terça-feira, 1 de outubro de 2019

Pensar sociologicamente

Pensar sociologicamente
O título é pretenciso, mas típico dum sociólogo (como eu). Por vezes, sinto a falta de algum raciocínio sociológico na abordagem de assuntos da nossa sociedade. Não é nada complicado. Não é preciso conhecer os clássicos da sociologia, nenhuma terminologia sociológica, nada, é só pensar como a gente pensa no dia a dia (quando a gente pensa de verdade). Pensar sociologicamente é aplicar o bom senso. E bom senso consiste em optar pela explicação mais simples que existe para algum fenómeno. É um pouco como o princípio de parcimónia (navalha de Ockam).
Três exemplos. O primeiro é a violência eleitoral em Gaza. Há quem procure encontrar aqui alguma defeito psíquico de gente de Gaza ou a génese da intolerância da Frelimo. A explicação pode ser mais simples. Em Moçambique as eleições não são sobre conteúdos, mas sim sobre demonstração de afiliação. É como ser do Barcelona ou do Real Madrid. Quando é assim, campanha é confrontação de torcidas e isso acarreta consigo o risco de violência. Como no futebol. Em Gaza parece haver maior predisposição para a violência simplesmente porque lá domina uma equipa (quer a gente goste ou não). Todo o desgraçado de outra equipa que lá for será visto como alguém que está a provocar. Curiosamente, nesses ambientes a violência até nem chega a ser rábida. A segurança de saber que se é a maioria ajuda a temperar os ânimos. Isso explica, inversamente, porque nos outros pontos do País a violência é mais fatal. O estrago visível mostra quem é quem. Em Gaza a violência é questão de frequência, noutros pontos do País de gravidade. Portanto, não há segredo aqui.
O segundo exemplo, inspirado pela notícia da detenção do filho dum grande veterano da luta de libertação nacional, é a inclinação aparentemente criminosa dos filhos da nomenclatura. É porque os pais são bandidos e ladrões, pensa-se. Nada disso. É porque pela estrutura de distribuição de oportunidades eles estão muito mais próximos das ocasiões que fazem o ladrão. O seu comportamento é o comportamento do moçambicano médio com a única diferença de que este último não tem as mesmas oportunidades. Em filosofia chama-se a isso de “sorte moral”. Há muitos moralistas aí (nas OSC e na oposição) que não são corruptos porque nunca estiveram expostos a uma situação que os obrigasse a escolher entre serem probos ou corruptos. Isto não quer dizer que não haja gente honesta em Moçambique. Há, muita até. Só que não existe nenhum gene que faz com que os membros da elite sejam mais propensos à má conduta. Portanto, aqui também não há segredo.
O terceiro exemplo é mais complicado. É a propósito da recente decisão dum académico de concorrer pela Renamo. Este pode ser um mau sinal para a Frelimo. A minha impressão é de que a esmagadora maioria do eleitorado moçambicano não vota de forma consciente. Por isso, quem decide as eleições, contrariamente ao que se pensa por aí, não são os números do povo desinformado. São os poucos informados e iluminados que se constituem como uma espécie de fiel da balança. O voto cafreal empata por uma lógica estatística simples e, naquilo que a ciência política chama de “milagre da agregação”, o voto informado desempata. Aqueles comícios todos em que se esbanja dinheiro do fundo eleitoral e, no caso da Frelimo, dinheiro também do estado, são até certo ponto inúteis. A Frelimo vai ganhar ou perder nas cidades, onde se concentra o voto informado. Eu se fosse oposição apostava lá e evitava Gaza (do ponto de vista puramente eleitoral, é um erro táctico fazer campanha onde você não tem chance de ganhar; você vai lá provocar as pessoas e o mais provável é que elas votem contra si...). O caso dum académico que se junta à oposição pode ser sintomático de algo que a Frelimo, completamente embriagada pela “Nyusiforia”, não vê, nem percebe, nomeadamente a alienação do voto informado (que faz a diferença em eleições como as nossas).
Pessoalmente, para terminar numa outra nota, acho preocupante que o voto informado moçambicano veja na Renamo uma alternativa séria e credível. Chegamos ao fundo do poço, mesmo salvaguardando o direito que cada um tem de cultivar as suas preferências. Foi isto que levou Trump e Bolsonaro ao poder. Não foram as massas como se costuma dizer. Foi porque partes importantes do voto informado deram o benefício da dúvida à mediocridade. E antes que me perguntem sobre se haveria opção: claro. A abstenção também é uma opção. Digo isso sem prejuízo da minha preferência por esta Frelimo cada vez mais irreconhecível.
Comentários
