quarta-feira, 13 de novembro de 2019

O jornalismo especulativo

O jornalismo especulativo
A imprensa é um elemento chave da democracia. Não é à toa que é considerada uma forma de poder, o quarto se não estou em erro. Todo o poder corrompe. Entendo a corrupção, neste caso, como o uso indevido desse poder para fins que não têm nada a ver com a ideia por detrás do jornalismo. Há, infelizmente, na nossa praça, um jornal, o Cartamoz, que tem prestado um serviço muito duvidoso em relação à insurgência armada em Cabo Delgado. Leva a sua imparcialidade ao extremo de não se importar com as consequências do que tem noticiado. Por vezes, dá a impressão de estar a assumir o papel de porta-voz da insurgência, algo que me parece grave e devia merecer alguma atenção da parte dos órgãos éticos da comunicação social.
Reproduzo aqui a última peça com comentários meus. Gostaria que os meus amigos jornalistas de profissão que andam por aqui me dissessem se eles se identificam com este tipo de jornalismo e, claro, se estou a exagerar. Poupem-me, contudo, a acusação de estar a fazer perseguição ao jornal que isso já não pega.
Ataques em Cabo Delgado: assassinatos, detenções e raptos continuam na ordem do dia
[O título é vago. Nâo faz distinção entre o que a insurgência faz e o que as FDS fazem. Coloca tudo no mesmo saco. Pode ter razão, mas nesse caso precisa de fazer um trabalho específico que documente esse]
Apesar da forte presença de agentes das Forças de Defesa e Segurança (FDS), as populações dos distritos afectados por ataques “terroristas”, na província de Cabo Delgado, continuam a viver dias difíceis, com os insurgentes protagonizarem alguns ataques, que culminam com a morte de mais cidadãos, deslocação doutros, incêndio de palhotas e barracas de venda a retalho. [começa com uma crítica veilada e gratuíta às FDS; se explicasse, por exemplo, que critérios usa para avaliar a maneira como a prresença das FDS devia ajudar a aliviar a situação das populações, prestaria um bom serviço informativo. Coloca a palavra “terrorista” entre aspas, o que me deixa confuso; não acha que sejam? Tudo bem, mas que explique, então, porque os insurgentes não devem ser chamados assim e, acima de tudo, a quem está a contradizer]
Os insurgentes emboscaram uma viatura “Mahindra”, das Forças de Defesa e Segurança, por volta das 11 horas do último domingo, na zona da pedreira, no troço Macomia-Mucojo, relatam fontes de “Carta”. Na incursão, eles começaram por atingir os dois ocupantes da frente da viatura, o motorista e um comandante, e a seguir houve troca de tiros entre as partes. O carro capotou e dois agentes morreram. Um terceiro, que contraiu ferimentos graves, foi levado ao Centro de Saúde de Mucojo. [a marca comercial do jornal: “fontes”. Tudo bem, o jornal tem o direito de proteger as suas fontes. Mas porque acha que essas fontes estão a dizer a verdade? É que a informação é tão precisa que essa fonte deve estar muito bem informada. De qualquer maneira, o jornal procurou confirmar essas informações junto das FDS? Elas recusaram-se a prestar informações?]
