quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Comparações despropositadas

Comparações despropositadas
Em Moz, e no continente africano, é costume ver partilha de notícias dando conta da vida simples, por vezes até austera, de políticos (ou mesmo de gente rica) do mundo desenvolvido. Essa simplicidade é contrastada com os níveis muitas vezes ridículos de ostentação dos nossos políticos (ou dos nossos ricos). Dá que pensar, de facto, ver o primeiro ministro dum país europeu de bicicleta com um homólogo qualquer, ou a fazer as suas próprias compras no mercado. É uma diferença abismal que nos dá, quiçá, uma medida mais ou menos exacta das diferenças entre os nossos países pobres e os países deles ricos. Quem sabe, se calhar reside aí a explicação.
Não, não reside! O que me parece certo é que este tipo de comparação documenta, e muito bem, a nossa indignação. Num país que vive de ajuda externa como o nosso, é sempre confrangedor ver líderes políticos a ostentarem riqueza ou a insistirem em regalias das quais podiam facilmente prescindir sem afectar o seu desempenho e, quem sabe, poupando algo que poderia aliviar a pobreza de pelo menos umas 10 pessoas. A indignação é uma manifestação legítima de anseio por justiça social. Só que a comparação não tem outra utilidade senão mesmo como desabafo. Acima de tudo, ela não tem o valor pedagógico que muita gente que partilha esse tipo de notícias pode se sentir tentada a pensar que tenha.
Nós não somos, nem continuamos, mais pobres porque os nossos dirigentes vivem à grande. Eles não são mais ricos porque os seus líderes são modestos. Não há nenhuma relação entre as duas condições. Na verdade, não são as regalias dos políticos que explicam a pobreza dos outros. São, quando muito, as diferenças que existem entre nós mesmos que fazem isso. O pouco mais que você tem para além das suas necessidades básicas é mais relevante para entender a pobreza dos outros (da maioria) do que as regalias dos chefes. Não são boa coisa, mas não explicam muito. E essa é a questão.
A modéstia deles (dos dos países desenvolvidos) manifesta apenas o seu bem-estar. Só isso. Quando você está bem e não tem preocupações de maior na vida, quando você sabe que mesmo perdendo o cargo vai continuar a viver bem e em segurança, você dá pouca importância a esse tipo de coisas. Você deixa de ser o cargo para ser você mesmo. Você relaxa, portanto. Sei isso de mim próprio. Não tenho cargo político, claro, mas tenho um emprego que me permite satisfazer uma boa parte das minhas necessidades materiais. Não tenho carro (já tive e sempre posso adquirir um se achar que preciso), ando a pé, de bicicleta ou de transporte público, vivo num apartamento arrendado, tenho seguro de saúde que me permite cuidar da minha saúde e no fim de mês sempre sobra algum dinheiro para eu satisfazer caprichos como comer fora, ir ver um jogo de futebol, ir a concerto, viajar de férias, etc. Não sinto a pressão de viver demonstrativamente bem porque aqui onde estou isso não impressiona a ninguém. Estar visivelmente bem não é condição para eu ser tratado de forma melhor nos serviços públicos ou em seja o que for.
A ostentação dos nossos dirigentes – e de muita gente que não está na política, mas está mais ou menos bem na nossa sociedade (e eu vejo isso todos os dias no Facebook) – é ela também manifestação do estado em que o País se encontra. Há um livro antigo de Erich Fromm (Ter e ser) que ajuda a perceber isto. Onde o acesso às condições de melhor vida é difícil, o ter sobrepõe-se ao ser. O consumo passa a ser o motor da nossa vida. Quanto mais escassos forem os bens materiais, mais queremos acumula-los e mais escravos nos tornamos deles. Quando saí de Moçambique nos anos oitenta só queria comer maçã até doer a barriga. Quando comparo as minhas condições materiais com as de algumas pessoas da minha geração (ou mais novas) em Moz vejo diferenças abismais a seu favor. Viver para manter isso é a razão de existência de muitas delas, algo que é completamente diferente comigo porque no meu bem-estar não me sinto ameaçado pela pobreza de ninguém, nem estou privado de acesso ao que preciso para levar uma vida digna. Eu sou. De novo, é verdade que os nossos políticos exageram (assim como muitos de nós exageramos), mas não é isso que explica porque nós somos pobres e os outros são ricos.