  • Celia Meneses A ocasião pode fazer o ladrão mas como se explica que tantos outros com possível acesso às oportunidades, ainda assim não as usem e não se corrompam? O que essas pessoas têm de diferente? Eu concordo contigo que as instituições e as leis devem estar pensadas para diminuírem as oportunidades ao mínimo. Mas entretanto,deixamos andar?
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    • Elisio Macamo boa pergunta, Celia Meneses, mas é empírica. aí preciso de dados concretos. o meu palpite é que esses "tantos outros" não são tnatos assim. há várias maneiras de se ser malandro. oportunidades de estudo fora do país, oportunidade de envolvimento em negócios lícitos, tudo isso.
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    • Celia Meneses Eu nao estou a falar de uma manga 🥭 ( embora o princípio para mim é o mesmo) quer seja uma manga ou uma plantação de mangas. Mas qdo se fala em milhões e bilhões alguma coisa se tem de fazer. Participar do lucro que resulta do abate de um bicho jurássico em extinção no nosso país é um crime que me perturba. O sujeito tem decerto condições de vida acima da média. Então, porquê? A resposta começa por nem sequer ter ficado em prisão preventiva. Gostava de saber quem pagou a caução ? Depois, sendo verdade que o pai é o MM este é sócio de uma empresa de segurança cujo tamanho em número de homens compete com o exército nacional! Fica sempre a dúvida de quem mais faz parte desta panelinha. Enfim.É um lamaçal!
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    • Elisio Macamo é a mesma coisa. não há mistério.
    • Celia Meneses Só revolta e vontade de construir muitas prisões e perder algumas chaves das celas.
    • Elisio Macamo sim, revolta. não aconselho a construção de mais prisões. serão mais uma fonte...
    • Celia Meneses Em Nova York foi uma festa encheram as prisões e passamos a poder passear pela cidade as 2 horas de madrugada, sem qualquer problema.
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    • Celia Meneses Foi um caso de estudo.
    • Elisio Macamo outro contexto. com aquela máfia das prisões privadas à espreita...
    • Celia Meneses Giuliani era o mayor...foi um belo mayor
    • Celia Meneses apesar de não gostar dele sei reconhecer um bom trabalho
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  • Jorge Saiete O voto informado na Renamo não resulta do facto de ver neste partido uma opção credível e séria. É um voto de protesto contra o partido no poder. Se isso é correcto, não sei. Mas é o que muitos jovens informados mas frustrado com a inexistência de resposta às suas demandas acabam fazendo. Votar contra é a opção, abstenção não transmite a mensagem que se pretende enviar.
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    • Elisio Macamo a questão é mesmo essa. quando o voto informado vira voto de protesto estamos mal. é por essa porta que o diabo entra.
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    • Hélio Maúre Elisio Macamo Prof...Tem receio de ser eleito um Trump ou Bolsonaro em Moçambique?!
    • Hélio Maúre Não sei se teremos essa sorte triste, se assumirmos como perigosos os homens como Trump ou Bolsonaro.
    • Elisio Macamo veremos. não acho nyusi à altura do cargo, mas pelo menos tem um partido com uma certa estrutura. agora, ossufo momade?
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    • Hélio Maúre Não tem uma veia política apurada. Mas se pode dar um voto de confiança ao Issufo. O Nyusi tem ao seu favor uma máquina robusta, experiente e estruturada. Mas essa máquina regrediu muito o país, nos mergulhando numa crise econômica e financeira muito profunda. Muito severa e dificilmente vamos recuperar desta catástrofe.
    • Elisio Macamo mas pelo menos é uma máquina. agora, momade e renamo não têm nenhuma estrutura. estão mais ocupados consigo próprios. infelizmente, por causa da sua situação precária, atraiem oportunistas. não vejo como o país estaria bem com esse pessoal.
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    • Hélio Maúre Concordo! A falta de capacidade organizativa no seio da Renamo é desgastante. É sempre necessário que os fiscalizador do trabalho do Governo ou a oposição seja forte, esse é o um dos princípios para a boa governação e desenvolvimento do Estado.
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  • Hélio Maúre "Qualquer outro desgraçado que joga para a outra equipa será visto como provocador"...É exatamente ai, temos que desconstruir esse pensamento de olharmo-nos uns aos outros como inimigos à abater...E se há a segurança de se ser a esmagadora maioria, o outro desgraçado não devia constituir ameaça. Em eleições somos adversários políticos, competidores e não inimigos, e depois dessa disputa, vamos coabitar. Temos sempre que pautar pela boa convivência e preservar as relações futuras entre competidores.

