quinta-feira, 27 de agosto de 2020
Liderança política
Elisio Macamo
1g ·
Vou terminar aqui as minhas reflexões sobre aspectos da nossa governação com divagações em torno da noção de liderança política, o nosso maior calcanhar de Aquiles. Aproveito, para o efeito, uma interessante carta escrita pelo Presidente do ANC dirigida aos membros do seu partido. Nessa carta, que circula pelos Whatsapp, o presidente sul africano lamenta a persistência da corrupção praticada pelos seus próprios membros, fala dos esforços que têm sido empreendidos para a combater e volta a lançar um apelo a todos, com novo conjunto de medidas, para que se preserve a boa imagem do partido.
Isto, para mim, é um exemplo de liderança política. A razão imediata por detrás da carta foram casos de desvios de fundos destinados ao combate à pandemia protagonizados por membros do partido aos mais variados níveis. Ramaphosa podia ter escolhido ignorar o assunto para não dar aos seus adversários o prazer de dizerem que ele próprio reconhece que o ANC é corrupto, ou dizer que é um problema de infiltrados que não representam o partido. Mas não fez nada disso. Ele dirigiu-se ao partido, disse sem rodeios que o partido tem um problema e que o partido precisa de resolver esse problema. Portanto, assumiu a sua responsabilidade de líder para dizer aos que ele lidera que há obstáculos na marcha que empreenderam e que precisam de ser removidos.
Essa é a função dum líder. Ele está atento aos problemas. Só que não são quaisquer problemas. Problemas, do ponto de vista da liderança, são as coisas que podem inviabilizar a realização de planos e projectos. Os problemas dum líder não são os problemas do povo, isto é a pobreza, falta de habitação, má qualidade da educação, etc. Problemas são sempre os meios. Várias vezes nessa carta Ramaphosa diz que a corrupção impede o ANC de fazer aquilo que precisa de fazer para o bem dos sul africanos. O tipo tem foco. É uma diferença abismal com os nossos líderes (todos eles desde que Moz existe) que são constantemente encorajados pelos seus assessores a definir a liderança com referência aos problemas do povo, não da máquina através da qual se pretende criar condições para que esses problemas do povo sejam resolvidos. Insisto: com este tipo de cultura de liderança vai ser muito difícil fazer melhor.
Agora, nem tudo é um mar de rosas na carta sul africana. Apesar duma excelente interpretação do papel de liderança, o Presidente do ANC revelou as mesmas fragilidades que muitos revelam quando o assunto é a corrupção. Ele confunde conceito com realidade. O termo “corrupção” é um excelente resumo de práticas e comportamentos sociais, políticos, económicos e culturais, mas ele não define nenhum fenómeno real. É vago e, no limite, moralismo barato. E isso nota-se logo nas medidas que ele anuncia – que apenas endurecem medidas anteriormente tomadas – sem nenhuma garantia de que tenham mais sucesso. A minha impressão até é que essas medidas só vão complicar as coisas ainda mais e, por essa via, criar mais oportunidades para que as práticas e comportamentos descritos pelo conceito se tornem ainda mais necessárias. São um convite à criatividade.
Qual é o problema? O problema é confundir o efeito com a causa. A corrupção é, na perspectiva da liderança política que tem objectivos a alcançar, de facto a causa da ausência de resultados. Mas do ponto de vista da abordagem do próprio problema da corrupção, ela é efeito. A causa é um conjunto de circunstâncias que a sua carta não descreve e, nisso, está em boa companhia, pois a “ciência” do desenvolvimento também não faz ideia. O meu palpite é que existe um particularismo moral próprio da história sul africana que “normaliza” certas práticas. Para ser mais directo: não é possível combater a corrupção na África do Sul sem primeiro redefinir a ideia de “empoderamento económico negro”. Ela não produz a corrupção, mas cria um quadro moral dentro do qual certas práticas ganham outro sentido. É a mesma coisa connosco. Enquanto predominar, na mente dos camaradas, a ideia de que só a Frelimo tem legitimidade para liderar o povo moçambicano, haverá muita coisa que vai sempre acontecer por conta disso e que nem a boa vontade do Presidente vai ser capaz de impedir. E a má notícia é que isso não vai desaparecer, por mais que todos tentem. As causas da corrupção morrem de morte natural, nunca de morte induzida.
