Reflexão de: Adelino Buque
Graças aos entendimentos entre o Chefe do Estado moçambicano, Filipe Jacinto Nyusi, e o líder da Renamo,Afonso Macacho Marceta Dhlakama, os 89 deputados da Assembleia da República da “perdiz” tomaram posse e participaram na sessão extraordinária convocada para a estruturação da Casa do Povo, através da eleição das comissões de trabalho, eleição dos vice-presidentes da Assembleia da República e demais órgãos internos, como é o Conselho de Administração da Assembleia da República.
A presença dos deputados da Renamo trouxe à Assembleia da República a dignidade que aquele órgão de soberania merece.
Na verdade, a sua não tomada de posse ou de assento era preocupação para diferentes sensibilidades da nossa sociedade, independentemente de estarmos ou não de acordo com a sua filosofia de actuação. Tendo sido eleitos, justo e certo é tomarem os assentos merecidos na Casa Magna. Fizeram-no tardiamente, mas fizeram-no. Pelo facto estão de parabéns.
Dois aspectos salientaram-se, até porque de contrário não faria sentido a indicação da jovem deputada Ivone Soares para a liderança da bancada parlamentar da Renamo, o que constitui, na minha opinião, o reconhecimento dos esforços pessoais feitos por aquela jovem em prol dos interesses daquele partido.
Existem vozes que relacionam a ascensão política de Ivone Soares ao facto de ela ser sobrinha do presidente da Renamo. Até pode ter alguma coisa a ver, mas Afonso Dhlakama também tem mulher, filhos e irmãos mas me parece que tenham estado tão empenhados quanto a deputada Ivone Soares neste tempo todo, por isso, pessoalmente, prefiro olhar para a sua indicação como reconhecimento do empenho pelas causas do partido. Se boas ou não, esse é outro debate.
O segundo aspecto tem a ver com a eleição do deputado Younnosse para 2.º vice-presidente da Assembleia da República, um homem que, aos olhos de muitos, é um “anónimo” e chega pela primeira vez à Casa do Povo directamente e vai ao pódio. É obra.
Há mais: é um homem que ficou paraplégico por causa de um acidente de viação. Esta indicação emite um sinal sobre a forma como os políticos olham para a deficiência e com ela lidam. É inegável que esse sinal vem da Renamo de Afonso Dhlakama. Diria sem ofender qualquer sensibilidade que se trata de um sinal de esperança para os deficientes físicos do país.
O primeiro desafio da sua indicação esteve na própria Assembleia da República, que não tinha condições para recebê-lo na sua condição, porque, segundo um jornal, as rampas existentes são longas e contrariam o padrão. Na Assembleia da República não há casas de banho com condições para serem usadas por portadores de deficiência física, o que o teria obrigado a “jejuar” para evitar mal maior com a procura de local para satisfazer necessidades biológicas.
Ora, sendo a Assembleia da República o espaço do povo por excelência, o que terá falhado para que estes detalhes não fossem tidos em consideração? Fica a pergunta. Aqui não se pretende encontrar culpados. Trata-se, sim, de reflectir sobre este facto.
Mais do que isso, a escolha do partido Renamo constitui um acto didáctico. O partido liderado por Afonso Dhlakama trouxe à ribalta a falta de consideração pela pessoa com deficiência em Moçambique. Devemos, por isso, a partir deste dado, elevar os níveis de satisfação interna da pessoa com deficiência. Trata-se de uma boa franja da nossa população que fica excluída do exercício de cidadania. O caso da Assembleia da República é somente uma pequena amostra do que acontece pelo país. Devemos mudar a nossa atitude entanto que sociedade. De facto, o homem vale pelo que pensa e pode oferecer, independentemente do seu estado físico.
Onde há coisas boas, infelizmente, também existem coisas menos boas. A não renovação de mandato, por exemplo, do deputado Chalaua, jovem político promissor, constitui um golpe ao crescimento de jovens na arena política.
Não tenho relações com este parlamentar da Renamo, contudo, as suas intervenções, quer na plenária quer em nome da bancada, como porta-voz, indiciavam um político de futuro. Ficou de fora. Pessoalmente lamento, porque é o país que perde!
Ficam as lições trazidas pelo partido de Afonso Dhlakama na Assembleia da República. Repito, podemos discordar da forma como a Renamo faz política, mas não podemos negar que nos trouxe uma lição de vida através destes actos concretos.
Bem haja.
CORREIO DA MANHÃ - 02.03.2015
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