O nosso comportamento documenta apenas o estado actual da nossa sociedade. Quem tem, alimenta-se melhor com menos. Consome qualidade em tudo, não quantidade. Pode se permitir a modéstia e frugalidade. Não há dia que o Facebook não tenha fotos de vários tipos de ostentação: culinária, turística e até profissional. Não critico isso. Constato apenas. Vejo menos disso com os amigos de países em situação económica melhor. O Lyndo A. Mondlane, por exemplo, mostra quase sempre fotos do seu hobby de ciclismo. Vive na Espanha. Não tem que mostrar a ninguém que tem tudo o que precisa para viver. O simples torna-se interessante. Não sofre essa pressão de sobressair, a qual muitos sucumbem com facilidade porque o ambiente em que vivem torna isso funcional à reprodução da sua afluência.
Os nossos dirigentes podiam andar a pé, viver em palhotas e comer apenas “tseke”, mas isso não faria nenhuma diferença para a pobreza da maioria dos moçambicanos. Isto por uma razão muito simples: essa pobreza tem razões estruturais que não explicam o bem-estar dos dirigentes. Seria mera demagogia. Abordar essas razões estruturais parece-me mais importante do que comparar alhos com bugalhos. O foco tem que ser esse. Onde são todos iguais, mas a gente não vê isso, é nas vantagens que lhes são conferidas pelos cargos. Só por opção pessoal é que filho de dirigente por aqui não estuda, nem tem emprego. E esses cargos são um tranpolim para outros cargos e regalias como se sabe, por exemplo, aqui na Suíça. Os deputados não têm salário, mas há muitos que são membros de conselhos de direcção de grandes empresas (principalmente seguradoras na área da saúde) e chegam a receber (só para participarem em 4 reuniões por ano) mais de 100 mil dólares por ano! De dia discutem leis que afectam essas empresas...
Eu percebo a atracção que estas comparações superficiais podem exercer no imaginário de quem tem na classe política a única referência para avaliar o País. Só que é um grande equívoco. Simplifica demais os nossos problemas. E muitas vezes é incoerente, pois poucas das pessoas que fazem essas comparações “partilham” o pouco que têm com aquele que nada tem. Só reclamam o que os outros não partilham. Para a indignação ser eticamente genuína, essas pessoas deviam, como recomenda o filósofo Peter Singer, também só viver do básico enquanto houver pessoas no mundo que passam privações. Essa ética que é só vincada quando são os outros a usufruirem parece-me hipócrita.
Comentários
  • Orlando Bila Estou sem palavras. Infelizmente há falsos moralistas nestas terras, esta certo Peter Singer.
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  • Dioclécio Ricardo David Pressupondo que as percepções têm o seu valor político, creio que um dirigente pródigo ou tendencialmente pródigo pode transmitir uma percepção de mau gestor da coisa pública. Mais, num mundo de desigualdades acentuadas e que muitos dos recursos colocados à disposição dos servidores públicos são escassos, também creio que um dirigente pródigo pode tacitamente transmitir a ideia de que a probidade e austeridade administrativas são princípios anémicos e de pouca utilidade pública. Digo isto numa perspectiva pedagógica que julgo impor-se no exercício da actividade de servidor público. É verdade que a linha divisória de um servidor público austero e probo, e um demagogo às vezes é bastante ténue, mas nem sempre as duas realidades se confundem. Isto se sobreleva nos casos em que os Estados administrados por tais servidores estão sob medidas de austeridade severas impostas pelos credores. É importante passar a imagem, pelo menos isto, de que a classe dirigente não está ao arrepio de tais medidas.
