2014-12-18 20:24:46 (UTC+02:00) Harare, Pretoria
"O mediador deve entender a diferença entre intervir no conflito e nos sentimentos das partes. O mediador deve ajudar as partes, fazer com que olhem a si mesmas e não ao conflito, como se ele fosse alguma coisa absolutamente exterior a elas mesmas. Deve ser uma pessoa neutra em tudo o que seja esperado dele como intervenção na decisão".
-Souza-
Por: Eurico Nelson Mavie
O processo negocial entre o Governo e a renamo, que culminou com a realização das 5as eleições presidenciais e legislativas, tem vindo a ser marcadas por impasses, cedências e não cedências entre os beligerantes. Pese embora este aspecto, a grande vitória digna de realce é a manutenção do clima de diálogo para por fim as diferenças entre as partes. Entre várias rondas marcadas por impasses e cedências, a figura do mediador afigura-se de capital relevância para amainar os ânimos e espevictar as partes ao tão desejado win-win (ganho mútuo). Recode-se que foi a renamo quem exigiu a presença de facilitadores no diálogo que estes mantêm com o Governo, e duas prestigiadas figuras foram convidadas a fazer parte do processo, nomeadamente, o Professor Doutor Lourenço do Rosário e o líder religioso Dom Dinis Sengulane que deviam participar no diálogo como facilitadores. A boa reputação destas duas figuras despensa quaisquer tipo de comentários, ambas são grandes autoridades científica e religiosa nacionais.
Lourenço Joaquim da Costa Rosário por exemplo, é licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, variante Português/Francês, pela Universidade de Coimbra, em Portugal, e Doutorado em Letras, especialidade de Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa. Dada sua pujança acadêmica, foi convidado a leccionar em várias instituições de ensino superior de renomeinternacional como, entre outras, a Universidade de Hamburgo, na Alemanha, Universidade de Milão, em Itália, Universidade Federal de Minas Gerais, no Brasil, Universidade Nova de Lisboa. Reitor da Universidade Politécnica e actualmente preside o Fórum Nacional do Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP). Tendo a seu cargo a orientação de trabalhos de licenciatura, mestrado, doutoramento e pós-doutoramento, com várias obras publicadas, e inúmeras vezes solicitado para participar como orador em congressos e conferências. Do seu Vastíssimo currículo consta também a Presidência do Projecto Fundo Bibliográfico da Língua Portuguesa. Este pequeno extrato mostra que estamos diande duma verdadeira autoridade científica nacional, mas como é que deve ser caracterizada a atuação do mediador?
Segundo SOUZA (2004), a mediação consiste na aproximação entre partes divergentes através da ação de um intermediário, que colabora para estas encontrem uma solução rápida e satisfatória para o conflito. Diante da dificuldade do judiciário em atender as demandas de litígios, a mediação ajuda a agilizar a solução dos problemas, além facilitar a convivência entre as partes após o procedimento. Das principais características do processo de mediação, segundo Souza, destacam-se: a imparcialidade, privacidade, economia financeira e de tempo, oralidade, reaproximação das partes e autonomia das decisões.
O mediador deve ser um elemento neutro no processo, porém sua atuação pode definir se a solução do conflito terá êxito. Ele conduz as negociações com imparcialidade e ajuda as partes a se comunicarem melhor, neutralizando emoções que muitas vezes se afloram num processo de discussão. É importante destacar que o mediador não pode oferecer soluções para a demanda. Neste aspecto a mediação se diferencia da arbitragem e dos processos judiciais, que são procedimentos de solução de conflitos nos quais o intermediário tem o poder de julgar e apresentar soluções para o conflito. A mediação tem como característica o acordo voluntário entre os interessados, (SOUZA, 2004).
O mediador deve ser alguém preparado para exercer esta função, devido à seriedade dos assuntos com que lida. Além de ter conhecimento técnicosobre o tema em debate, deve também entender e interpretar as intenções das partes. Normalmente, no processo de mediação, as partes estão num estado sentimental conturbado, e o mediador deve minimizar isso. A autoridade do mediador está no processo de interação entre as partes, e não no seu conteúdo dos acordos. As partes, em geral, não estão dispostas a entrar em consenso para solucionar as questões, existe uma dificuldade de comunicação, mas o mediador deve chamar as partes à razão, traduzindo a posição de cada um em termos aceitáveis, e deixando claro que a decisão é de responsabilidade dos envolvidos. A aproximação proporcionada pela mediação provoca nas partes uma atitude de responsabilidade perante o outro, pois os compromissos assumidos deverão ser cumpridos.
Na mesma perspectiva, COOLEY (2001), defende que o conciliador deve ser independente, imparcial e dedicado à função, além de ter conhecimentosobre do sistema de relações dos interessados. As regras para odesenvolvimento do processo devem ser definidas logo no início e a participação do mediador deve ser ativa, inclusive para inibir condutas desrespeitosas dos participantes. O mediador deve definir quais representantes das categorias profissionais e patronais terão direito à palavra, deve buscar apoio técnico quando necessário, deve controlar o tempo e a periodicidade das reuniões para evitar desgastes, determinar prioridades entreas questões em debate além de estar atento quanto à redação das atas e dos acordos. A ética e a boa fé devem ser a base das relações e os acordos alcançados devem ser sólidos, dado que a atuação do mediador possui uma complexidade muito grande, pois não se trata apenas da execução de procedimentos, mas também de interpretação do comportamento humano e controle de diversas variáveis decorrentes das relações sociais e econômicas.
Não tenho dúvidas que esta grande figura que é o Professor Doutor Rosário tenha qualidades de sobra para conduzir este processo, aliás um dos motivos que conduziu a sua indicação para mediador por parte da delegação da Renamo, foi a visita que teria feito ao líder da renamo em Santhundjira, na província de Sofala, no sentido de se ultrapassar a tensão política que se vivia no país, mas apela se a imparcialidade de todos mediadores por forma a que rapidamente sejam alcançados consensos genuínos e que a renamo encarre com seriedade todo este processo.
Antes de terminar esta pequena reflexão, permitam-me citar WARAT (2004:424).
"Os sentimentos sente-se em silêncio, nos corpos vazios de pensamentos. As pessoas, em geral, fogem do silêncio. Escondem-se no escândalo das palavras. Teatralizam os sentimentos, para não senti-los. O sentimento sentido é sempre aristocrático, precisa da elegância do silêncio. As coisas simples e vitais como o amor entende-se pelo silêncio que as expressam. A energia que está sendo dirigida ao ciúme, à raiva, à dor tem que se tornar silêncio. A pessoa, quando fica silenciosa, serena, atinge a paz interior, a não violência, a amorosidade. Estamos a caminho de tornarmo-nos liberdade. Essa é a meta mediação.”
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