Porque Fecharam as Empresas Moçambicanas? - Uma Área em que os Curandeiros Ajudam Pouco (5)
A falência está alistada entre os cinco principais eventos negativos que concorrem para alterar, a bastante longo prazo, a vida de indivíduos e famílias. A falência e o consequente encerramento de empresas é, assim, juntamente com fenómenos como o divórcio, doença grave, a contracção de uma deficiência severa e a perda de uma pessoa querida, uma ocorrência a evitar a todo o custo. Ela costuma deixar profundas cicatrizes tanto na configuração psíquica como na credibilidade social dos gestores e trabalhadores afectados.
E para agravar as coisas, esta é uma área em que os curandeiros ajudam pouco, diferentemente de outras em que eles competem ferozmente na oferta de soluções e conforto. Na verdade, os nossos médicos tradicionais deveriam ser encorajados a se ocuparem desta área como já o fazem em relação às doenças curáveis e incuráveis e aos azares amorosos. No entanto, enquanto não se avançam soluções metafísicas para este fenómeno, talvez os economistas possam avançar algumas explicações.
Não fará sentido, na conjuntura actual, olhar para as organizações empresariais com uma visão ecológica? Estou perfeitamente convencido que, nesta perspectiva ecológica, o conjunto das organizações seria visto como um ecossistema no qual o ambiente exerce uma influência poderosa. Aqui, ao invés dos curandeiros, poderíamos chamar os biólogos para nos explicarem que num ecossistema existem espécies que se adaptam ao ambiente em que vivem e conseguem evoluir, enquanto outras não possuem essa capacidade de adaptação e se extinguem através de um processo de selecção natural.
Também no mundo empresarial, a volatilidade ambiental em que as organizações operam provoca uma selecção natural. É este contexto que determina o surgimento daquilo que designaríamos por taxa de mortalidade empresarial. Num ambiente desta natureza, as empresas que sobrevivem, mesmo com dificuldade, acabam por limitar a margem de escolha das suas estratégias. Procuram assim minimizar as consequências da intempérie, procurando adaptar-se às circunstâncias do mercado.
Moçambique está actualmente a passar por um desses processos. A selecção começou a evidenciar-se nos meados da década de 80, quando as empresas começam a operar num contexto interno e internacional complexo e mais competitivo.
Os processos de selecção natural podem ser socialmente dolorosos, com consequências negativas em termos de emprego e riqueza. Acredita-se, por outro lado, que a selecção natural pode promover os ajustamentos no tecido empresarial necessários para sustentar o crescimento da riqueza de forma duradoura no longo prazo. Neste caso, as organizações que encerram libertam recursos para as que resistem e para outras actividades que encontram assim melhores condições para florescer. As espécies mais capazes adaptam-se, algumas transformam-se, as que não se extinguem tornam-se mais robustas, e surgem novas espécies. Ou seja, a selecção natural pode criar condições mais favoráveis ao desempenho e prosperidade. Este desiderato, no caso moçambicano, tarda a visualizar-se.
Quer-me parecer que a ausência de empresas moçambicanas de elevada dimensão constituiu-se num forte obstáculo para a delineação de estratégias individuais direccionadas para reduzir a sua vulnerabilidade. Quatro problemas estruturais podem, entretanto, ser identificados:
(i) As empresas moçambicanas do têxtil, vestuário, calcado e pequena industria transformadora concentraram-se sempre em actividades de menor valor acrescentado, na cadeia de valor em que se inseriam. Em particular, concentraram-se sempre na produção de matérias-primas e produtos intermédios, tendo uma nula presença na concepção do produto, distribuição e comercialização internacionais;
(ii) A sua fonte tradicional de vantagem competitiva tem sido o baixo custo de mão-de-obra, vantagem que ficou ofuscada com a crescente tendência de conceder subsídios a indústrias similares de menor vantagem comparativa nos países industrializados;
(iii) Os sectores sempre apresentaram uma forte debilidade nos seus factores de competitividade, principalmente devido aos fracos níveis de qualificação dos recursos humanos, fracos níveis de profissionalização da gestão e ausência quase total de investimentos em investigação e desenvolvimento;
(iv) Inexistência de uma base tecnológica de suporte, bem como de um enquadramento politico-legal eficaz;
(v) Uma estrutura das indústrias bastante fragmentada, não existindo, alem disso, grandes protagonistas que pudessem e possam dinamizar e dar coerência à actuação das empresas dos sectores mencionados.
Estes problemas têm uma tradução muito concreta: a reduzida produtividade da industria moçambicana de transformação, do têxtil, vestuário e calcado. Isto consubstancia-se na sua fraca capacidade para transformar os recursos utilizados em riqueza e na sua incapacidade para competir com produtos mais baratos e, geralmente, de melhor qualidade que, com a liberalização da economia moçambicana começaram a ter acesso ao nosso mercado. Os próximos dois artigos analisarão com mais detalhe todos estes factores.
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