A viatura, que seguia de Macomia em direção a Mucojo e transportava produtos alimentares para abastecer uma posição, ficou em cinzas depois de pegar fogo. Na vila de Macomia, fontes viram, por volta 12 horas, um “Mahindra” vermelho seguindo na direcção do local do ataque, crendo-se que ia prestar socorro. [o parágrafo tem todos os atributos duma narrativa forçada. O jornalista tem uma história para contar e para o efeito apoia-se em “fontes” e suposições para lograr isso. Deixa uma sensação de vazio para quem quer se informar e não apenas confortar alguma convicção]
No mesmo domingo, uma viatura civil, de transporte de passageiros, que partira da praça de Macomia em direção a Mucojo, foi forçada a regressar, depois que o motorista foi alertado para a presença de insurgentes na via. Ontem, segunda-feira, a circulação de viaturas no troço Macomia-Mucojo e Quiterajo foi feita, mas com medo. Os carros, que habitualmente chegam a vila sede de Macomia, idos de Mucojo, entre as 6 e as 7, ontem chegaram mas tarde. Alguns transportadores não fizeram a rua. Fontes acrescentam que, antes do ataque à viatura militar, um grupo de homens armados foi visto a beber água perto dum riacho muito próximo da aldeia Manica, que dista cerca de 20 km da pedreira onde foi atacada a viatura militar. No mesmo local onde foi queimada viatura “Mahindra”, no domingo, um grupo de passageiros que regressava achou uma arma de fogo. [um jornalismo mais sério traria aqui depoimentos de várias pessoas para dar mais substância ao que se relata; pessoas que não puderam circular, transportadores que ficaram em casa, etc. Mas nada. “Fontes” viram ou disseram. Nem que inventassem um nome e dissessem que é para proteger a fonte, mas nada. Eu fico com a sensação de que nem mentir conseguem fazer]
*Incursão e saque a Naleque*
Outro caso recente, reportado à “Carta”, deu-se por volta das 17 horas do passado dia 07 de Novembro (quinta-feira), 24 horas depois de as FDS terem recebido reforço de militares provenientes de outros quartéis do país, quando o grupo atacou a aldeia Naleque, localizada a cerca de 20 km da Vila-sede do distrito de Nangade. Durante a “incursão”, os insurgentes queimaram mais de 40 casas e saquearam diversos bens e produtos alimentares. Não houve registo de perda de vidas humanas. As fontes contam que, quando os terroristas escalaram a aldeia, a população já não se encontrava no terreno, devido a um alerta telefónico dado por alguns agricultores que acompanharam a “visita” dos malfeitores, quando regressavam das suas machambas. [mais uma vez as “fontes”; imagino que ninguém queira dar na cara lá na zona de conflito, mas cabe um breve perfil da tal fonte para a gente ter mais confiança no relato; o propósito do parágrafo nao está claro. É para dizer que apesar de reforçadas as FDS não são um adversário à altura dos insurgentes? E de que “grupo” fala o jornalista? Porque é que desta vez a palavra “terrorista” não está entre aspas?]
As fontes asseguram que o ataque, que devolveu o clima de medo no distrito, não teve nenhuma resposta por parte das FDS.Já no dia 08 de Novembro, sexta-feira, o grupo atacou a aldeia Rueia, que dista a 2 km do Posto Administrativo de Mucojo, no distrito de Macomia. O ataque aconteceu por volta das 18 horas e, segundo narram as fontes, os “atacantes” terão, primeiro, disparado vários tiros para o ar e, de seguida, balearam mortalmente um cidadão que, em vida, respondia pelo nome de Mbaguia, comerciante de polvo. Depois, avançam as fontes, os “insurgentes” queimaram 103 palhotas e sete barracas de venda de produtos alimentares. Fontes da “Carta” asseguram que a aldeia de Rueia foi um dos pontos de recrutamento dos jovens que integram o grupo “terrorista”, tendo perdido 20 jovens que, há alguns anos, seguiam teorias islâmicas radicais. [E a credulidade continua. Sempre as “fontes” sem nenhuma indicação do trabalho que o jornalista fez para verificar a veracidade do que é relatado. A fonte disse, então é verdade! E sempre a apresentação negativa das FDS que nunca têm o direito ao contraditório. Mesmo supondo que elas se recusem a prestar informaçoes é obrigação do jornalista de dizer aos seus leitores que tentou falar, mas houve recusa]
*Raptos e detenções*
