segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Da minha aversão às guerras

 

Tal como prometera, aqui vai a segunda e última parte do texto. Não publicarei mais textos desta natureza, para não me sentir pressionado. Lê-los-ão em livro, numa melhor oportunidade. Se der, de quando em quando, fá-lo-ei! kkkkkkkkkk
Da minha aversão às guerras
( segunda parte)
Por Filimone Meigos
Cresci a ouvir notícias de guerras, das quais cito de memória algumas: Biafra, Congo, Vietname, Luta de Libertação Nacional, guerra dos matsangas (16 anos) e Cabo Delgado (em curso, como é do nosso conhecimento). Incluo neste rol de guerras, esta das fases, porque é anunciada em belicosas lives, quais declarações de guerra. Não é sem razão que as arrolo na tipologia das guerras.
As guerras são decisões extremas que, à manu militari, visam fazer política por outros meios, sempre em nome do povo, com a razão na ponta dum fuzil. No entanto, já dizia o velho Sun Tsun:“o verdadeiro objectivo da guerra é a paz.”
É sabido que nas guerras as honras e a glória são devidas aos generais e às tropas que comandam, isto é, soldados, sargentos, oficiais subalternos e superiores.
Ao que tudo indica hoje parece começar a haver um novo generalato constituído por generais civis, gente cuja actuação nos faz lembrar outra máxima do Sun Tzu: “toda a guerra é baseada em enganos”.
Não sei como escaloná-los mas, nesse novo generalato parece haver apenas dois níveis: generais e um enorme exército inorgânico constituído pelo lumpen proletariado, gente que não tem nada a perder, sendo que a única coisa que possuem é a sua disponível força de trabalho para o que der e vier.
Seja como for, tanto uns como outros, os generais tratam de guerra, essa arte de aniquilar as forças vivas e não vivas do inimigo, ocupar terreno, expandi-lo e defendê-lo.
Militar que fui, e a aferir pelo seu modus operandi, posso afirmar que qualquer uma das fases que as lives anunciam configura uma guerrilha urbana, seja no plano do discurso ou nos actos e atitudes.
Ainda que accionadas por uma arma não letal, as plataformas de comunicação, as virtuais redes sociais a que fiz referência no post anterior, as famosas lives são letais e as guerras não são bem-vindas. Em Moçambique já as tivemos de sobra. Este é o meu ponto, mas vamos por partes.
Em bom rigor, as lives funcionam numa lógica facebookiana. Elas vendem soluções oníricas, sonhos legítimos para franjas da população já de si depauperadas, descontentes e indignadas. Cá está, sempre na lógica do mimetismo facebookiano.
É também verdade que para muitos, as lives funcionam como um bálsamo, essa pomada que adia a dor e nos faz continuar a jogar. Todavia, a impressão com que fico é que, sob efeito balsâmico, quando retemperamos a força anímica, até marcamos golos na nossa própria baliza. Galvanizados, e em nome duma pretensa revolução, “nós o povo”paralisamos os portos, os caminhos-de-ferro, as rodovias, os aeroportos, as fronteiras, saqueamos lojas, fábricas, e todas as artérias que bombeiam sangue no corpo da nossa já frágil economia. É encorajada a vandalização de bens públicos e privados, a rotulação e estigmatização de pessoas e instituições. Indiciamos ladrões e enterramo-los vivos, com toda a alegoria dos funerais, incluindo a rega, um simulacro completamente novo na nossa tradição. Mas cá está, os antropólogos da causa, e seus apaniguados, dirão que as tradições são reinventadas e citarão Hobsbawn no seu célebre “a reinvenção das tradições”. Assim nos fintamos na grande área das nossas reivindicações e ficamos fora do jogo da prosperidade.
Tenho para mim que tudo isso são excessos, e defendo por isso que é preciso controlar e dominá-los. Um pouco na senda de Kant que nos diz que temos que dominar a dominação. Seja a da prerrogativa do Estado usar do monopólio da violência, ou a do excesso dos manifestantes que tudo partem e reduzem o nosso país a cinzas, qualquer uma das lógicas se me afigura repugnante.
Da guerra ela própria
Como diria o saudoso coronel Sigaúque, “guerra é guerra, não é como um casaco que, quando está frio usamos, e quando está calor, tiramos”.
Participei numa e vivenciei outras tantas. Do que me sobra dessas lembranças retenho a lição de que eu e muitos jovens fomos actores participantes activos dessa coisa chamada guerra. Fizemo-la em nome do povo. Jovens que éramos, dum lado e doutro do conflito, lutámos ambos em nome do povo.
Ainda que em surdina apregoássemos o fim da guerra, ela só viria a cessar 16 anos depois, com o célebre Acordo Geral de Paz assinado em Roma e selado com um icónico abraço entre o nosso então comandante-em-chefe, Joaquim Chissano (Forças Armadas de Moçambique/FPLM) e o comandante dos então “insurrectos”, “bandidos armados”, Afonso Dlakama (Renamo).
