São variadas as questões jurídicas levantadas pela proposta de lei que aprova o Regime Extraordinário de Regularização Tributária e Cambial, agora em discussão na Assembleia Nacional. Vamos analisar algumas delas, tomando como base o texto que conhecemos, elaborado em Dezembro de 2017 pelo Banco Nacional de Angola.
Refere o artigo 2.º, n.º 3 que “As pessoas singulares e colectivas referidas no n.º 1 do presente artigo não são obrigadas a declarar a origem dos elementos patrimoniais declarados”. Ora, esta norma legitima aqueles que tenham obtido o seu património ilicitamente, em resultado de crimes contra a economia, branqueamento de capitais ou financiamento a actividades ilícitas, que assim ficam com a plena propriedade legal desse património.
O artigo 3.º, nº 1 estabelece como efeitos do cumprimento deste regime o seguinte:
“a) Extinção das obrigações tributárias e cambiais exigíveis em relação àqueles elementos e rendimentos, respeitantes aos períodos de tributação que tenham terminado até 31 de Dezembro de 2017;
b) Exclusão da responsabilidade por infracções tributárias e cambiais que resultem de condutas ilícitas que tenham lugar por ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar de livros de contabilidade ou escrituração, de declarações apresentadas ou prestadas à administração fiscal ou que a esta devam ser revelados, desde que estejam conexos com aqueles elementos ou rendimentos;
c) Exclusão da responsabilização por quaisquer infracções criminais relacionadas aos respectivos elementos patrimoniais.”
Por consequência, fica também excluída a responsabilidade das empresas estrangeiras, sobretudo bancos portugueses, que tenham transferido capitaisPARA o exterior, violando as regras existentes (capitais, prestação de serviços estrangeiros e aquisição de mercadorias), bem como de quaisquer facilitadores ou intervenientes na obtenção e transferência ilícita do património (consultores, advogados e responsáveis públicos) no planeamento, execução e aprovação das infracções.
O artigo 1.º exclui a obrigação de declarar elementos patrimoniais inferiores a USD 100 000,00, pelo que, aparentemente, um património global transferido para o exterior de um milhão de dólares, repartido em contas ou direitos de valor individual inferior a USD 99 999,99, não precisa de ser declarado; já para não falar na repartição desse património por membros do agregado familiar. Este artigo necessitava de uma especificação, por forma a englobar realidades diferenciadas.
O mesmo artigo exclui a obrigação de declarar imóveis e bens móveis, tais como objectos de arte, automóveis, artigos de luxo e direitos que sejam susceptíveis de possuir valor patrimonial convertível em dinheiro.
Nos termos do artigo 5.º, em caso de impossibilidade imediata ou definitiva de transferir o patrimónioPARAAngola, o infractor não é obrigado a abdicar desse património a favor do Estado, nem é responsabilizado por todos os custos relacionados com o repatriamento desse património, má gestão ou depreciação do mesmo, ou por ter ocultado a titularidade e localização desse património no exterior.
A legislação não prevê nem premeia com uma percentagem do património recuperado – à semelhança do que acontece noutras jurisdições – a possibilidade de qualquer denunciador colaborar com as autoridades nacionais, no sentido de detectar e recuperar património ilicitamente obtido ou existente no exterior.
Em geral, a legislação proposta não satisfaz o interesse público nacional, está distante da realidade angolana, já que consiste numa adaptação da lei portuguesa, cujos pressupostos são diferentes, e retira eficácia às regras já existentes, que são mais eficientesPARA resolver este problema, apenas necessitando de regulamentação.
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