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  • Benedito Mamidji Subscrevo!
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  • Ricardo Santos Foste muito mais didatico do que eu. Mas irrita-me profundamente a demagogia populista dos que partilham posts a mostrar que os ricos andam de bicicleta. Em relação aos nossos políticos há também uma certa herança do tempo do barbudo logo após a independência em que era preciso afirmar o estatuto dos ex-colonizados. Mas hoje em dia os tempos passaram mas alguns salamaleques persistem e chegam a ser ridículos.
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  • André Jose abraço ;)
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  • Tomás Timbane Absolutamente de acordo.
  • Lyndo A. Mondlane Prof..os problemas de pobreza em mz, nenhum partido vao solucionar aquilo
    É estrucyutao, e supera as diferenças partidarias


    Ha muiyos q pendan q basta mudat de partido para ser prospero..e nao vai ser assim
  • Gigi Guerreiro " Onde o acesso às condições de melhor vida é difícil, o TER sobrepõe-se ao SER. " - É a definição da sociedade Moçambicana de momento!
  • Antonio Gundana Jr. Prof. se alguns mozas pararem de ostentar o seu "bem-estar", não terão mais nada para publicar nas redes😂
    Quando não há confiança
    Este comunicado da União Europeia é muito estranho, senão mesmo algo irresponsável. Contrasta radicalmente com aquilo que a missão disse logo após às eleições. Inclui vários elementos especulativos que revelam falta de seriedade e, acima de tudo, falta de tacto político.
    Os resultados, para mim, são surpreendentes, mas também não quero cair facilmente na versão da fraude. Da mesma forma que não esperava um vitória retumbante da Frelimo e do seu candidato, também não fico surpreendido com a cilindrada sofrida pela oposição. Convenhamos: ela fez pouco para merecer melhor resultado, o que para mim é um grande alívio, pois ela, demomento, não está à altura do desafio de governar. Reconheço, contudo, que a democracia em circunstâncias como a nossa é um jogo da soma zero. Ganha-se tudo e perde-se tudo.
    A União Europeia já teve um protagonismo problemático aquando das penúltimas eleições. Ao invés de encorajar o líder da oposição a respeitar a ordem constitucional e estimular o governo da Frelimo a convocar outras forças vivas da sociedade para a negociação da crise política que se instalara na sequência das penúltimas eleições, a UE bancou um processo de paz politicamente irresponsável e encorajou os principais intervenientes a mentirem ao País que tinham alcançado a paz definitiva. Dizem que foram 60 milhões de notas verdes.
    Mesmo sabendo que nenhum dos signatários do acordo atribui a menor importância ao mesmo, a UE produz um "relatório" que no contexto actual de crispação política vai apenas incitar os ânimos ainda mais. A inépcia política do principal partido de oposição veio ao de cima recentemente quando "militantes" exigiram a cessação do centro e norte do País - ao estilo da reacção das penúltimas eleições - e o seu actual presidente prometeu discutir isso em reunião do órgão máximo do seu partido. Teve uma excelente oportunidade de mostrar grandeza e maturidade política tornando claro aos seus seguidores que a democracia é mais importante, o respeito pela ordem constitucional é sagrado e que tudo deve ser resolvido na base desses dois princípios. Nada. Alinhou no discurso bélico ecoado por alguns imbecis que andam aqui pelo Facebook. Podia ter emergido maior do que o seu adversário da Frelimo, podia finalmente ter dado substância à ideia de que o seu partido luta pela democracia, mas nada, revelou aquilo que parece a verdadeira face do seu partido. Tudo isto sabendo que não tem exército, que precisa de estabilizar a sua própria liderança e, sobretudo, porque não tem capacidade para mais. Da última vez o partido apostou alto e perdeu tudo. A Frelimo agora não só tem os governadores como também tem os secretários de estado. Quanta ingenuidade! E alguns de nós avisamos...