Porque a questão não ficou de todo resolvida, houve reedição das hostilidades e, na sequência, a assinatura de outros tantos acordos para a sua cessação. Assim, no consulado de Armando Guebuza foi assinado mais um acordo.
Sendo Nyussi mais novo e mais arreigado ao desporto, e porque a montanha não veio a ele, optou por subir as escarpas da Gorongosa para se encontrar com Dlakama e, num gentleman agreement, acabar com os tiros que tinham recomeçado.
Após a morte de Dlakama, Nyussi e Ossufo Momade viriam a assinar aquilo que ficou conhecido como o acordo definitivo e a implementação do DDR: Desarmamento, Desmobilização e Reintegração.
Se assumo que esta coisa das lives é guerra declarada, a questão que me ponho é quando tudo isto terminará. Será que não nos basta a experiência de guerra que povoa o nosso imaginário colectivo?
Não tenhamos ilusões, o velho Sun Tsun parece estar certo quando nos assevera que, o verdadeiro objectivo da guerra é a paz para o povo.
Ironicamente, em Moçambique, quando falamos de povo há pelo menos três sentidos, ainda que os mesmos tenham em comum essa ganância pela captura e apropriação da “vontade popular”, à manu militari.
Temos a perspectiva de Samora Machel, “viva a Frelimo que une e organiza o povo! (…) O povo no poder!”. Trata-se duma visão de partido único, de partido-Estado.
Temos a visão de Afonso Dlakama, “meu povo está a sofrer, tenho que salvá-lo do comunismo!”. Tanto lutou que até perdeu a vida nas matas onde sempre se refugiara.É uma visão messiânica, a da salvação.
E assinalamos esta terceira acepção que é uma revisitação e resignificação faseada dos ditos, “povo no poder”, “este país é nosso”, artisticamente cunhados na obra do rapper Azagaia que os popularizou neste novo contexto. Também messiânica e nem por isso menos totalitária e fascizante.
Julgo que as três acepções pecam por serem amorfas e arrebatadoras. A última, a das fases, é a mais problemática. Num processo de mimetismo ela consubstancia uma apropriação maligna, quer dizer, as pessoas usam o povo para causar disfuncionalidade para esse mesmo povo.
De experiência vivenciada, nós moçambicanos sabemos que a guerra não nos leva a sítio nenhum. E que, tarde ou cedo, vamos ter que assinar um acordo e teremos que suturar todo o corpo da nossa sociedade. Será que queremos mesmo guerra?
Para terminar conto-vos a parábola do careca. Em 1995, fui ao Egipto em representação da Organização Nacional dos Jornalistas, para participar duma reunião pan-africana de jornalistas. Na ocasião os jornalistas presentes no encontro foram recebidos pelo então presidente da República egípcia, Hosni Mubarak. Bem humorado e fumando um pensativo cigarro, falou-nos da sua vocação pela paz. Criticou o Fundo Monetário Internacional a quem se referiu, na sua sigla em inglês (IMF) como, o International Misery Fund (fundo internacional da miséria). Falou do conflito na região, particularmente da guerra israelo-palestiniana, e disse que estava comprometido com a paz na região, e explicou porquê.
“Eu era nesse ano de 1967, o comandante nacional da força aérea egípcia. Logo no primeiro dia do ataque israelita à nossa base aérea eu nem sequer levantei voo. Das trezentas e noventa aeronaves que possuíamos, trezentas foram postas fora de combate, ainda no solo. Isso fez-me entender que a paz é melhor que a guerra. É por isso que pugno pela intermediação e o fim do conflito israelo-palestino. Em 1967 eu era jovem, usava óculos escuros por estilo. Hoje uso por necessidade, a guerra acabou com a minha vista. Lembro-me que tinha muito cabelo, ao estilo de Muamar Khadaffi. Hoje que o não tenho gosto de recordar um provérbio chinês bastante elucidativo: “A experiência é um pente que te dão quando já estás careca”.
Já estou careca, por isso sou contra a guerra e pugno pela paz.”
Falou e disse. Ficámos em silêncio. Foi-nos oferecido um chá turco, e continuamos todos ensimesmados até nos retirarmos daquela sumptuosa sala presidencial. Moral da estória, ouçam os carecas. Pode ser que a metáfora da careca sirva para a nossa situação. Melhor, a metáfora do cabelo…
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Maria Helena Pinto
"Melhor a metáfora do careca..."
Paz para Moçambique🤲🙌
Obrigada pela análise nos 2 textos. Li com atenção. A tua experiência é reveladora de que a guerra não é a solução.
Mesmo assim, tudo parece levar-nos para esse caminho tão tenebroso que esmagador das nossas pequenas vidas em Moçambique.
Orando ainda para que a violência cesse e que a paz volte...
Força combatente...
Combates com outras armas, hoje...
Te abraço forte.🤲🙌
2
Jossefa Cumaio
Vamos a isto.
Obrigado senhor Professor.
Manuel Mageta Taque
Texto eloquente e que nos deve ou deveria remeter a necessidade de reflexão sobre a paz.
