Desde o fim da monarquia, Portugal teve 75 governos e mais de três mil governantes. Eram todos brancos. Até hoje, nestes 100 anos de vida republicana, não houve um único ministro “diferente”, alguém que não fosse branco como a maioria. Esta quinta-feira, Francisca Van Dunem, que é negra, tomou posse como ministra da Justiça. Mas aquilo que é óbvio dizer — “a nova ministra da Justiça de Portugal é negra e isso nunca tinha acontecido” — abriu um debate. Como é a primeira vez, o debate nunca tinha acontecido. E por isso vale escrever: em 2015, Portugal deu posse a um primeiro-ministro de origem goesa, a uma ministra negra de origem angolana e a um secretário de Estado filho e neto de ciganos.
Francisca Van Dunem na tomada de posse do XXI Governo Constitucional nesta quinta-feira DANIEL ROCHA
Não vale a pena fazer uma festa. Nem António Costa, nem Francisca Van Dunem, nem Carlos Miguel são a prova de que somos um país cosmopolita e multicultural, onde as minorias étnicas vivem integradas e com igual acesso à educação e ao mercado de trabalho.
Mas o extremo oposto é igualmente ridículo. Não faz sentido fazer de conta que não reparámos que Van Dunem é negra. Não notar que a ministra é negra seria o mesmo que dizer que em Portugal estamos tão habituados a ver negros em cargos de poder que já nem reparamos. E isso não é verdade. Todos notámos. Do mesmo modo que o mundo reparou que Barack Obama foi o primeiro Presidente negro dos Estados Unidos. Que a Suécia notou quando Nyamko Sabuni (negra nascida no Burundi) se tornou ministra da Igualdade em 2006. Ou que a França noticiou em 2007 que Rama Yade (negra nascida no Senegal) tomou posse como secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros. Para não falar de Cécile Kashetu Kyenge, uma negra nascida no Congo, que em 2013 tomou posse como ministra italiana da Integração. Lembra-se como alguns italianos repararam bem no tom da pele da ministra? Um lançou-lhe bananas durante uma intervenção pública e outro (número dois do Senado) comparou-a a um “orangotango”.
Boa notícia será o dia em que um governo ter um ministro negro não seja notícia. Quando na Europa deixarmos de notar que no poder não há só brancos é porque os oito milhões de negros que vivem aqui têm igualdade de oportunidades.
Não compreendo os que dizem que é “racismo” e “discriminação” noticiar que Van Dunem é negra. Diz José Leitão, número 43 do PS e durante anos Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas: “A Francisca Van Dunem ser ministra é um sinal portador de futuro. É um sinal de que Portugal vai cada vez mais ser feito por todos. É um factor de coesão social e tem um impacto desinibidor: os jovens negros podem agora pensar: ‘Um dia também posso ser ministro’. Isso é bom e por isso deve ser dito.”
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