    Num contexto como este, um relatório tão contraditório como o da missão de observação eleitoral da União Eleitoral constitui um incitamento à violência e ao caos. É precisa muita inépcia política e diplomática para tanta ingenuidade.
    Só que, prontos, o problema, como sempre, não são os de fora. Somos nós. É a história do ovo e da galinha. Quem veio primeiro? A confiança ou a democracia? Os actores políticos moçambicanos - incluo os membros séniores dos partidos políticos, as OSC, os intelectuais partidários, etc. - estão a falhar no seu dever de colocar o País em primeiro plano. Custa chegar a esta conclusão, mas não merecemos melhor do que temos agora.
    Estamos ao relento.
    N.B. Por mais curioso que possa parecer, o futuro do País está fortemente dependente da maturidade da oposição. Infelizmente, os sinais que ela emite são confrangedores.
    Comentários
    • Ser - Huo À primeira vez que o "Comunicado", achei que fosse montagem de alguém, fui ao website deles, e lá estava, e confirmava que algo não estava bem com a organização. Elaborar um documento desse tipo, fundado em especulação, e atiçando crispação, é de todo irresponsável. Comparando com o Comunicado emitido logo após as eleições, que é bem diferente deste último, esperei que nas horas e dias seguintes algum outro Comunicado fosse emitido a dar a entender que um malandro feito de hacker meteu isso na página deles, mas debalde. Parece que foram mesmo eles que elaboraram. A questão é: com que intuito? Será intenção deles ajudar objectivamente a incendiar o país? E os resultados estão ai, o fantasma da guerra e da divisão do País está a voltar, nas calmas, e agora com essa afã de "mesmo a UE disse que houve fraude, enchimento"... etc. Como dizem os nrazucas, "cadê" as provas concretas, além de especulação???
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      • Elisio Macamo é até de rir de tristeza. não percebo esta atitude.
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      • Ricardo Santos Um tal comunicado só pode ter sido patrocinado pela indústria do armamento que está desejosa de ver o nosso pais a ferro e fogo.
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      • Jimmy Zaqueu Apesar de contrastar com o que foi o pronunciamento deles (UE),durante a conferência de imprensa após o encerramento do processo de contagem, estes "fulanos" deveriam na altura, ter provado por "A+B" o que hoje ousam dizer! Em minha opinião,até deviam Ver Mais
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    • Emilio Maueie O pior de tudo isto, para gente com raiva da frelimo, que se serve tudo socar nela, vai buscar conforto nisto e esticar trombone. E ainda vao dizer que sao pela paz, sao pelo país. Está a nos faltar atenção de forma muito perigosa
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    • Augusto Ferdinando Sr professor Elisio Macamo, a missão de Observadores da UE emitiram a sua opinião verbal, mas já que "ouvir dizer não se escreve" ei-lo o documento oficial. Tal como o presidente da CNE emitiu o seu posicionamento de dito pelo não feito.
      A maior batata quente mesmo está com a CC.
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    • Augusto Ferdinando Afinal onde está o civismo do povo mozambicano, o que custa para uma eleição LIVRE, JUSTA E TRANSPARENTE! Qual é o problema do partido maduro em não confiar num órgão que eles criaram! O pior de tudo, um país que necessita tanto de recursos financeiros que não têm e gastam para uma baita confusão!?
    • Roberto Paulo Parece que há muita poeira empoeirando quase tudo, mas espero que um dia a poeira baixe.
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    • Ismail Mahomed A EU foi nos bastidores quem cosinhou as autarquias provinciais na esperanca de os seus preferidos tivessem ganho algumas provinciais mas para sua infelicidade e frustracao nao conseguirán e dai a tentativa de justificar a todo custo o desaire aos que prometeram ":CEU" la terra, na mesma linha estao alguma OSC
    • Paulo Phiri Nem sempre os posicionamentos devem ser de acordo com os nossos interesses.

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