Martins Mapera
Gostei da metáfora. Mas o cabelo parece melhor para os que o têm. Mais tarde, arrepender-se-ão de não terem tido careca mais cedo.
3
Vasco Henrique
“A experiência é um pente que te dão quando já estás careca”. Infelizmente o senhor presidente da República perdeu o pente e nem consegue mais encontrá-lo.
Luis Baptista
Profundo…
Mas a exclusão foi e continua sendo o maior problema do nosso país. Todos os acordos aqui mencionados não foram inclusivos. Um grupinho da elite sempre se reuniu para decidir sobre o mais sem auscultas as massas, “the majority know what is right or wrong”
4
Adao Da Fonseca
"Quero agradecer profundamente pelos teus textos meu kota Filimone Manuel Meigos , cada um deles é um verdadeiro mar de sabedoria. Sempre que vejo algo escrito por ti em qualquer rede social, paro, sento-me, e leio com toda a atenção. É um privilégio acompanhar o teu pensamento. Muito obrigado pelos dois textos; eles são verdadeiros tesouros de reflexão. Vamos continuar a dialogar, pois com a verdade tudo se resolve. Um grande abraço!"
Mauricio M Ezequiel
Mestre, não sei o que me distraiu. Não consegui ler a primeira carta. Esta segunda parte, deveria ter mais publicidade, quando chama atenção para não destruirmos o pouco que temos. As lojas, as fabricas, as instituições públicas e privadas, as vias férreas e rodoviárias, os portos, as viaturas públicas e privadas e outros bens físicos, serão sempre necessários para qualquer governo que substitua o atual e, fundamentalmente para nós o povo
Vasco Henrique respondeu
 
1 resposta
Adelino
Meigos meu brother estás a tratar o assunto de forma poética, vai mais fundo sei que podes
Sticker Oh No, referee covering his eyes de O Árbitro
Nídia D' Almeida
[Informação de utilidade publica] - As aspas são sinais de pontuação que se usam para destacar palavras, frases ou partes de um texto, como citações, títulos de obras, expressões irônicas, estrangeirismos, neologismos ou gírias.
Agora podem voltar a ler o texto.
António Manna 
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Li o texto e ao contrário da maior parte dos comentaristas que aplaudiram, eu não o farei.
Para mim, este longo texto, que se explana como matéria sociológica com várias menções, é um exercício de dialética versus estado de sítio, caos.
Chamou-me a atenção primeiro o facto de se reconhecer membro da Frelimo, depois o ter chamado de insurrectos e bandidos armados aos homens do Afonso Dlakama e por fim em relação às lives do VM, intitulou-as de belicosas e declarações de guerra.
Para quem tem aversão às guerras, não me parece que estas palavras tenham qualquer sentido apaziguador, de tolerância ou que pretendam o respeito entre todos os intervenientes neste processo.
As palavras têm sido esgrimidas por muitos intelectuais e cada um com a sua visão sobre a situação caótica em que se encontra o nosso Moçambique, quais as mais acertadas...
Diria que foram 49 anos de esticar da corda e que por fim ela rebentou.
Já não se trata de VM, nem da verdade eleitoral, o que constatamos é que o homem novo que há 50 anos a frelimo prometeu construir, está nas ruas.
Ele é jovem, desiludido, sem formação, pobre, sem futuro, não tem medo de morrer e quer o futuro agora!
Não vi em nenhuma parte do seu texto, o governo ser mencionado como o principal responsável deste caos, mas são eles os responsáveis.
Na minha modesta opinião, eles já deviam ter tomado uma decisão inteligente, desinteressada e urgente em direção à pacificação do país!
Não consigo imaginar que país teremos amanhã, infelizmente!
Os intelectuais, os pensadores, a sociedade em geral, deviam gritar para o governo ouvir, que o tempo urge, que é a responsabilidade deles tudo o que vier a acontecer e pararem com isto!
Chegou o tempo de porem fim aos jogos de poder, antes que o país arda completamente.
Cordiais saudações
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Sabudo Mulatinho
Abraco Carlos espero que estejas bem e obrigado meu mano Mony por teres recordado da turma .
Carlos Natividade
Caro Mone. Adorei a metafora. Acho que nao havia nenhum careca naquela reuniao dos grandess de ontem....mas ja e muito bom haver gente como tu que pensa. E como bem pensas.
Autor
Filimone Manuel Meigos
Carlitos, kkkkk não tinha que haver necessariamente carecas, ontem Kkkkk
Mas, vai havendo cada vez mais entre nosotros! Tal é o teu caso, Gulamo, Tcholce, Sabudo, Chino, and so on, eu excluido! Kkkkkk
Tás bem?
Baba Matezo 
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Está ansioso para 2 parte, vou mergulhar meus olhos na leitura, escutando música do saudoso David Mazembe..
Otília Da Conceição Monteiro De Aquino
Obrigada Mone, neste momento, são mais que necessárias as análises que nos ajudem e levem a pensar e repensar os nossos ideais e os nossos passos. Te abraço.

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