Portanto, ao invés de perder tempo a exigir a declaração de bens ou a dotar os orgãos de justiça de mais meios, o que o Presidente sul africano devia fazer era procurar ver como “blindar” a sociedade contra os efeitos negativos dessas práticas. Um dos caminhos promissores para isso é o reforço da cidadania, isto é a criação de condições para que os cidadãos se protejam de más decisões políticas. É este o trabalho que se impõe também entre nós. Há certos comportamentos que você não vai mudar, por mais que tente. Mas você pode erguer barreiras de protecção contra eles. O curioso é que, a longo prazo, essas barreiras podem ajudar a diminuir os incentivos para a tal corrupção. Na verdade, é tudo simples se as pessoas se dessem ao trabalho de reflectir e não apenas moralizar.
Um exemplo particularmente interessante da fragilidade de liderança entre nós é o acordo que o governo assinou com a Total. Para além da curiosidade de o nosso governo ser pago por estrangeiros para garantir a protecção (não era esta uma das coisas que as “dívidas ocultas” queriam evitar?), o acordo revela o que não se aprendeu das dívidas. Os camaradas fartaram-se de insultar os “lesa-pátrias” num claro exercício cobarde de não quererem reconhecer problemas no seu próprio funcionamento. Na altura comentei que a Frelimo se furtava ao mais importante que era a reflexão sobre o que tinha falhado nos seus orgãos para que as dívidas tivessem acontecido da maneira como aconteceram. Uma dessas coisas foi a transparência que não só privou as pessoas envolvidas no negócio da opinião abalizada de outros (na sociedade) como também, por causa do secretismo (não importa se era necessário ou não), criou condições para o aproveitamento individual. Na verdade, muitos dos que se manifestaram contra o camarada Guebuza fizeram-no não porque fossem arautos da moralidade, mas porque não tinham feito parte do círculo fechado que fez o negócio. Se tivessem feito parte, aposto que muitos também teriam sucumbido às “oportunidades” que o negócio criou.
É assim, se a Frelimo tivesse aprendido das “dívidas ocultas” teria criado mecanismos para que contractos com multinacionais não fossem feitos à porta fechada. Isso não significa necessariamente mandar fazer um referendo, mas, por exemplo, criar condições para que os planos do governo sejam discutidos no parlamento. Para mim é inconcebível que negócios que têm a ver com recursos que são de todos nós sejam tratados de forma sigilosa pelo governo. O País tem tanta gente com conhecimento técnico que, de certeza, teria dado uma ou outra dica. Não nos esqueçamos que a Total comprou o projecto em segunda mão e o governo não viu nem uma quinhenta do valor exorbitante que ela pagou para isso, tudo isso por inépcia negocial e desconhecimento do direito internacional, aptidões que existem no País.
Quando se parte do princípio de que quem lidera tem de ser infalível e perfeito, o resultado é este. O maior investimento político que se vai fazer nessas circunstâncias não será na criação de condições para que as coisas andem. Será na protecção do próprio líder e na diabolização de quem ajuda criticando. A divisa já foi enunciada pelo ministro da agricultura: não se desenvolve o País com debates infindáveis. O curioso é que a principal característica dos países que hoje são desenvolvidos é essa mesmo: não páram de debater, se calhar porque têm consciência da falibilidade das pessoas que os governam.
29Ricardo Santos, Constantino Pedro Marrengula ve 27 diğer kişi
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Júlio Mutisse Julião Arnaldo publicou hoje no seu mural, o que ele chama de exemplo de transparência. Chamei lhe atenção a dimensão desse termo aplicado à política e a sazonalidade com que iniciativas que se querem de transparência surgem na nossa sociedade.
A propósito do silêncio, o PR ainda não se pronunciou, por exemplo, sobre a renda de 400 000 e sobre outros exemplos de despesismo. É como se não fosse nada...
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Delfim Jr de Deus Para matar o dragão é preciso antes acreditar que ele existe
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António Do Rosário Grispos O que o Ramaphosa fez, foi um mero exercício cosmético de liderança...começou bem, atacando o “verdadeiro” problema, ou pelo menos um dos maiores(a corrupção na máquina partidária), mas acaba mal, trazendo as mesmas soluções já ensaiadas(e falhadas), dando lhe uma nova roupagem.
Em suma: para a “mesma aspirina” para tratar todas as doenças. …Daha Fazlasını Gör
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Elisio Macamo yanıtladı · 1 Yanıt
Gervasioa Absolone Chambo Ya...
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