    "A estrutura da distribuição de oportunidades colocam uns mais pertos das ocasiões que fazem o ladrão"...Penso que, é mais a vulnerabilidade, a fraqueza de certos homens em criar também essas ocasiões ou ainda, as facilidades que lhes rodeiam os corrompem, mas deviam pautar por ser exemplares e evitar essa permeabilidade de cair em tentação.

    Por último, penso que pode-se lutar em ganhar terreno mesmo em campos onde se pode considerar difícil ganhar a batalha. Pouco à pouco, a oposição pode conseguir desferir bons golpes à posição ou situação e quem sabe, um ano ganha posição de relevância.
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  • Reginaldo Nhachengo Professor Elisio Macamo, penso que sugerir que a oposição não se faça presente nos locais como Gaza é esvaziar a essência da democracia. É preciso dar oportunidade a todo o cidadão de pelo menos ouvir sobre os manifestos, mesmo ciente de que o voto será pelo coração e não pela cabeça. Mas a longo prazo, a presença de todas forças políticas farão com que, paulatinamente, se construa a consciência política.
    • Elisio Macamo Reginaldo Nhachengo, não tem nada a ver com esvaziar democracia. é estratégico. esse é um princípio básico de campanha eleitoral muito praticado em democracias maduras. por exemplo, a frelimo pode estrategicamente evitar certos bairros da beira, quelimane e nampula.
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    • Reginaldo Mutemba Prof. Para nós, como não temos democracia madura precisamos de iniciar o nosso caminho. Há mais violência eleitoral pela distância que os líderes da oposição marcam em relação a Gaza. Não tenho muita certeza mas Gaza já foi pior. A aproximação cria essa dinâmica para aceitação do outro. Precisamos coragem para forçar a convivência. Acho presidente do MDM persistente e forte. É vergonhosa a situação de Gaza que está mais próxima de instrumentalização que realmente paixão voluntária dos membros da FRELIMO. O que pergunto é como a Frelimo justifica a narrativa de tolerância e unidade, aceitando o que se verifica em Gaza e outros locais do sul ?
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  • João Jorge Nguenha A prespectiva de analise trazida pelo senhor professor é a mais comum geralmente os eleitores no acto do seu exercicio civico, nao observam os aspectos ligados aos manifestos, guiam se mais pela filiacao partidaria.
    E mais, para o caso concreto dos nos
    sos chamados intelectuais, uma vez que as condicoes sociais sao a base de sobrevivencia, guiam se mais pelo umbiguismo para nao perderem posicoes nos seus postos de trabalho.
    Na zona rural pior ainda, pois o voto é analfabeto, guia se pela capulana, lenco e influencia do Lider traditional.
  • Ernesto Nhanale Elisio Macamo O que poderíamos esperar quando temos pessoas que pensam sob extremos e olham as coisas de forma polarizada e sem buscar compreender o fundamento e as formas mais básicas de explicar os processos? As pessoas metem-nos medo porque vão ao debate como se fossem lutar umas contra as outras, como debater problema fosse "disputar o prato de lentilhas em plena época de fome". O que esperar quando tens pessoas das quais se esperava o mínimo de lucidez nao conseguem discutir, apresentar ideias e conversar pacificamente; mas sim pensam como se estivessem no ringue? O que tenho vindo a notar 'e que as pessoas esgotam argumentos, perdem a capacidade de pensar e voltam-se contra os outros, deixam o objecto proposta ou que deveria ser em discussão para perseguirem as liberdades de opção uns dos outros, numa plena argumentação "ad hominem" (contra o homem)..enfim....Enquanto as coisas continuarem desta forma, dificilmente, vais ter pessoas que pensam sociologicamente; mas sim "estomacalmente", tao simples quanto isso!
  • Reginaldo Mutemba Voto consciente. Voto de punição ou de penalização; eu acho que de certa forma ajuda a mudança. As forças políticas, sendo grupos de pressão poderão dar caminho ao Estado que se pretende. Partidos sem estrutura vão criando estrutura. Frelimo vai se redifinir com a pressão outros partidos vão se estruturando com com a pressão que a Frelimo vai fazer. No fundo o espaço político não tem muitas diferenças. Não vejo ideias tão fortes que possam se parecer com Bolsonaro e Trump. Vejo aspirantes. Mesmo no partido governamental. Os grupos novos que vão entrando não tem tido o mesmo pensamento sobre o Estado Moçambicano.
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  • Alice Mabota Bravo professor elisio
    Quantas vezes disse para que as pessoas não se preocupasse com taxa que está província se engrenaria sozinha quando se sentir isolada dos ventos da democracia
  • Carlos Edvandro Assis Prof. Elisio Macamo o termo "torcida" usado no seu texto, me remete a pensar que a qualidade na votação pode estar anexa a maneira como a tal "torcida" se esbaldeia no estádio do Zimpeto quando se trata de votar a seleção por uma derrota!!!...

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