuguesa.
O molho de nabos veio da Guarda e tinha como primeiro destino o Palácio de Belém. Serviriam para avivar a memória ao Presidente da República, “para se lembrar que deve cumprir e fazer cumprir a Constituição”. Sim, porque comer nabo faz bem à memória, insiste num cerrado sotaque beirão António Machado. Mostra uns enormes nabos ainda meios sujos de terra e com as folhas um pouco murchas de estarem toda a tarde nas mãos calejadas do agricultor de 87 anos, barrete preto de lã grossa e borla a cair sobre o ombro, casaca de xadrez com punhos, bolso e punhos com renda preta. Criados “sem adubos nem químicos”, garante António Machado, que é também o presidente da Associação Distrital dos Agricultores da Guarda há quase três décadas.
Enquanto pedia aos organizadores da concentração da CGTP no Largo de Camões, em Lisboa, para entregarem os nabos a Arménio Carlos – “é um desperdício voltarem para casa, tenho lá muitos” -, o beirão franzino dava uma lição de economia em poucos minutos. “Oitenta por cento do cereal que estamos a importar podíamos nós produzir. Não podemos produzir 100%, claro, mas fazíamos mais e importávamos menos. Mesmo que isso nos custasse mais 5 ou 10 cêntimos por quilo, fica mais barato do que comprarmos. Sabe porquê?” “Porque escusávamos de comprar”, responde um jovem da CGTP, por detrás das barreiras metálicas. “Porque tínhamos a nossa gente a trabalhar. Temos que pôr o país a produtir”, diz o idoso, de dedo em riste, mandando logo a seguir um amigo calar-se enquanto ele tenta explicar-se. “Na minha terra quando um burro fala, o outro baixa as orelhas!” E lá vai dizendo que quem se sentou na cadeira no Terreiro do Paço nestes anos todos não percebia nada de agricultura. “Essa senhora que lá esteve agora… o que aprendeu ela de agricultura no curso que fez? Ainda se a colocassem na Justiça, eu não piava. Agora… na agricultura?!?”
“Fazem-nos crer que somos um país pobrezinho… A Guarda produzia milhares de toneladas de batata; agora está tudo a monte. Temos o maior mar da Europa e temos que comprar a sardinha a 10 euros aos espanhóis”, vai enumerando. “O primeiro-ministro que começou a afundar o país é agora Presidente”, acusa António Machado enquanto espreita a ver se Arménio Carlos aparece a agradecer os nabos.
Antes, houve música e discursos. A concentração “Cumprir a Constituição, Mudar de política, Resolver os problemas dos trabalhadores e do país” foi marcada para Belém, mas o Presidente deu posse a António Costa e a CGTP mudou o local. Também se fez em Braga e no Porto. No Chiado, Arménio Carlos exultou a luta dos trabalhadores que obrigou o Presidente a dar posse a um Governo PS, mas defendeu ser preciso mais. É preciso cumprir de facto a Constituição, "revogar a legislação anti-laboral e anti-social da direita" e "mudar efectivamente de políticas". Avisou que a CGTP, os sindicatos e os trabalhadores “irão exigir respostas aos seus problemas”, colocando pressão sobre os socialistas.
No largo cheio de gente, há algumas bandeiras de Portugal e muitas vermelhas da CGTP no ar e placards com folhas A4 que dizem “Cumprir a Constituição”, “Serviços públicos sim! Privatizações não!”, “Aumento dos salários”, “Trabalho! Salários! Direitos!”; uma faixa enorme pede “1% do PIB para a cultura”. Acabaram-se as palavras de ordem que mandavam o Governo para a rua ou lhe chamavam ladrão, gatuno ou mentiroso. “Os fascistas já foram para a rua mas temos que estar com o olho aberto”, dizia um homem quando o hino nacional terminou e virava as costas ao palco improvisado na carrinha da CGTP. São quase cinco da tarde, há encontrões no Largo de Camões, no Chiado, em Lisboa, e para algumas centenas de activistas da CGTP é tempo de regressar aos autocarros que os trouxeram para mais uma concentração.
Uma coroa de flores para a democracia enlutada
Cerca de 350 metros para nascente, num largo lisboeta mais icónico do que o Camões, activistas de direita promoveram a primeira concentração contra o Governo de António Costa, apenas 48 horas depois de ser empossado. "Fraude eleitoral envergonha Portugal", "Isto não é o fim e não vai ficar assim", "Costa p'rá rua, a casa não é tua" e "Costa, golpista, tu és um vigarista", gritou-se por um megafone.

Todas as árvores do Largo do Carmo – o mesmo onde a coligação começou a sua descida do Chiado no final da campanha de Outubro - estavam ligadas por faixas vermelhas e verdes e tinham agrafada no tronco uma folha amarela com a palavra democracia. Quase toda a gente tinha uma bandeira de Portugal na mão, e contavam-se apenas duas da coligação Portugal à Frente, assim como lenços da coligação num ou noutro pescoço. No pedestal de um candeeiro estava uma coroa de flores em forma de D com uma larga fita negra. É a democracia que está de luto e a intenção de Mário Gonçalves, organizador, era enviá-la ao presidente da Assembleia da República com uma carta, mas acabaria por ser deposta à porta do convento – o mesmo que viu nascer a democracia, faz-lhe agora o luto.
Seriam quase 200 pessoas, entre quem se concentrava, em pé, junto ao chafariz do largo ou estava sentado nas esplanadas com bandeiras de Portugal ao lado e no colo. Mas mais gente era esperada: várias dezenas de bandeiras amontoavam-se junto ao chafariz. Ainda assim, Mário Gonçalves, professor de música e presidente da concelhia do CDS de Monforte, mostrava-se contente. “Os portugueses estão indignados contra a indigitação de António Costa, e não são só as pessoas de direita. Há aqui pessoas de esquerda que não concordam com o que o PS está a fazer”, garante. Tanto PSD como CDS foram contactados, diz, mas não se quiseram envolver. “Há 40 anos que a direita não saía à rua. Vamos continuar a fazê-lo até o Governo de Costa vir abaixo”, promete.
Um grupo de três amigas não tem dúvidas: o Presidente “não tinha alternativa” porque a Constituição está “desactualizada”, argumenta Margarida Leal, desempregada e antiga empresária do sector da educação, e Isabel Costa diz que Portugal parece um “país do terceiro mundo”. Contestam o “oportunismo e a sede de protagonismo” de Costa, como acusa Mafalda Seia. Estão “muito descontentes” com o rumo político – tanto que até vêm para a rua ralhar quantas vezes forem precisas - e, mais do que elogiar a direita, criticam a forma como Costa chegou ao poder. “Isto agora é só facilidades: o Governo vai dar, dar, dar, até isto estoirar por si”, diz Margarida, que gostava que Cavaco Silva “deitasse o Governo abaixo antes de sair”.
Carlos Nunes é um dos que se junta à conversa. Diz ter votado CDU “contra António Costa”. “Sinto-me espoliado”, vinca. Veio ao Carmo por ser um “espaço de liberdade, democrático” e estar contra a “fraude e a vigarice”. Tem uma teoria rebuscada: “Costa chegou ao poder no PS ajudado pela direcção do Bloco e uma parte da direcção do PCP liderada pelo João Oliveira. Isto já estava a ser cozinhado há muito. Por isso é que Jerónimo de Sousa, ligado aos conservadores do PCP que não queriam nada com o PS, não pôs os pés na tomada de posse…”

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