Enquanto algumas populações são vítimas de ataques “terroristas”, outras vêem seus ente-queridos serem raptados ou detidos pelas autoridades, desde a Polícia até aos militares. É o caso de uma mulher (não conseguimos apurar o nome), residente na aldeia Marere, no distrito de Mocímboa da Praia, que foi raptada na passada terça-feira, 05 de Novembro, alegadamente pelos “insurgentes”, quando se encontrava na machamba. [muito pouco para um jornalismo sério. Faz-se uma acusação grave às FDS. Parece-me irresponsável apenas dizer a coisa sem procurar investigar mais a fundo e saber realmente o que se passou, fornecer mais informação que reforce a versão de má conduta por parte das autoridades. É um relato gratuito]
Ainda na semana finda, um jovem de nome Babu, que se dedicava à venda de telemóveis, foi detido pelos militares na aldeia de Miangalewa, no distrito de Muidumbe, e encaminhado para o distrito de Mueda, onde se encontra até hoje. Um cidadão estrangeiro, que integra a equipa que constrói a ponte sobre o Rio Messalo, na estrada Macomia-Awasse, envolveu-se numa briga violenta com elementos das FDS, na vila de Macomia, depois de ter registado, através de uma máquina fotográfica profissional, imagens sobre o ambiente daquele local, algo “proibido” naquele ponto do país. [que certeza é que o jornalista tem de que esse jovem se encontra nesse lugar? Ou por outra, como procurou estabelecer a veracidade da coisa até ao ponto de achar que valha a pena partilhar com o público?]
Colegas do indivíduo contaram à “Carta” que os elementos das FDS, que testemunharam o facto, ameaçaram o referido cidadão estrangeiro, o que originou a briga, tendo sido detido e solto horas depois. Refira-se que, na última sexta-feira, 08 de Novembro, durante o encerramento de mais uma formação de sargentos milicianos (15º curso) e sargentos do quadro permanente (10º curso), no distrito de Boane, província de Maputo, o Ministro da Defesa Nacional, Atanásio M’tumuke, exortou os oficiais a tudo fazerem para acabar com a onda de ataques, que já ceifaram mais de três centenas de vidas humanas. *(Omardine Omar)* [e termina com um comentário político que, no fundo, é uma insinuação sem lugar numa reportagem. Se a ideia que quer transmitir é de que as FDS não estão a cumprir com o seu papel, então que estruture a peça nesse sentido. Seria útil, assim sendo, que confrontasse o ministério da defesa e pedisse a sua opinião sobre o assunto]
Eu acho este tipo de jornalismo muito problemático. Nao só fere as regras elementares do jornalismo como também me parece socialmente irresponsável. Pessoalmente, tenho muitas reticências em relação à conduta das nossas FDS, mas não acho prudente tratá-las desta maneira num órgão da comunicação social que tem um compromisso com a ordem democrática. Não deve ser fácil fazer jornalismo em zona de guerra e, por isso, estes jornalistas corajosos que vão até lá merecem todo o meu respeito. Mas por causa disso mesmo precisam de ser mais responsáveis. Chega a ser desinformação. Mas é também uma chamada de atenção às autoridades para serem mais comunicativas. Neste aspecto têm falhado muito, o que é grave em situação de violência. Grave e irresponsável.
Comentários
  • Ricardo Santos Não estou de acordo em chamar especulativo a este tipo de jornalismo que é praticado tipo irmãos Dupont e Dupont pela Carta e pelo Savana. Para ser definitivamente claro: não tenho nada contra o jornalismo praticado pelo Canal de Moçambique. Este jornal é reconhecidamente um órgão oficioso da Renamo e tem nos seus quadros, a começar pelo Director, conhecidos simpatizantes da Renamo, seja lá o que isso for. O Canal tem uma linha editorial Clara que não tenta enganar ninguém. Embora eu discorde frontalmente dessa linha editorial, esse jornal tem o mérito de não estar aí para enganar ninguém. Coisa que não acontece com a Carta e o Savana que se proclamam da independência e da integridade. Esses jornais não especulam. Tem uma linha deliberada de tentar enganar as pessoas. O que é muito grave.
  • Mablinga Shikhani Primeiro passo para o jornalixo...
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  • Raul Junior Há muita poeira sobre os ataques!

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